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Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso | Canguilhem. Vitalismo y Ciencias Humanas | Francisco Vázquez García

Francisco Vázquez García | Foto: Universidad de Cádiz

Após a publicação, em 1987, do livro Estudios de historia de las ideasVol. 1, Locke, Hume e Canguilhem, escrito em coautoria com Ángel Manuel Lorenzo e José, L. Tasset, Georges Canguilhem (1904 – 1995) enviou a seguinte mensagem ao historiador espanhol Francisco Vázquez García: “Sua análise dos meus estudos de epistemologia me diz que você me leu com atenção e simpatia (…). Eu constatei com satisfação que você percebeu bem aquilo que meus trabalhos devem aos trabalhos, bem mais prestigiosos, de Bachelard e de Koyré. Não posso abandonar as lições que tirei dessas leituras.” (García, 2015). A seção do livro dedicada ao historiador francês recuperava o texto da monografia de licenciatura de Francisco, defendida três anos antes, na Universidad de Sevilla, sob o título La teoria de la historia de las ciencias de G. Canguilhem. Mais de trinta anos depois, García segue capaz de dizer coisas originais sobre a obra de Canguilhem – Georges Canguilhem: Vitalismo y Ciencias Humanas (2019) – e didatizar os usos da arqueo-genealogia de Foucault – Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso (2018), textos sobre os quais nos debruçamos a partir de agora.

Francisco Vázquez García é especialista em história cultural da sexualidade e em sociologia da filosofia contemporânea francesa e espanhola, professor de filosofia na Universidad de Cádiz (UCA) e presidente da Asociación Centro Iberoamericano de Estudios sobre Sexualidad. Ele é autor de dezenas de livros e artigos que mobilizam as metodologias histórico-epistemológica de Canguilhem e arqueo-genealógica de Michel Foucault para a abordagem de temas como a biopolítica, o racismo, a homossexualidade, o hermafroditismo e a identidade sexual do ponto de vista da história dos saberes médico e “psi”. Também é autor de livros em história da historiografia, como os Estudios de teoría y metodología del saber histórico: De la escuela historica alemana al grupo de los “Annales” e Foucault. La historia como crítica de la razón, ambos publicados pela editora da UCA. Seus últimos dois livros dedicados aos filósofos-historiadores franceses testemunham a competência de Francisco em todas aquelas áreas, ao mesmo tempo que comprovam o interesse e a atualidade das obras de Foucault e Canguilhem para a história da historiografia e para a teoria da história. Além disso, de modo não intencional, mas nem por isso desimportante, possuem interesse para o campo da Saúde Coletiva brasileira, notadamente em seu componente “Ciências Sociais e Humanas em Saúde”.

Em Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso, García orienta os usos práticos de categorias foucaultianas. Com uma introdução que reflete sobre “o que significa usar Foucault” e três capítulos que abordam, respectivamente, a “história do presente”, a “análise dos discursos” (ou arqueologia) e a “análise das relações de poder” (ou genealogia), o livro expõe, por meio de exemplos retirados da própria experiência de pesquisa do autor, a utilização dessa “caixa de ferramentas” como uma técnica de análise sócio-histórica que permite explorar os discursos, as relações de poder e as práticas de si. É um livro propedêutico de grande utilidade formativa, cuja primeira atividade de lançamento foi realizada no Brasil, no Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, e isso não é circunstancial.

O interesse desse campo de conhecimentos e práticas em saúde pela obra de Foucault acompanhou o processo de construção das suas bases epistemológica ao longo da década de 70, notadamente após a série de conferências ministradas por Foucault, em 1974, no Instituto de Medicina Social da UERJ (Naissance de la clinique, de 1963, também já circulava bastante no campo da Saúde no Brasil, inclusive a partir da tradução argentina, publicada pela Siglo XXI em 1966). De fato, os vários tipos de uso da obra de Foucault – como o programático, o poiético-praxeológico ou o segmentário, catalogados e classificados por Francisco a partir de uma ampla história intelectual da recepção do autor de O nascimento da clínica em diferentes contextos – podem ser identificados tanto nas historiografias feminista, decolonial ou LGBTQIA+, exemplos abordados em Cómo hacer cosas con Foucault, como nos debates que se desenvolveram nessas mais de quatro décadas da Saúde Coletiva brasileira, campo ao qual o autor, de fato, não se dedica, embora permita verdadeiros insights.

O segundo livro do mesmo autor, Georges Canguilhem. Vitalismo y Ciencias Humanas explica por que Francisco permanece, após tantos anos, na lista dos principais comentadores, ao mesmo tempo sendo reconhecido como um dos impulsionadores do movimento recente de redescoberta do autor de O normal e o patológico pelos historiadores. Não houve lançamento no Brasil, mas um dos seus capítulos mais interessantes foi inicialmente apresentado como conferência no colóquio “Canguilhem, a história e os historiadores”, realizado no Departamento de História da USP, em 2015. Em “Canguilhem, la Historia e la Geografia. El encuentro con la escuela de los Annales”, podemos dizer que Francisco realiza um movimento canguilhemiano em relação à historiografia das ciências.

Canguilhem não costumava revisar seus trabalhos nos momentos de reedição, mas esforçava-se para preservar o que neles havia de atual. “Há algo melhor a fazer do que salpicar de reparos ou enriquecimentos um antigo texto. É tratar como nova a mesma questão”, afirmou no prefácio à segunda edição de O conhecimento da vida (1989). Em 1966, Canguilhem lançou o livro O normal e o patológico, a reunião de dois textos: o Ensaio sobre alguns problemas relativos ao normal e ao patológico, tese de doutorado em Medicina defendida em 1943, e um texto inédito, intitulado Novas reflexões relativas ao normal e o patológico, escrito entre 1963 e 1966, quando já ocupava a presidência do Institut d’Histoire et Philosophie des Sciences et des Techniques. Dois textos, escritos num intervalo de cerca de vinte anos, abordando o mesmo problema. “Ao acrescentar algumas considerações inéditas ao meu primeiro Ensaio”, escreveu Canguilhem na primeira edição do novo livro, “busco apenas fornecer um testemunho dos meus esforços, se não do meu sucesso, para conservar um problema, que eu considero fundamental, no mesmo estado de frescor que seus dados de fato, sempre em transformação” (Canguilhem, 2006, p.x).

Desde que Francisco defendeu sua monografia de licenciatura em 1984, o “estado de frescor dos dados de fato” sobre aquela teoria da história das ciências foi renovado pela abertura aos pesquisadores dos arquivos pessoal e de trabalho de Canguilhem, depositados no CAPHÉS – Centre d’Archives en Philosophie, Histoire et Éditions des Sciences, em Paris. Do ponto de vista historiográfico mais imediato, a partir de anotações de cursos, documentos inéditos e outros textos até então considerados perdidos, Francisco foi responsável por trazer à luz o diálogo entre Canguilhem e autores como Vidal de la Blache, Lucien Febvre, Marc Bloch, Georges Friedmann e Maurice Halbwachs. Dessa maneira, apresentou uma leitura renovada da obra publicada e aproximou as preocupações de Canguilhem da história social, fazendo-nos ver um “modo de escrever a história das ciências distante do internalismo de Bachelard e Koyré”, como diz em sua Introdução. É preciso prestar atenção à especificidade do sentido desse distanciamento, dada por uma interpretação particular do autor sobre o significado de “internalismo”, uma acusação que, em seu sentido mais rígido, não consideramos ser aplicável nem a Bachelard, nem a Koyré.

Em Georges Canguilhem. Vitalismo y Ciencias Humanas, ao longo de sete capítulos divididos em três partes, Francisco vai nos mostrando esse novo modo de escrever a história das ciências, esclarecendo suas bases filosóficas, suas circunstâncias historiográficas e seu potencial heurístico (para um “Canguilhem do século XXI”, como diz). A primeira parte, com os capítulos “Filosofía y Vitalismo en Canguilhem y Ortega y Gasset” e “Vitalismo y Ontología en Canguilhem y Foucault”, trata do “problema ontológico do vitalismo”, cotejando a obra de Canguilhem com a dos dois filósofos. Na segunda parte, Francisco se dedica a explorar “o diálogo de Canguilhem com as ciências humanas”, para além, portanto, de certa imagem engessada do historiador das ciências e das técnicas que, a bem dizer, hoje, só persiste nos textos de vulgarização e na imaginação dos seus detratores. Além daquele texto sobre o diálogo com a geografia vidaliana e os Annales, essa parte traz um capítulo intitulado “Canguilhem y la Psicología” e outro sobre “Canguilhem y los Disability Studies”. Esse último torna a mostrar, agora via Canguilhem, o interesse que os livros de Francisco têm, simultaneamente, para o historiador e para o sanitarista, pois foi escrito num quadro de discussões realizado por ocasião de um estágio de pesquisa do autor espanhol no já mencionado Instituto de Medicina Social da UERJ. A última parte do livro se dedica às “recepções” de Canguilhem na França e na Espanha, com os artigos “La recepción de Canguilhem en la obra de Foucault” e “La recepción de Bachelard y Canguilhem en España (1960-1980)”.

O uso e a atualização das metodologias e teorias da história de Foucault e Canguilhem são, sem dúvida, as melhores homenagens que Francisco Vázquez García poderia prestar aos dois filósofos-historiadores. Os dois livros concentram os esforços empreendidos pelo autor ao longo de décadas para pôr fim ao diálogo de surdos e de fato fazerem cooperar mutuamente a epistemologia histórica e a história cultural da vida, do corpo e da sexualidade.

Referências

CANGUILHEM, Georges. La conaissance de la vie. 2ª ed. rev. e aum. Paris : Librairie Philosophique J. Vrin, 1989. (Problémes et controverses).

CANGUILHEM, Georges. Le normal et le pathologique. Paris: PUF, 2006.


Sumário de Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso

  • Introducción. ¿ Qué significa usar a Foucault?
  • Análisis de problematizaciones o Historia del presente
  • Análisis de los discursos o arqueologia
  • Análisis de las relaciones de poder o genealogia.
  • Coda final
  • Referências bibliográficas
  • Notas

Sumário de Georges Canguilhem. Vitalismo y Ciencias Humanas

  • Nota sobre la procedencia de los textos
  • Introducción – Un canguilhem del siglo XXI
    1. Filosofía y Vitalismo en Canguilhem y Ortega y Gasset
    2. Vitalismo y Ontologia en Canguilhem y Foucault
    3. Canguilhem y la Psicología
    4. Canguilhem, la Historia y la Geografía. El encuentro con la escuela de los Annales
    5. Canguilhem y los Disability Studies
    6. La recepción de Canguilhem en la obra de Foucault
    7. La recepción de Bachelard y Canguilhem en España (1960-1980)
  • Bibliografia

Resenhista

Tiago Santos Almeida – Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), professor colaborador e bolsista do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD/CAPES) junto ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás (UFG); pesquisador visitante do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia; coordenador do GT História da Ciência e Tecnologia da ANPUH-GO. Publicou, entre outros trabalhos, Canguilhem e a gênese do possível: estudo sobre a historicização das ciências (2018) e organizou a coletânea Historicidade e Objetividade (2017), de Lorraine Daston. E-mail: tsalmeida@ufg.br


Referências desta resenha

GARCÍA, Francisco Vázquez. Cómo hacer cosas con Foucault. Instrucciones de uso. Madri: Dado Ediciones, 2021. – (Col. Filosofía y Sociedad). GARCIA, Francisco Vázquez. Georges Canguilhem. Vitalismo y Ciencias Humanas. Cádiz: Editorial UCA, 2018. Resenha de: ALMEIDA, Tiago Santos. Sobre concepções e empregos da História e da Filosofia das Ciências. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.3, jan./fev. 2021. Disponíel em: https://www.criticahistoriografica.com.br/como-hacer-cosas-con-foucault-instrucciones-de-uso-canguilhem-vitalismo-y-ciencias-humanas-francisco-vazquez-garcia/

 


Consultar outras resenhas sobre o mesmo livro

Luis Roca Jusmet – Dorsal: Revista de Estudios Foucaultianos (2018).

Jesús González Fisac – Anales del Seminario de Historia de la Filosofía (2019).

Itamar Freitas

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