Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. | Luciano Amaral Oliveira

O livro Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática aborda o ensino da língua sob uma ótica pragmática, ou seja, levam-se em conta os usos da língua, seus falantes e os seus contextos de uso. Logo, o enfoque principal é permitir aos professores que se apropriem das concepções teóricas relativas ao ensino de Língua Portuguesa (LP), para que possam transmiti-los aos seus alunos conforme a vertente sociointeracionista de ensino.

O autor, Luciano Amaral Oliveira, atua principalmente nas áreas de leitura e produção textual, ensino de língua portuguesa e semântica. Professor da Universidade Federal da Bahia, é graduado em Economia, mestre e doutor em Letras e Linguística pela mesma instituição. Desenvolve pesquisas na área de estudos críticos do discurso e ensino pragmático de gramática, voltados para a formação e conscientização dos professores em relação aos aspectos discursivos da língua.

Neste livro, lança mão de uma excelente estratégia ao adotar uma linguagem menos técnica, ou seja, sem os jargões da grande área da Linguística, permitindo, assim, uma leitura agradável e, ao mesmo tempo, uma maior interação entre texto e leitor.

O uso de numerosos exemplos, bem como as sugestões de aplicação prática que acompanham os conceitos abordados nos capítulos, garantem o cumprimento da proposta do livro: ampliar as competências dos professores no que tange ao ensino de LP, uma vez que o público-alvo configura-se tanto por professores já atuantes, quanto por alunos em formação, permitindo, assim, a aplicação dos conhecimentos teóricos adquiridos.

Além da apresentação, introdução e conclusão, o livro é composto por seis capítulos nos quais o autor apresenta as teorias essenciais ao ensino de LP que são, por sua vez, fundamentais à prática em sala de aula. Com exceção do capítulo 1, que leva o nome do livro, os demais capítulos iniciam-se com os termos “o ensino pragmático” (da leitura, da escrita, de literatura, do vocabulário e da gramática), como veremos a seguir; isso se deve ao fato de que a concepção de língua adotada é aquela que se baseia no uso de seus falantes dentro de uma sociedade. Portanto, os conceitos abordados em cada um dos capítulos estão pautados em situações concretas de uso, a fim de permitirem a ampliação da competência do aluno e a real formação do professor para o trabalho com o texto, que precisa deixar de ser intuitivo para ser embasado e consciente.

No primeiro capítulo, “Coisas que todo professor de português precisa saber”, encontra-se o arcabouço teórico fundamental a todos os profissionais do ensino de língua. Luciano Amaral demonstra a importância da consolidação de conceitos como metodologia, concepção de ensino e de língua para que haja uma prática pedagógica bem fundamentada. Ressalta ainda a necessidade de o professor saber o que significa ensinar português, bem como a razão pela qual ele é ensinado nas escolas, permitindo, assim, que tenha domínio sobre sua área de atuação e faça um planejamento adequado de suas aulas, escolha as atividades e a forma de avaliação. Neste capítulo, encontramos ainda as concepções de aprendizagem, os métodos de ensino e os objetivos de uma aula de português. A maneira como o autor explica as concepções teóricas nesta parte do livro é bastante interativa, assemelha-se a uma conversa. Logo, consegue levar o leitor a uma boa compreensão teórica, por meio de uma leitura agradável e de excelentes exemplos.

O segundo capítulo, “O ensino pragmático da leitura” aborda os tipos de conhecimentos necessários para o desenvolvimento da competência leitora dos alunos. Dessa forma, Oliveira aponta a leitura como uma atividade que não é puramente linguística, envolvendo diferentes conhecimentos dos alunos. Além de traçar estratégias de leitura, o autor mostra a necessidade de o professor saber diferenciar tipos e gêneros textuais para que possa construir com os alunos os conhecimentos necessários nas aulas de leitura. Em relação à proposta de trabalho com gêneros textuais apresentada no livro, esta pode ser interpretada equivocadamente por leitores que ainda não estejam familiarizados com a teoria dos gêneros textuais, pois uma das atividades propostas é a apresentação de vários gêneros em uma mesma aula. É de se concordar com o que ressalta o autor quando diz que “o professor precisa apresentar aos alunos gêneros diversos para eles se familiarizarem com as formas distintas que os textos tomam para circular na sociedade” (p. 86). Entretanto, essa familiarização deve ocorrer de modo sistemático e contínuo durante toda uma vida escolar, como propõem diversos autores, entre eles Dolz e Schneuwly (2004) em Os gêneros orais e escritos na escola. O último tópico do capítulo pretende mostrar aos professores que determinadas atividades dos livros didáticos devem ser analisadas e criticadas de acordo com os elementos de textualidade apresentados no capítulo, e só devem se aplicadas caso apresentem relevância pedagógica.

O terceiro capítulo, “O ensino pragmático da escrita”, tem como o objetivo traçar os conhecimentos necessários para o desenvolvimento da escrita, apontando-a como um processo que leva a um produto e mostrando a importância das atividades de pré-escrita, assim como as etapas e estratégias da produção textual, a análise de atividades de livros didáticos e a avaliação processual da produção escrita. O autor nos fala da importância de um trabalho para além da apresentação dos gêneros textuais e diz que os alunos devem redigir, além da tradicional redação, pelo menos mais cinco gêneros elencados por ele como importantes: o relatório, o resumo, o questionário, o currículo e a carta de apresentação. A escolha de tais gêneros desfavorece o propósito do livro de aliar teoria e prática objetivamente, pois, embora em parte o autor esteja coerente, esses gêneros textuais são bastante utilizados em ambientes acadêmicos, ou seja, uma futura etapa da vida dos alunos. Eles deveriam ter sido apresentados como sugestão, para que o professor alie a proposta ao currículo de sua rede de ensino ou planejamento.

No quarto capítulo, “O ensino pragmático de literatura”, existe uma crítica à subdivisão do ensino, no qual literatura, redação e português são considerados disciplinas diferentes. Há um questionamento também em relação ao uso de textos literários com a finalidade de abordar tópicos gramaticais e ao fato de que, segundo o autor, a escola não vê a literatura como “um meio para desenvolver a capacidade do estudante de usar a língua” (OLIVEIRA, 2010, p.173). Nesse capítulo, Oliveira aponta uma justificativa para o ensino de literatura que seria, basicamente, a de despertar o interesse dos alunos por textos literários que, por sua vez, desperta a consciência crítica dos alunos. Acreditamos que essa proposta está condizente com o letramento literário, sugerido por alguns pesquisadores brasileiros, entre os quais Cosson (2009), uma vez que Luciano Oliveira acredita que esta prática é responsabilidade da escola, e que o professor tem papel fundamental ao despertar no aluno o interesse pela leitura literária, desenvolver o processamento sociocognitivo da leitura, bem como a compreensão e a construção de sentidos, formando, assim, leitores conscientes que atuem, de fato, como cidadãos.

O capítulo cinco, “O ensino pragmático do vocabulário”, demonstra a necessidade de o professor incluir em sua prática atividades voltadas ao ensino de vocabulário, já que este é relevante para o desenvolvimento da competência lexical dos alunos. O autor traz os elementos necessários para o conhecimento de uma palavra, a relevância do ensino do uso do dicionário e dos fenômenos semânticos no ensino do vocabulário – sinonímia, hiperonímia, etc. –, as discussões em relação ao novo acordo ortográfico, as reflexões acerca do poder expressivo das palavras e dos processos de estrangeirismos e empréstimos linguísticos. É um capítulo inovador, pois auxilia os professores na ampliação do vocabulário dos alunos de forma reflexiva, de modo que não basta expor os alunos a um léxico variado, mas sim levá-los a compreender o que é necessário para o conhecimento de novas palavras.

No último capítulo do livro, “O ensino pragmático da gramática”, Luciano Amaral ressalta a importância de inserir a análise linguística no lugar das aulas de nomenclatura gramatical; logo, critica a abordagem do ensino de gramática como transposição de nomenclaturas gramaticais por meio de exercícios estruturalistas. O autor aponta que “não existe língua sem gramática” (OLIVEIRA, 2010, p.236), portanto é necessário que ela seja ensinada para que os alunos desenvolvam a competência comunicativa. Nessa perspectiva, vai ao encontro de Mendonça (2006) que propõe uma substituição do ensino de gramática pela análise linguística (AL), considerando uma concepção de língua como interação, a AL como ferramenta para a leitura e a escrita, a reflexão sobre os fatos da língua em contextos de uso, bem como a centralidade nos efeitos de sentido, dentre outras práticas.

Os capítulos são compostos por uma gama de exemplos que auxiliam os leitores na compreensão das teorias elencadas, de modo a facilitar a prática em sala de aula, contribuindo, assim, para concretizar e servir de modelo para os professores. Além disso, os capítulos sugerem reflexões sobre a prática pedagógica, o que, a nosso ver, é muito eficaz na formação docente.

O livro de Luciano Amaral, então, traz uma aliança entre teoria e prática docente visando levar os professores a adotarem as novas concepções do ensino de língua portuguesa. Dessa forma, pode ser considerado um instrumento eficaz de estudo, permitindo tanto aos profissionais em serviço quanto aos alunos em formação, a ampliação de suas competências do que tange aos conhecimentos da linguística aplicada ao ensino da língua portuguesa.

Referências

MENDONÇA, Márcia. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia. Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola, 2006.

COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Editora Contexto, 2009.

SCHNEUWLY, B. e DOLZ, J. (trad e org Roxane Rojo). Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.


Resenhista

Leticia Macedo Kaeser – Aluna do curso de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora, é bolsista de IC e de Apoio Estudantil/IC do Grupo de Pesquisa FALE – Formação de Professores, Alfabetização, Linguagem e Ensino. E-mail: leletrasufjf@gmail.com


Referências desta resenha

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. Resenha de: KAESER, Leticia Macedo. Revista Práticas de Linguagem. Juiz de Fora, v.4, n. 2, p.200-204, jul./dez. 2014. Acessar publicação original [DR]

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