Civil society and participatory governance: municipal councils and social housing programs in Brazil – DONAGHY (B-RED)
DONAGHY, Maureen M. Civil society and participatory governance: municipal councils and social housing programs in Brazil. New York: Routledge, 2013. 200p.
Maureen Donaghy (2013) investiga o impacto dos conselhos municipais de habitação do Brasil sobre as políticas públicas, avaliando se essas inovações institucionais são capazes de produzir alterações que beneficiem as camadas da população mais necessitadas de políticas habitacionais. Seu objetivo é entender como os avanços da democracia podem ser aproveitados para resolver os profundos problemas sociais do presente.
A exemplo de outras pesquisas sobre as instituições participativas – conselhos gestores, orçamentos participativos, audiências públicas, etc. –, Donaghy (2013) avalia as participatory governance institutions como um tipo particular de instituição democrática inovadora, capaz de incorporar a sociedade civil no processo descentralizado de promoção de políticas públicas e promover a accountability. A autora parte da hipótese de que a existência dessas instituições obriga os governos municipais a adotarem um número maior de programas sociais voltados para as necessidades dos segmentos pobres, o que inclui a habitação (p. 10).
O estudo fundamenta-se nos pressupostos do Novo Institucionalismo (p. 77) e desenvolve esquemas teóricos para compreender como as regras institucionais podem condicionar os comportamentos e os resultados, oferecendo incentivos aos atores envolvidos. Assim, por meio de variações nas instituições (os conselhos gestores) e em suas regras, seria possível observar diferenças nas políticas públicas e em seus resultados nos municípios pesquisados. O desenho da pesquisa inclui um método misto de abordagem, que envolve estudo de casos e métodos quantitativos large-N, que permitem a comparação de grande quantidade de dados estatísticos, como os dados da pesquisa MUNIC do IBGE, que trazem informações sobre os conselhos gestores de todos os municípios do país. A combinação de métodos é positiva, porque, embora nem sempre tais métodos indiquem resultados semelhantes, eles se complementam e suprem lacunas eventualmente observadas em um ou outro método isoladamente, dando confiabilidade às conclusões.
No capítulo 2, a discussão se concentra na política habitacional do Brasil, contrastada com a de outros países em desenvolvimento, salientando o uso do termo “moradia” em vez de “habitação” (housing), porque o primeiro tem sentido mais amplo. A moradia, como política pública, é apresentada como de fundamental importância nos países em desenvolvimento, sendo uma questão diretamente ligada à democracia, ao desenvolvimento e aos direitos humanos, capaz de reduzir a pobreza e a desigualdade social (p. 27). Na comparação entre programas habitacionais de países em desenvolvimento, Donaghy (2013) destaca falhas do mercado em prover moradia satisfatória para as camadas de renda mais baixa e conclui que, na maioria desses países, nos dias atuais, prevalece um conjunto de políticas que inclui projetos estatais, projetos comunitários, ao lado de projetos desenvolvidos pela iniciativa privada, além da incorporação dos segmentos mais pobres e de representantes da sociedade civil no processo de planejamento e de execução de diferentes políticas habitacionais (p. 37-38), a exemplo do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), criado no Brasil no ano de 2005. Uma ressalva quanto à inclusão desses segmentos na gestão das políticas públicas é que essa política não tem alcançado a amplitude inicialmente esperada por pesquisadores e militantes dos movimentos sociais.
O capítulo 3 traz argumentos teóricos sobre os efeitos das participatory governance institutions sobre as políticas públicas, testando as hipóteses de que os conselhos municipais de habitação podem aumentar as probabilidades de os municípios adotarem diversificados programas sociais de habitação. O argumento principal é de que esses espaços formais de deliberação são capazes de beneficiar a população pobre através de programas de habitação social e também podem reduzir as possibilidades de corrupção, do seu uso político e da sua captura pelas elites (p. 49).
A autora discute, no capítulo 4, as hipóteses de que um elevado número de organizações da sociedade civil per capita (densidade associativa) tem um forte efeito na capacidade de as instituições de governança participativa produzirem políticas sociais, o que não se confirmou com os dados testados, enfraquecendo uma variável essencial em muitos estudos. Esse achado sugere que a densidade associativa é menos importante do que a incorporação formal das organizações da sociedade civil nas instituições deliberativas como os conselhos de habitação (p. 74).
No capítulo 5, são avaliados os efeitos da dinâmica entre a sociedade civil e o Estado e das regras institucionais sobre o processo de produção das políticas de habitação pelos conselhos municipais, e nele se buscam evidências sobre quando e como o contexto é determinante para as instituições participativas (p. 75). Por meio de uma análise comparativa entre os municípios brasileiros, a pesquisa evidencia que o partido político no exercício do poder, a influência do setor privado e as estratégias das organizações da sociedade civil são fundamentais na dinâmica entre a sociedade civil e o governo local. A análise se completa com um estudo de caso em três cidades brasileiras: São Paulo, Salvador e Santo André.
A utilização de métodos qualitativos e quantitativos levou a resultados diversos: os estudos de caso apresentaram fortes evidências de que o partido no poder influencia a dinâmica entre a sociedade civil e o Estado, com reflexos no processo político do conselho municipal de habitação. Entretanto, os resultados quantitativos não confirmaram a importância inicialmente aventada de que uma administração petista seria relevante para os resultados dos programas habitacionais: a disponibilidade de recursos orçamentários tem peso maior do que a ideologia partidária (p. 113). Esse resultado contraria pressupostos iniciais de algumas pesquisas pioneiras sobre as instituições participativas no Brasil, mas ele já havia sido detectado, por exemplo, em pesquisas que constataram a disseminação do orçamento participativo por municípios de diferentes regiões, governados por diversos partidos.
No capítulo 6, há uma avaliação sobre como as razões para a criação das instituições de governança participativa podem afetar o comprometimento dos gestores públicos e dos membros da sociedade civil representados nessas instituições e se esse comprometimento influi nos resultados das políticas públicas. Confirma-se algo já constatado em outros estudos: o comprometimento ideológico dos gestores públicos, ou a “vontade política”, tem papel significativo na atuação e nos resultados produzidos pelos conselhos municipais (bottom-up), ao contrário daqueles conselhos criados tão somente em função da exigência federal para a liberação de recursos destinados à política habitacional (top-down). Os casos estudados e os testes estatísticos revelaram que o comprometimento dos atores é fator crítico para a efetividade dos conselhos municipais de habitação (p. 118).
Já o capítulo 7 é inteiramente dedicado ao estudo do caso do Conselho de Habitação do município de São Paulo, em dez anos de funcionamento (2002-2012), para avaliar as mudanças sofridas por uma instituição participativa ao longo do tempo, a sua adaptação para fazer frente às mudanças nas demandas sociais, nos recursos federais disponíveis, na atuação do setor privado, além das mudanças na percepção sobre as necessidades habitacionais.
A autora reitera: “Participatory governance institutions do matter” (p. 164). Um dos principais achados da pesquisa é que as instituições de governança participativa fazem diferença para a aprovação de políticas sociais que possam beneficiar os setores mais pobres da população. Além disso, a existência do conselho municipal, embora não seja o único fator determinante, pode ampliar as possibilidades de adoção de uma maior variedade de programas sociais de habitação. Outra conclusão significativa de Donaghy (2013) é que a adoção desses programas pode ocorrer a despeito da existência de uma forte “densidade associativa”.
Em tempos de questionamentos sobre o papel do Estado, a pesquisadora conclui que esse ente ainda é relevante para incentivar o mercado da habitação e implementar diretamente alguns programas (p. 165). Apesar da amplitude do estudo – que evidencia a importância do design institucional subnacional para a promoção de resultados em termos das políticas públicas –, a autora admite que não foi possível vincular a ação dos Conselhos Municipais de Habitação a alterações nas condições de vida nos municípios brasileiros, o que não diminui a importância de sua pesquisa.
Flávio Santos Novaes – Doutorando em Administração. Pesquisa a gestão pública, especificamente a participação popular no orçamento público e em outros fóruns, como os conselhos gestores de políticas públicas. Atualmente pesquisa a participação social nos conselhos municipais de habitação de Salvador, Vitória da Conquista e Camaçari flavaonovaes@yahoo.com.br
Cad. CRH vol.28 no.74 Salvador May/Aug. 2015