Apresentamos aos leitores e pesquisadores mais um número da Revista Esboços que se constituiu no resultado de uni trabalho conjunto de alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em História da UFSC. Nesse número estão publicados artigos, entrevistas e traduções de textos que foram objeto de reflexão e debates no Programa durante o Seminário de Pesquisa que transcorreu no ano de 2002. Nesse Seminário teve lugar uma série de leituras e discussões teóricas que resultaram na presente publicação. A partir também do Seminário os alunos do Programa refletiram acerca dos diferentes objetos de suas pesquisas, apresentando agora ao público um resultado parcial do seu envolvimento com as fontes historiográficas e com a teoria e metodologia da história. Dessa experiência com o fazer do historiador resultaram os “Esboços” aqui publicados. As resenhas apresentadas no final dessa publicação se referem às bibliografias discutidas e amadurecidas nas discussões levadas a termo nos Seminários dos cursos durante o ano 2003.
Quanto à temática do Dossiê, as possibilidades de abordar as conexões entre cidade e memória são múltiplas e variadas e, nesse número da Revista, são apresentadas algumas trajetórias de pesquisa que entrecruzam estes temas. Como a “Esboços” é uma Revista ligada à Pós-Graduação em História, privilegiou-se uni procedimento próprio de Historiador, embora os temas atravessem discussões compartilhadas com áreas próximas à da história. Neste sentido as conexões entre cidade e memória se definem no campo da história, evocando imagens que suscitam possibilidades de abordagens historiográficas.
A historiadora Margarida de Souza Neves problematizou a memória a partir do “comemorar” que teve lugar no centenário de Cecilia Meireles. Naquele momento, argumenta a autora, ao historiador caberia a tarefa não de situar o homenageado num pedestal inatingível, mas de dar visibilidade às tensões e conflitos vivenciados por Cecília Meireles, especialmente aqueles que envolveram o campo da educação. A autora propõe tanto uma distinção entre memória e história bem como uma abordagem dos livros de memórias, das cartas privadas, e dos demais escritos íntimos que o historiador poderá lançar mão como fontes. Fontes essas tomadas enquanto versões, e não como fatos, enquanto construções do que foi vivido e de si mesmo.
Na temática discutida por Sandra Jatahy Pesavento deparamos com o olhar do historiador diante de unia superposição de textos escritos que se referem ao passado. Novos escritos ocultam os antigos, que deixam traços, vestígios, que podem ser recuperados. O historiador lida com tais possibilidades de descoberta, não só na esfera da escrita, mas também com marcas acumuladas no plano das lembranças, das recordações. Recuperar pelo inconsciente e evocar experiências e sensações adormecidas constituem possibilidades de lidar com a memória. A cidade foi pensada aqui a partir de uma sucessão de camadas superpostas pelo tempo, unia Cidade contendo outras cidades, num espaço marcado por trajetórias distintas, por rastros do que é arcaico e do que é moderno, por rupturas e continuidades entre passado e presente. Dessa superposição espacial e temporal emerge a possibilidade de unia leitura historio gráfica da cidade que contemple diferentes temporalidades e espacialidades, e de unia interpretação histórica muito próxima daquilo que poderia ser chamado tanto de costura como de bordado, montagem, colagem ou urdidura. Nesses procedimentos, detalhes a princípio tomados na sua pequenez ou banalidade poderão ser resignificados, adquirindo, dessa forma, dimensões distintas.
O cruzamento entre diferentes espaços na cidade foi problematizado por Rosângela Cherem em Desterro nos finais do XIX, a partir da consideração de que a dinâmica dos pedestres nas ruas e seu movimento cotidiano tende a aproximar o que está longe e distanciar o que está perto. A memória da cidade tem unia dimensão espacial, está ligada a uma certa experiência na paisagem urbana. Assim se configurava a Ilha de Santa Catarina naqueles tempos: isolada, mas na busca de formas de inserção nos territórios do moderno. O olhar das pessoas de Desterro buscava um outro lugar: desejava o externo, o fora da Ilha, afirma Rosângela. Parece que esse movimento era muito próprio das formas de sensibilidade e percepção daquelas praias (ou Ilha). Era parte de uma dinâmica própria das dicotomias e separações construídas pela linguagem na modernidade. Da pobreza lançava-se uni olhar para a riqueza, da falta desejava-se a abundância, do mundo primitivo almejava-se o civilizado, do tradicional imaginava-se o industrializado. A autora percorre esse olhar “desejante” dos habitantes urbanos de Desterro: intenções de superação latejavam, provenientes de lugares como da praça, do hospital, do cemitério, do teatro e de outros lugares de memória.
Finalmente a Revista traz em sua seção “Tradução” um texto que, embora não tratando especificamente da temática do Dossiê, traz para o debate unia questão que até certo ponto vincula-se às preocupações de Rosângela Cherem ao tratar de modernidade e de século XIX; e de Margarida de Sousa Neves, ao falar em educação na obra de Cecilia Meirelles. Não estamos agora mais em Desterro, nem no Brasil, mas na França do século XIX, em meio a uni debate travado no interior da produção literária. Uni outro lugar onde circulava, no momento de afirmação da República Francesa ou da “Belle Époque”, unia “modernidade” educativa, conforme a autora, a francesa Gabrielle Houbre. Essas preocupações educativas que também estiveram presentes entre os intelectuais brasileiros do início do século XX evidenciaram-se na formação das moças francesas. Essas “ex-demoiselles”, que agora passaram a ser reconhecidas como “estudantes”, deixam pouco a pouco de atender ao antigo padrão de inocência, virgindade, religiosidade e casamento, próprios da “tutela”; para passar a expressar comportamentos “modernos” como autodeterminação, experiências diversas e relações de flerte com o sexo masculino.
Que essa apresentação motive a leitura dos textos.
Cynthia Machado Campos
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