Ciber-religião: a construção de vínculos religiosos no ciberespaço | Jorge Miklos
O que ocorre com o corpo e o espaço nas experiências religiosas pela internet? Essa é a pergunta que dá norte a Ciber-religião: a construção de vínculos religiosos na cibercultura, obra tecida por Jorge Miklos e publicada em 2012 pela Ideias & Letras. Miklos é doutor em Comunicação e Semiótica, e mestre em Ciências da Religião, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Seu livro, de 160 páginas, é resultante de sua tese de doutoramento, denominada A construção de vínculos religiosos na cibercultura: a ciber-religião, orientada pelo professor Norval Baitello Júnior e defendida em 2010.
Estruturalmente, além da introdução e das considerações finais, o livro é dividido em três capítulos, denominados “Religare: formas tradicionais e o impacto da modernidade”, “Midiofagia: usurpação do poder divino” e “Ciber-religião: o sacrifício do corpo e do espaço”.
Um primeiro ponto a se ressaltar na obra são as referências bibliográficas e as fontes utilizadas, que, notáveis, sinalizam uma interdisciplinaridade e são, em grande parte, recentes. O autor utiliza-se de fontes encontradas na própria rede, como o blog do Observatório de Mídia e os sites do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Vaticano, do padre Fabio de Melo e o dedicado ao Frei Galvão. Entre as referências bibliográficas nacionais, destacam-se Eugênio Trivinho, Malena Segura Contrera, Raquel Recuero, Alberto Klein, Norval Baitello Junior e Leonardo Boff; e entre as estrangeiras, Max Weber, Zygmunt Bauman, Pierre Levy, Jean- -François Lyotard e Marc Augè.
Outro autor de realce na obra de Miklos é Paul Virilio. Com base nele, o autor do livro relaciona a velocidade no ciberespaço com a sacralidade, propiciando a percepção de uma midiofagia cujos meios eletrônicos interativos “devoram atributos divinos e transforma-os em seus”. Tal “devoramento” sinaliza para as hipóteses iniciais do autor, destacadas logo na introdução e que sugerem a dupla contaminação entre os âmbitos midiático e religioso, com a apropriação de um pelo outro, o que se identifica já no primeiro capítulo, que analisa o abalo sofrido pela experiência religiosa a partir do contato com a modernidade e que observa relações de interdependência entre mídia religiosa e religião midiática.
Tal dupla contaminação é aprofundada no capítulo seguinte, no qual o autor analisa a midiofagia citada, quando os meios de comunicação eletrônica interativa – especialmente computadores e outras tecnologias capazes de rede – se alimentam de atributos divinos como a onipotência, a onisciência e a onipresença, dando novos contornos a eles. Além disso, a comunicação mediada por tecnologias é objeto de culto e adoração, sendo a internet um sinônimo de fé, e a técnica, “o novo Deus sob o qual a humanidade se curva e busca suas referências e suas identidades” sem o qual não haveria salvação.
No terceiro capítulo, Miklos descreve a ciber-religião, aprofundando a utilização do ciberespaço pela religião e a apropriação da religião pelo ciberespaço. Para Miklos, o ciberespaço se insere na lógica de consumo, e a ciber-religião é orientada pelos desejos dos indivíduos consumistas e pela participação de religiões como o catolicismo nos espaços sociais, concorrendo com outras pela adesão de fiéis. Na ciber-religião, identifica-se um duplo sacrifício tanto do corpo como do espaço.
O primeiro sacrifício é demonstrado na metabolização de uma comunicação corpórea, gestual e física para outra, em que impera a imagem plana e bidimensional: para Miklos, na ciber-religião, o corpo é sacrificado e abolido da experiência religiosa. O autor exemplifica tal imolação por meio dos rituais que envolvem velas e terços virtuais e que operam um deslocamento do religare tradicional para o culto do(ao) mercado e da(à) técnica.
A segunda vítima imolada, o espaço – imbricado com o tempo –, é, segundo o autor, eliminado nas ciberperegrinações, em que ocorrem, por meio de sites como o Google Street View (recurso do Google Maps e do Google Earth), travessias de nautas por caminhos santos, como Santiago de Compostela.
Mas se, por um lado, essas andanças impossibilitam a efetivação de um plano espaçotemporal, por outro, propiciam que as fronteiras do espaço sejam rompidas: o viajante do ciberespaço tem diante de si um universo de possibilidades de trânsitos, o que possibilita “percorrer o caminho da sua redenção sem precisar sair dos limites do seu espaço físico”. Ainda assim, qual o resultado dessa falta de imanência para o autor? A conversão da experiência religiosa em consumo, e não em transcendência: não apenas corpo e espaço são devorados pela ciber-religião, mas também todos os que estão envolvidos nela e por ela. Como se percebe, Miklos não tem uma visão redentora ou ufanista a respeito das relações entre o religare formado por Deus e pela humanidade, e um religare moldado pela humanidade e pelo ciberespaço: internet e outros equipamentos de rede são, antes de tudo, altares em que corpo e espaço são imolados pela ciber-religião.
Podemos indagar: o corpo e o espaço são mesmo sacri ficados nas experiências religiosas no ciberespaço? Sem me atrever a responder a esse questionamento, algo é certo: Miklos presenteia os(as) estudiosos(as) das relações entre mídia e religião com um livro repleto de questões (de um tempo) em ebulição. Ciber-religião: a construção de vínculos religiosos no ciberespaço é uma obra para ser mais do que simplesmente lida, estudada por pesquisadores(as) ávidos(as) em (re)pensar e dialogar a respeito das múltiplas negociações, dos agenciamentos e dos deslocamentos possíveis de indivíduos, coletivos e agências religiosas no ciberespaço.
Resenhista
Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho – Doutorando em História Social da Universidade de São Paulo (USP), mestre em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), especialista em Marketing e Comunicação Social pela Fundação Cásper Líbero e graduado em História pela USP. Autor de A grande onda vai te pegar: marketing, espetáculo e ciberespaço na Bola de Neve Church (Fonte Editorial, 2013). E-mail: edumeinberg@gmail.com
Referências desta Resenha
MIKLOS, Jorge. Ciber-religião: a construção de vínculos religiosos no ciberespaço. São Paulo: Ideias & Letras, 2012. Resenha de: MARANHÃO FILHO, Eduardo Meinberg de Albuquerque. Ciências da Religião – História e Sociedade. São Paulo, v. 12, n. 1, p. 305-308, jun. 2014. Acessar publicação original [DR]