Pensar a política externa da China no período contemporâneo é um dos desafios mais complexos que se coloca aos pesquisadores do campo das relações internacionais, em particular no Brasil. Atualmente, observa-se o adensamento de uma pauta que evolui desde 1974, quando o governo de Ernesto Geisel, no período do Regime Militar (1964/1985), sustentado pela lógica do Pragmatismo Responsável e Ecumênico identificou a China como um dos principais pivôs estratégicos mundiais. Portanto, a China já era vista como uma nação essencial ao projeto de inserção internacional do Brasil. Mesmo no pós-Guerra Fria, apesar de alguns momentos de retração da agenda externa, em particular nos períodos de realinhamento aos Estados Unidos na década de 1990, a parceria manteve sua centralidade.
Porém, é no século XXI, que este intercâmbio apresenta um salto qualitativo nos campos político e econômico, que traz implicações regionais e globais para o cenário brasileiro e o sul-americano. Desde 2010, a China assumiu o posto de principal parceira comercial individual do Brasil, fenômeno que se repete no restante da América do Sul. Esta ascensão econômica afeta projetos de integração como o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), podendo relativizar sua importância político-estratégica. Além disso, tem gerado riscos como o do desvio de comércio e da desindustrialização.
Politicamente, se a China é aliada do Brasil nos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), esta aliança parece surgir como limitada, quando comparada às dimensões globais de sua ação, em particular no que se refere aos Estados Unidos e o entorno eurasiano. Não se pode esquecer que todas estas movimentações chinesas são amparadas no discurso da Cooperação Sul-Sul e em temáticas relacionadas ao desenvolvimento pacífico, e a sua definição como nação não hegemônica.
Diante deste cenário, torna-se necessário melhor compreender a agenda chinesa de relações internacionais. O objetivo deste texto resenha é resenhar a segunda edição do livro “China’s New Diplomacy Rationale, Strategies and Significance” de Zhiqun Zhu, professor do departamento de Relações Internacionais e Ciências Politicas da Bucknell University. Publicada em 2013, esta edição oferece uma contextualização bastante completa das Relações Internacionais da China tanto em termos teóricos quanto práticos. O texto faz parte da coleção “Rethinking Asia and International Relations” da editora Ashgate, que visa promover uma maior compreensão da ascensão de atores asiáticos no cenário global.
O autor divide sua obra em nove capítulos, analisando os elementos da nova diplomacia chinesa e suas práticas em diversas regiões, como África, América Latina, Ásia Central e Sudeste Asiático. Abrindo o livro, o primeiro capítulo “China’s New Diplomacy Since the Early 1990s: An Introduction” Zhu parte do incidente na Praça da Paz Celestial em 1989, para demonstrar os novos elementos diplomáticos que passam a ser empregados pela China na relação com seus vizinhos e como estes se desenvolvem durante os anos 1990.
Tais elementos não rompem a diplomacia formulada na década de 1950 por Zhou Enlai, que continua servido como base para a atuação internacional da China, sustentado na Coexistência Pacífica. A nova diplomacia chinesa não rompe suas tradições sustentadas na construção de um mundo pacífico, que vise o desenvolvimento para as nações do Sul, mas as atualiza a fim de atender as necessidades do novo cenário geopolítico e geoeconômico. Segundo o autor, o principal objetivo da diplomacia chinesa é garantir uma ordem mundial estável que permita manter o crescimento chinês e sua estabilidade interna. Para isso a China utiliza seus recursos de hard e soft power, não apenas no seu entorno geográfico, mas globalmente, a partir do século XXI, baseada na premissa do desenvolvimento pacífico.
Em “China and Africa” o autor remonta à década de 1950, para descrever os primeiros contatos entre os chineses e o continente africano, e as transformações desta parceira, saindo do plano ideológico do maoísmo, dos anos 1960, para o pragmatismo no final dos anos 1990 e a expansão do comércio, ajuda externa e investimento nos anos 2000. Zhu também destaca o relacionamento da China com seus principais parceiros na região, como Angola e Sudão. Segundo o autor, os principais interesses da China na África são a busca por fontes enérgicas e matérias primas, além do isolamento diplomático de Taiwan. Também discute quais os métodos empregados para alcançar tais objetivos, como utilizar obras de infraestrutura para tornar suas ofertas mais atrativas e cooptar os países africanos.
No terceiro capitulo “China and Middle East”, destaca-se o peso comercial nas relações da China com o Oriente Médio, e os principais países que mantém relações com o gigante asiático e as parcerias entre empresas chinesas e locais. Outro ponto abordado é a posição chinesa diante da Questão Palestina, cautelosa e baseada no pragmatismo, tendo em vista que Israel é um importante parceiro comercial na área militar. Ademais é avaliado o impacto da Guerra do Iraque na projeção chinesa no país e em todo o Oriente Médio.
Na sequência, um capítulo essencial para o Brasil: “China and Latin America”, que se inicia destacando a relativa pouca interação entre a China e os países latino-americanos durante o século XX. Este cenário muda nos anos 2000, dada a busca de recursos naturais pelo Estado chinês e tem como ponto chave o ano de 2004 quando é publicado o primeiro documento oficial chinês sobre a região. Apesar de destacar os diversos países que mantém relações político-econômicas com a China, o autor se concentra na Venezuela, país rico em petróleo e gás natural, e no Brasil.
O avanço na América Latina e na África é sustentado por elementos similares: ampliação de mercados, recursos naturais (alimentos e energia), investimento e obras de infraestrutura e reforço do poder diplomático, com base em um discurso de cooperação, sem compromissos políticos. Para a maioria dos países a China parece se apresentar como um parceiro que leva a ganhos fáceis, pela exportação de commodities e recursos financeiros, e que poderia favorecer o desenvolvimento. Além disso, poderia reforçar a autonomia diante dos Estados Unidos, tradicional hegemonia hemisférica.
No quinto capitulo “China and Central Asia” o autor afirma que garantir a segurança energética foi um dos principais motivos que levaram a esta atuação. Da mesma forma, esta presença é orientada por preocupações geopolíticas relativas às instabilidades eurasianas e o acesso aos recursos naturais. Zhu destaca o papel da Organização de Cooperação de Xangai (OCX) que envolve a maioria dos países da Ásia Central, e é pilar de uma nova agenda de cooperação com a Rússia.
As relações da China com o Pacifico Sul são abordadas no capitulo seis, principalmente com Austrália e Nova Zelândia que avançam desde meados dos anos 1990. A perda de interesse norte-americano na região após o fim da Guerra-Fria abriu caminho para a China e outros Estados, como Coreia do Sul e Japão, disputarem influencia neste teatro estratégico, tendo a China vantagem perante os demais, devido a seu peso econômico. Para ilustrar tal situação o autor aborda a migração chinesa e seus investimentos, principalmente em negócios, destacando seu papel na economia desses países. Analisam-se os elementos que impulsionaram as relações entre China e Austrália, como o comércio.
O sétimo capítulo “China and Southeast Asia”, remonta ao surgimento da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e como a China procurou se aproximar destes países no final do século XX, destacando a sua atuação na Crise Asiática de 1997, quando exerceu um importante papel na recuperação da economia local. O autor analisa a relação entre a China e a ASEAN, na primeira década do século XXI. Discute-se também se há ou não uma disputa de influência entre a China e outras potências no Sudeste Asiático, como Estados Unidos, a Índia, a Coreia do Sul e o Japão.
O avanço chinês foi tão significativo nestas regiões Eurásia, América Latina, África que os Estados Unidos reagiram econômica e militarmente. Iniciativas como a criação do Comando Militar Africano (USAFRICOM), o aumento dos investimentos estratégicos na América do Sul (região do Atlântico Sul) como o Comando Militar do Sul (USSOUTHCOM) e a Parceria Transpacífica, no período de 2008 a 2011 compõem esta reação para a contenção chinesa, que se encontra em andamento,
No oitavo capítulo “International Responses” Zhu aborda o fato do acesso chinês aos mercados dos países em desenvolvimento não seguir o padrão ocidental, no qual os investimentos e ajuda, encontram-se cercados de condicionalidades. O autor retoma os principais pontos do relacionamento da China com as regiões abordadas. A parte final do capitulo é dedicada à análise da relação entre China e Estados Unidos, afirmando que esta interação é marcada por cooperação e competição.
O último capítulo é uma espécie de conclusão do trabalho, “China and the World in the 21st Century”. No texto são destacadas as maiores modificações na diplomacia chinesa, que se referem à mudança de uma politica passiva para uma ativa, expansão do soft power e a ênfase na doutrina de desenvolvimento pacífico. Para Zhu, desde a coexistência pacífica, a política externa chinesa se expandiu quantitativamente e qualitativamente. O país é inovador, não segue um modelo de inserção pré-existente: a diplomacia cria seu modelo de relacionar-se com o sistema internacional e seus atores, atribuindo valor não apenas na expansão de seu poder duro, mas também do seu poder brando, com sua identidade de país do Sul Global. Por fim Zhu analisa os principais desafios que a China deve enfrentar, como a necessidade de desenvolver fontes alternativas de energia e diminuir sua dependência de mercados externos, vistas como componentes de vulnerabilidade.
Trata-se de uma leitura relevante, e atual, sobre as relações internacionais da China, que merece ser mais conhecida no Brasil. Enquanto o Brasil não compreender melhor a China, e sua agenda, pouco poderá avaliar dos desafios e oportunidades que este intercâmbio bilateral detém geopolítica e geoestrategicamente, seja na arena bilateral, como na governança multilateral.
Referência
ZHU, Zhiqun. (2013). China´s New Diplomacy- Rationale, Strategies and Significance. Surrey: Ashgate. 2nd edition. ISBN- 978140945292-8
Resenhistas
Cristina Soreanu Pecequilo – Doutora em Ciência Política pela USP; Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Osasco.
Emerson Maciel Junqueira – Bacharelando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de São Paulo. Bolsista PIBIC/CNPq.
Referências desta Resenha
ZHU, Zhiqun. China’s New Diplomacy Rationale, Strategies and Significance. 2nd edition. Surrey: Ashgate, 2013. Resenha de: PECEQUILO, Cristina Soreanu; JUNQUEIRA, Emerson Maciel. Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD. Dourados, v.4, n.7, p.249-253, jan./jun. 2015. Acessar publicação original [DR]
Décima sexta edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Décima sétima edição. Esta edição foi publicada em 2023 visando o ajuste de publicações em…
Vigésima segunda edição. N.03. 2023 Edição 2023.3 Publicado: 2023-12-19 Artigos Científicos Notas sobre o curso de…
Publicado: 2024-06-19 Artigo original A rota dos nórdicos à USPnotas sobre O comércio varegue e o…
Quem conta a história da UFS, de certa forma, recria a instituição. Seus professores e…
Publicado: 2023-06-30 Edição completa Edição Completa PDF Expediente Expediente 000-006 PDF Editorial História & Ensino 007-009…
This website uses cookies.