China: relações e história entre América Latina e China / Caminhos da História / 2016
É com satisfação que a Revista Caminhos da História, vinculada ao Departamento de História da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), apresenta o dossiê dedicado à República Popular da China. A ideia deste dossiê surgiu em Shanghai, em 2015, durante o Quarto Fórum de Alto Nível China-América Latina, do qual participaram pesquisadores chineses e de diversos países da América Latina, de cuja delegação fez parte o Prof. Dr. Marcos Fábio Martins Oliveira, docente da Unimontes.
O presente dossiê conta com a contribuição de professores da China, Espanha, Argentina, Chile e Brasil, que versam sobre diversos aspectos da História recente deste importante parceiro estratégico do Brasil e de tantos outros países da América Latina.
O primeiro artigo “El conocimiento sobre América Latina del mundo académico de China”, escrito por Han Qi, prestigioso especialista chinês em estudos latinoamericanos, trata de fazer uma análise retrospectiva sobre os avanços dos estudos de sobre nossa região na China. Han Qi destaca que a Revista de Estudos Latinoamericanos é a única publicação especializada em estudos sobre América Latina na China. Isto refletiu o amadurecimento do nível de conhecimento sobre a América Latina do mundo acadêmico chinês. Desde a publicação de sua primeira edição, em 1979, foram publicados mais de três mil, demonstrando que os acadêmicos chineses estudam e prestam atenção a uma ampla gama de questões sobre a Região, que em geral tem uma estreita relação com o desenvolvimento da China e também com o desenvolvimento das relações sino-latino-americanas. Considerando a amplitude dos temas relacionados a esta relação, os académicos chineses intentam avaliar de forma objetiva e imparcial as questões sobre a América Latina e buscam de conhecer uma verdadeira América Latina.
Em seguida, Gustavo E. Santillán, docente da Universidade Nacional de Córdoba e pesquisador do CONYCET, com seu texto “Caminos para entender la modernización socialista: un examen de las fuentes ideológicas de la política china contemporánea”, visa discutir os aspectos teóricos e políticos da estratégia chinesa de modernização, abrangendo o período de Reforma e Abertura, desde 1978 até os dias atuais, quando o Presidente Xi Jinping propôs em 2013 a meta de um “Sonho Chinês” e do “Rejuvenescimento Nacional”.
O texto de Gladys Nieto, professora da Universidade Autônoma de Madrid, “Permanencias en la visión tradicional china del mundo” busca analisar como, ao longo da História do Estado chinês, sob uma maioria étnica Han, foi tratada a questão da diversidade étnica do país, perpassando pelos períodos imperial, republicano, maoísta e, mais recentemente, durante o período de “Reforma e Abertura”. Nesse sentido, busca identificar a permanência de uma visão tradicional chinesa como um modelo civilizatório frente a outros povos.
Analisando um aspecto específico da história chinesa, justamente quando ocorreu a última participação da China em uma guerra com seus vizinhos, o texto “CHINA’S ENGAGEMENT IN THE VIETNAM WAR: ITS STRATEGIC REASONS”, Jorge E. Malena, docente argentino da Universidadde Del Salvador, considera que a principal razão para o envolvimento da China na Guerra do Vietnã foi a dissuasão. A liderança em Pequim procurou persuadir os EUA a não escalar no conflito, porque os custos para Washington seriam muito altos. Tendo isso em vista, o artigo do Professor Malena procura, em primeiro lugar, delinear quatro fontes principais que influenciaram a estratégia chinesa; em segundo lugar, apresentar os eventos em 1965 que levaram a liderança chinesa exercida na Guerra do Vietnã; e, por último, contrastar essas principais fontes com a decisão da China de entrar na guerra.
A pesquisadora chilena Maria Montt Strabucchi, docente da Universidade Católica do Chile e doutoranda da Universidade de Manchester (UK), apresenta o texto “Writing about China’ Latin American travelogues during the Cold War: Bernardo Kordon’s ‘600 Millones y Uno’ (1958), and Luis Oyarzún’s ‘Diario De Oriente, Unión Soviética, China e India’ (1960)”. Nele, a autora investiga o modo como as crônicas de viagem, publicadas pelos viajantes à República Popular da China durante a Guerra Fria, buscavam prover conhecimento que influenciariam os discursos políticos, econômicos e culturais da América Latina daquela época. Por meio da análise dessas duas crônicas de viagem, o artigo demostra que estes dois textos revelam que seus autores foram descobridores e intérpretes de um modelo que depois apresentaram nos seus países de origem. Debruçando-se sobre as complexas identidades que emergem nos textos, pretende-se argumentar que, embora as crônicas apresentem uma atitude essencialista com relação à China e à cultura do país, buscavam apresentar, simultaneamente, um conhecimento mais amplo do mesmo sujeito, além das atitudes Orientalistas e as noções fixas da alteridade. Pretende-se argumentar, finalmente, que estes textos podem ser considerados como resultados bem-sucedidos da diplomacia cultural chinesa na América Latina.
Com o artigo “Una desmitificación del Estado de derecho hacia el ejemplo de la RPC”, Maria Francesca Staiano, professora da Universidade Nacional de La Plata, pesquisa os diferentes significados do Estado de Direito em alguns países ocidentais, como Alemanha e França, em que prevalece a tradição jurídica do Common Law, constatando que ainda existe uma experiência nem inequívoca nem dogmática a este respeito, para posteriormente compará-los com o modelo chinês Fazhi, valendo-se de uma abordagem histórica , linguística e cultural acerca dos processos legais.
Em complementação à temática tratada no artigo anterior, a professora Marina Gusmão de Mendonça, da Universidade Federal de São Paulo, oferece uma visão abrangente das “Características gerais do Sistema Jurídico Brasileiro e suas implicações em acordos e contratos comerciais com empresas estrangeiras”, buscando demarcar as diferenças entre os sistemas jurídicos brasileiro e chinês que, muitas vezes, levam a conflitos aparentemente incompreensíveis para estes, mas que estão conformes as regras do ordenamento legal e do funcionamento do Poder Judiciário no Brasil. Para que não restem dúvidas a respeito dos principais traços dessas diferenças, buscou-se fazer uma breve explanação das características do Direito brasileiro, procurando apontar suas origens e sua consolidação na estrutura do sistema jurídico Romano-Germânico.
Este dossiê termina com a entrevista “Una mirada sobre el Noreste Asiático: producción, traducción y perspectivas” com o historiador argentino Jorge Santarrosa, presidente de la Asociación Argentina de Estudios Coreanos. Na entrevista concedida a Gustavo E. Santillan, o profesor Santarrosa trata da evolução das pesquisas sobre o Extremo Oriente na Argentina, para a qual os investigadores da Universidade Nacional de Córdoba deram uma significativa contribuição. Esperamos que os leitores disfrutem deste número da Revista Caminhos da História em que a China ocupa o lugar central.
Boa Leitura!
Gustavo E. Santillán
Organizador do dossiê.
SANTILLÁN, Gustavo Enrique. Apresentação. Caminhos da História, Montes Claros, v. 21, n. 1, 2016. Acessar publicação original [DR]