Próximo de completar seu jubileu de prata, a presente edição da revista História Econômica & História de Empresas deve ser um motivo de dupla celebração para os sócios da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica – ABPHE.
Em primeiro lugar, em 2021 a revista publica seu primeiro dossiê. Com a permanência das outras duas edições anuais no formato original, a História Econômica & História de Empresas passará a contar com três edições, ampliando o número de artigos publicados anualmente, atendendo assim novos parâmetros de indexação. Mas, ainda mais importante, com o novo número, a ABPHE também poderá oferecer números temáticos para a nossa comunidade de historiadores econômicos, voltados para a discussão de tradicionais debates historiográficos, para a disseminação de pesquisas na fronteira de nosso campo ou para a reflexão de temas e problemas que estão na ordem do dia. Acreditamos que essa iniciativa deve ampliar o alcance e visibilidade da revista da ABPHE, que já é o principal periódico de nossa área no país. Agradecemos, assim, aos membros da equipe editorial por essa iniciativa e, especialmente, ao editor Ivan Colangelo Salomão, principal entusiasta deste importante projeto para a nossa revista.
Em segundo lugar, é com grande alegria que lançamos o primeiro dossiê da História Econômica & História de Empresas com a homenagem ao economista Celso Furtado. Com seu clássico Formação econômica do Brasil, Furtado, ao lado de Roberto Simonsen, Caio Prado Jr. e Alice Canabrava, é reconhecido como um dos pioneiros de nossa historiografia econômica e, certamente, um autor que lançou interpretações e hipóteses centrais para o desenvolvimento de pesquisas em nosso campo nos últimos sessenta anos. Vale lembrar que a iniciativa desta associação, mediante os esforços de Tamás Szmrecsányi, de promover a publicação da tese de doutorado de Celso Furtado, constituiu valiosa contribuição à compreensão da elaboração de seu livro clássico. Com a tradução e publicação da tese, inédita até 2001, Economia colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII, defendida na Sorbonne em 1948, rapidamente tornou-se relevante material de pesquisa. Enfim, em meio às comemorações de seu centenário, foi uma satisfação poder produzir, a partir de nossa associação, um dossiê para homenagear e refletir a partir da obra deste intelectual que tem formado gerações de cientistas sociais.
Ao longo de 2020 foram muitas as iniciativas voltadas para comemorar o centenário de Celso Furtado: seminários e lives das mais diversas instituições nacionais e internacionais, publicações de periódicos e livros dedicados a vida e obra do autor. Por meio de intérpretes consagrados, assim como de uma nova geração de furtadianos, a obra de Celso Furtado foi revisitada: perpassando os textos clássicos, como aqueles menos reconhecidos; avaliando sua atuação pública e política, como sua trajetória acadêmica e teórica; analisando sua reflexão sobre as diversas conjunturas da economia brasileira e mundial, assim como seus projetos de futuro.
Em tempos de tamanha incerteza e de impasses sobre o futuro, a recuperação das ideias e análises de Celso Furtado sobre o subdesenvolvimento nos ajuda a refletir sobre os obstáculos que se interpõem à consecução de efetivos projetos de transformação social.
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Apesar da multiplicação dos estudos sobre Celso Furtado nos últimos anos, e ainda mais durante as comemorações de seu centenário em 2020, é com profunda alegria que afirmamos que o dossiê Celso Furtado, 1920- 2020: diálogos e interdisciplinaridade conseguiu reunir estudos originais sobre o autor, assim como percorrer um variado espectro de sua vida e obra: da análise sobre o jovem Furtado, às suas reflexões mais contemporâneas; de aspectos mais teóricos, como de sua atuação política; de seu olhar sobre o subdesenvolvimento e a economia brasileira, como também sobre as transformações da economia internacional.
Entre seus oito artigos, o dossiê apresenta três textos em que são priorizados os diálogos de Celso Furtado com seus interlocutores, em diferentes fases de sua vida. Carol Colffield explora as primeiras reflexões do ainda jovem Furtado na Revista do Serviço Público, durante a década de 1940, estabelecendo um diálogo com Richard Lewinsohn, “um economista alemão exilado no Brasil à raiz das perseguições aos judeus da Europa”. Por meio dos textos de Furtado, em seus “anos de formação”, já é possível observar como Furtado valorizava a centralidade de um Estado racional e técnico no projeto de coordenação das ações econômicas nacionais.
O segundo diálogo presente no dossiê é recuperado por Roberto Pereira Silva, na controvérsia entre Celso Furtado e Otávio Gouveia de Bulhões sobre o planejamento econômico. Se a historiografia reconhece o debate Simonsen versus Gudin, nos anos finais do Estado Novo, como o clássico debate sobre o planejamento, Roberto ressalta a relevância do episódio gerado a partir do relatório da Cepal sobre a técnica de planificação apresentado em 1953, num contexto em que o planejamento se materializava no país por meio da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e dos projetos da Comissão BNDE-Cepal.
Finalmente, o terceiro diálogo nos é oferecido por Fágner João Maia Medeiros, por meio da relação entre mestre e discípulo, entre Raúl Prebisch e Celso Furtado. Conforme argumenta o autor, ao longo das décadas de convivência entre os pioneiros da Cepal, teria ocorrido uma inversão de papéis: Prebisch teria a liderança teórica nas formulações iniciais sobre o subdesenvolvimento, mas ao longo dos anos 1970, seriam as revisões e novas interpretações de Celso Furtado que passariam a influenciar as leituras do economista argentino.
Num outro bloco de artigos, a ênfase sobre a trajetória de Celso Furtado recai em suas contribuições e atuação de caráter mais político. Rosa Maria Viera resgata temática central sobre as ideias de Celso Furtado sobre o Estado e o planejamento, discutindo as características do projeto político de transformação social. Por outro lado, Vanessa Follmann Jurgenfeld reconstrói a engenharia política de Furtado na criação da SUDENE, retomando os artigos do Correio da Manhã e a dura campanha enfrentada pelo economista na aprovação da instituição.
Os outros três artigos restantes debatem a robusta capacidade de Celso Furtado de avaliar as transformações da economia internacional. Alexandre de Freitas Barbosa apresenta os olhares de Celso Furtado sobre a ascensão chinesa na geopolítica internacional. Ao destacar como desde Criatividade e dependência, obra publicada em 1978, Furtado já observava a singularidade do desenvolvimento chinês, Alexandre Barbosa busca propor uma análise das mudanças e da complexificação do sistema centro-periferia, cujas características somente seriam evidenciadas nas duas últimas décadas.
Renata Bianconi, por sua vez, faz uma ampla sistematização de como a economia internacional aparece na obra de Celso Furtado. Dando destaque para suas obras dos anos 1970, o artigo destaca como Furtado captou a tendência de ampliação do poder das empresas transnacionais, caracterizado pelo autor como a formação de um “capitalismo pós-nacional”, tendência que se aprofundaria ainda mais com o processo de globalização. Esse é o ponto de partida do último artigo do dossiê, de Alexandre Saes e José Alex Soares, que retomam o método histórico-estrutural de Celso Furtado, assim como suas perspectivas sobre os impasses contemporâneos em Brasil: a construção interrompida, para entender como suas interpretações ainda são significativamente atuais.
Além dos oito artigos acima descritos, o dossiê Celso Furtado conta também com a resenha de Amanda Walter Caporrino sobre o livro Celso Furtado e os sessenta anos de Formação econômica do Brasil, organizado por Alexandre Saes e Alexandre Barbosa, que reuniu as contribuições apresentadas em evento homônimo realizado no Centro de Pesquisa e Formação do SESC em 2019.
Por fim, o dossiê inova trazendo como abertura o depoimento da tradutora e jornalista Rosa Freire D’Aguiar, viúva de Celso Furtado. O texto de Rosa, “A memória do futuro”, foi o primeiro redigido pela autora sobre Celso Furtado, semanas depois de seu falecimento, em meio à formação do Centro Internacional Celso Furtado. E inova também oferecendo aos leitores o capítulo “Objetividade e ilusionismo em economia”, publicado em 1974 em O mito do desenvolvimento econômico. O quarto capítulo do livro, republicado no Essencial Celso Furtado de 2013, é um poderoso texto sobre o ofício dos economistas, de uma Ciência Econômica que deve ser compreendida por meio de suas relações históricas e sociais. Um capítulo-documento do método e da perspectiva teórica de Celso Furtado, que é apresentado por uma breve nota dos organizadores do dossiê.
Evidentemente que, para um autor que publicou mais de trinta livros em vida – com outros editados postumamente por Rosa Freire D’Aguiar –, que teve papel central nos debates sobre a teoria econômica, sobre a economia regional, sobre a teoria da dependência, sobre economia e cultura, assim como atuação de destaque como homem público, o dossiê está longe de esgotar a riqueza das contribuições do pensamento e da trajetória de Celso Furtado. Sem acreditar que seja possível colocar um ponto final nesta trajetória e no poder de suas ideias, esperamos que o dossiê Celso Furtado, 1920-2020: diálogos e interdisciplinaridade desperte não somente o interesse para tantas possibilidades de análise que sua obra nos oferece, mas acima de tudo, que estimule o olhar crítico e criativo de Celso Furtado para que possamos compreender os desafios de nossa sociedade contemporânea.
Organizadores
Renata Bianconi
Alexandre Macchione Saes
Referências desta apresentação
BIANCONI, Renata; SAES, Alexandre Macchione. Apresentação. História Econômica & História de Empresas, v. 24, n. 1, p.7-10, jan./abr. 2021. Acessar publicação original [DR]
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