De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), sessenta operações multilaterais de paz, abrangendo um número recorde de aproximadamente cento e noventa mil militares e civis, foram realizadas em 2008 em todo o globo. Nem os fracassos das missões de paz ao longo da primeira metade da década de 90, em Angola, Somália, Ruanda e Bósnia, nem as transformações no ambiente estratégico causadas pelos desdobramentos do “11 de setembro”, lograram êxito em afetar a tendência de crescimento das missões de construção da paz no cenário internacional, as quais tornaram-se muito mais abrangentes e ambiciosas quando em perspectiva com as ocorridas sob a ordem bipolar da Guerra Fria. Esse é o quadro no qual Mats Berdal desenvolve Building peace after war: uma análise crítica dos esforços internacionais atuais para reerguer países arrasados por conflitos.
Partindo das experiências em diversos países, do Camboja ao Iraque, o foco do professor da King´s College London constitui-se em, ao longo de três capítulos, enveredar-se pelos desafios postos aos componentes civis e militares em missões internacionais de construção da paz após conflitos. Estas, segundo Berdal, sofrem de duas fraquezas principais, às quais este livro pode ser visto com uma tentativa de dirigirse: a recorrente falta de prioridades claras no curto e no longo prazo, derivada, basicamente, do seu entendimento conceitual excessivamente amplo; e a tendência marcante de abstrair suas ações do devido contexto político, cultural e histórico local.
Destarte, o primeiro capítulo explora a natureza e as características do ambiente atual das missões de reconstrução da paz à luz das condições históricas e psicológicas locais, assim como regionais, que inexoravelmente moldam tais missões na medida em que cada situação possui características particulares. O autor destaca a necessidade de avaliar como as agendas políticas e econômicas interagem entre si de modo a identificar estruturas profundas e informais de poder nas sociedades afetadas pelos conflitos ou mesmo compreender a realidade criada pela guerra.
O livro, em seguida, discorre sobre os obstáculos imediatos de consolidação e de estabilização enfrentados pelas forças internacionais em campo, especialmente no que tange à fraqueza das instituições locais e à difusão de um sentimento de insegurança em meio à população. Em consequência, distinções entre “guerra” e “paz”, “conflito” e “pós-conflito” tendem a ser indefinidas e difusas. Nesse cenário, três ações são consideradas prioritárias e interdependentes: prover segurança, estabilizar as estruturas governamentais e garantir o fluxo de serviços básicos à população. Todavia, é justamente nesse momento que questões atinentes à legitimidade e à gradação do uso da força ganham forma. Nesta direção, Berdal levanta, por exemplo, lições aprendidas nas operações “Artemis” (República Democrática do Congo) e “Palliser” (Serra Leoa) e nas iniciativas da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti) para enfraquecer as gangues armadas nesse país entre 2006 e 2007, bem como experiências na Somália, no Iraque e no Timor Leste, no que se refere à estabilização de estruturas governamentais e ao provimento de serviços essenciais à população.
O terceiro capítulo examina as formas pelas quais governos e organizações internacionais respondem aos desafios postos pelas missões de construção da paz. Essa parte se atém, sobretudo, ao papel da Comissão de Consolidação da Paz (Peacebuilding Commission – PBC) das Nações Unidas, sua origem, seu contexto histórico, objetivos, implicações e perspectivas.
Por fim, o autor conclui mencionando a participação do emblemático Lakhdar Bhahimi na sessão do Conselho de Segurança em 20 de maio de 2008, oportunidade na qual criticou as tentativas de impor “moldes” de missões de paz em detrimento das configurações pós-conflitos fortemente distintas uma das outras. Ademais, Mats Berdal elenca as reflexões centrais do livro, ou seja, a necessidade de considerar o contexto histórico e cultural do ambiente no qual a missão será realizada; a exigência de compreender as múltiplas e sobrepostas fontes de violência possíveis; a importância do fortalecimento das estruturas governamentais locais e das ações de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR); a importância das relações civis-militares; e a necessidade de possuir objetivos políticos claros nessas operações.
Trata-se, evidentemente, de mais uma profícua referência bibliográfica em meio à miríade de questionamentos encontrados nesse crescente campo de estudos das Relações Internacionais.
Resenhista
Peterson Ferreira da Silva – Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (UNESP, UNICAMP e PUC-SP. Programa Pró-Defesa (Ministério da Defesa e CAPES) e bolsista FAPESP. E-mail: basra13@uol.com.br
Referências desta Resenha
BERDAL, Mats. Building peace after war. Abingdon: Routledge, 2009. Resenha de: SILVA, Peterson Ferreira da. Meridiano 47, v.11, n.117, p.33-34, abr. 2010. Acessar publicação original [DR]
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