Mr. Gordon, um americano conhecido direta ou indiretamente de todos os brasileiros que estudaram nossa route para a ditadura militar, é um simpático e atento espectador de todos os encontros sobre o Brasil realizados na capital do império americano. Com mais de 45 anos dedicados aos estudos sobre o Brasil, ele deve ser considerado um intérprete realista do itinerário econômico e político brasileiro das últimas décadas, e, a julgar pelo livro aqui resenhado, um crítico sincero de questões sociais tão velhas quanto a República.
A Segunda Chance do Brasil estava no forno há pelo menos uma década e meia. Como confessa o próprio Mr. Gordon, as chances desse livro ser concluído tinham simplesmente desaparecido do cenário durante a década perdida de desarticulação macroeconômica dos anos oitenta e começo dos noventa. Ele foi salvo pelo rum creosotado do Plano Real, que devolveu ao país a esperança de sonhar com a retomada do crescimento e de aspirar ao eventual salto para o Primeiro Mundo, na interpretação do antigo embaixador americano nos governos João Goulart e Castelo Branco. Para aqueles que esperam ver no livro novas revelações sobre o envolvimento americano no golpe militar de 1964, a impressão é de um déjà vu again, pois o texto, a despeito de um relato circunstanciado dos eventos que levaram ao golpe, contempla, como documentos novos, tão somente uma troca de telegramas, nos dias 30 e 31 de março daquele ano, sobre as expectativas de Washington e a disposição da Embaixada no Rio de Janeiro em garantir um mínimo de legitimidade política aos conspiradores brasileiros contra Goulart, o que habilita Gordon a reafirmar sua convicção de que o golpe foi “100% brasileiro”.
A obra não trata, contudo, dessa conjuntura ou das peripécias políticas e militares das últimas décadas, mas sim do processo estrutural de desenvolvimento brasileiro na era republicana, com ênfase nos aspectos econômicos e políticos (inclusive no que se refere à política externa) e nas dimensões sociais que permearam a experiência histórica do Brasil desde a época da “primeira chance” grosso modo a era Kubitschek até a atual, e ainda aberta, janela da “segunda chance” das administrações Fernando Henrique Cardoso. O livro é uma discussão exaustiva das razões que impediram o Brasil de atingir o status de nação desenvolvida naquela primeira fase e dos requerimentos colocados à sua sociedade e elites políticas para que ele possa fazê-lo na atual. O julgamento de Mr. Gordon não faz concessões às aparências: enganam-se aqueles que julgam que seu livro poderia mostrar complacência com os militares que derrubaram o populista Goulart e que pretendiam, justamente, alçar o Brasil à condição de grande potência, mediante doses maciças de investimento pesado e de boa receptividade ao capital estrangeiro. Faltou ao Brasil militar um dos ingredientes que Mr. Gordon julga indispensáveis ao status de nação do Primeiro Mundo: a democracia política.
O fracasso da era militar foi de natureza política e o da Nova República, de Sarney a Collor, foi de caráter econômico, pois que o populismo social da Constituição de 1988 e o quadro de inflação crônica vivido até 1994 impediram o Brasil de realizar sua segunda chance de desenvolvimento. Os resultados das eleições de 2002 podem determinar, segundo Mr. Gordon, se o Brasil conseguirá alcançar o que ele chama de “full first world status”, ou se o país continuará patinando na trajetória errática dos “trancos e barrancos”. O livro de Mr. Gordon apresenta uma rigorosa análise econômica e um sensato diagnóstico político sobre os quatro grandes desafios estruturais enfrentados pelo Brasil na presente conjuntura: consolidar a estabilidade macroeconômica, reduzir o grau anormalmente elevado de desigualdade social e de pobreza, continuar o ativo processo de inserção internacional e de engajamento na globalização e persistir na reforma das instituições políticas, pouco funcionais para os requisitos do desenvolvimento integrado de um país tão complexo e diversificado como o Brasil.
Mr. Gordon tem um grande respeito pela racionalidade intrínseca dos dados numéricos ele já era professor de relações econômicas internacionais em Harvard desde os anos 30, quando metade da atual população brasileira ainda não tinha nascido e tampouco acredita que fórmulas políticas bem sucedidas num determinado contexto social (como o dos EUA) sejam transplantáveis a um outro cenário institucional. Ele conhece bem o Brasil, os brasileiros e os diferentes autores que ao longo dos anos foram acumulando “explicações” sobre as razões de nosso fracasso ou da não repetição do bem sucedido experimento americano de desenvolvimento econômico e tecnológico e de relativa inclusão social. Leitor de Viana Moog, ele conhece a diversidade de raízes culturais e pode, por isso mesmo, reconhecer no Brasil e nos brasileiros a capacidade de realizar nossa própria modalidade de ascensão ao Primeiro Mundo. Seu livro é verdadeiramente equilibrado e completo e, se lido com a isenção que a distância de 1964 nos recomenda, pode ser uma excelente fonte de reflexões para todos nós, de gerações pré-golpe e pós-golpe militar, que pensamos em colocar o Brasil, não no primeiro, mas num mundo mais desenvolvido e humano como gostariam todos os brasileiros.
Resenhista
Paulo Roberto de Almeida
Referências desta Resenha
GORDON, Lincoln. Brazil’s Second Chance: En Route toward the First World. Washington: Brookings Institution Press, 2001. Resenha de: ALMEIDA, Paulo Roberto de. Revista Brasileira de Política Internacional, v.44, n.1, 2001. Acessar publicação original [DR]
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