Com grande satisfação e alegria o corpo editorial de “Em Tempo de Histórias” publica mais um número de nossa revista eletrônica, o número 31. Essa edição contém 6 artigos e uma nota de pesquisa. Quatro desses artigos compõe o dossiê intitulado Olhares sobre o Brasil com temas bem variados, assim como o nosso Brasil profundo. Além do dossiê, apresentamos dois artigos de temática livre e uma nota de pesquisa com provocações teóricas e metodológicas para a História.
O objetivo desse dossiê, Olhares sobre o Brasil, foi abordar as múltiplas e interdisciplinares interpretações sobre a realidade brasileira mediante diversas abordagens e perspectivas, bem como temas diversos como: saúde, música, direito e ocupação do espaço brasileiro.
Iniciando esses olhares sobre a história do nosso país, Vanessa de Jesus Queiroz, em “Saúde Pública em mau estado: a carne para consumo nos debates sobre higiene pública na Gazeta Médica da Bahia na década de 1860” aborda higiene pública como o conjunto de normas sanitárias que devem ser seguidas em nome da manutenção do bem comum, mensurado pela ausência de doenças e problemas causados por fugas a tais normas. Nesse sentido, tal tema aparece como campo necessário e direto da saúde pública. A autora demonstra como a elaboração, bem como a execução e a manutenção das regras da higiene, ensejam um campo ora conflituoso, ora pactual, de debates que envolvem diversas parcelas sociais, das quais destaca imprensa médica e classe médica na Bahia, bem como as diversas relações envolvendo órgãos fiscalizadores, governo e população geral, numa complexa rede relacional que conseguimos identificar nas entrelinhas do jornal médico em questão.
Na sequência, em “Fotografando a geringonça sem freio: breve investigação sobre as transformações da música em Brasília desde os anos 80”, André Luiz Fernandes Cunha, inspirado na imagem de uma carroça futurista, criada pela banda Feijão de Bandido em 2001, nos apresenta a cena musical em Brasília dos anos 80 até a atualidade considerando sua natureza arcaica e moderna, global e local simultaneamente. Para isso, o autor se utilizou de alguns conceitos desenvolvidos por Stuart Hall no livro A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, como hibridismo, nomadismo e multiculturalismo.
Em seguida, para provocar mais debates no campo da História do Direito, Alberto de Moraes Papaléo Paes, em “Uma historiografia crítica do jusnaturalismo no Brasil- um ensaio preliminar”, reacende o debate sobre o Direito Natural no Brasil a partir de uma revisão crítica das fontes históricas do Direito. Para tanto, o autor retrocede à análise daquilo que Antônio Paim denomina de segunda escolástica portuguesa e suas influências: a) na cultura filosófica brasileira e; b) na concepção jurídica de Direito. Além disso, Papaléo Paes contextualiza a obra de Tomás Antônio Gonzaga intitulada de Tratado de Direito Natural a fim de construir um desenho teórico do naturalismo no Brasil. Assim, busca demonstrar o cenário em que se travou a discussão inicial que pressupõe a afirmação do Direito Natural no Brasil.
Para fechar o dossiê, mas iniciar mais debates acerca da ocupação do espaço em nosso país, Andressa Batista Farias em “Contexto sócio-histórico e econômico no Norte de Mato Grosso-caso de Sinop: a expansão da fronteira agrícola” busca compreender a percepção de sujeitos em relação ao processo de colonização e ocupação das terras na região norte mato-grossense, mais especificamente na cidade de Sinop, em Mato Grosso, inserida na Amazônia Legal, e, assim, apreender as relações de poder e dominância, ambientais e econômicas, históricas e sociais, sobre o processo de colonização ocorrido na região a partir da década de 1970. Para isso, a autora baseou-se nos construtos teóricos pautados nas discussões pertinentes aos contextos econômicos, sociais, ambientais e histórico de ocupação do município de Sinop. Utilizando-se de análise crítica da realidade social e de pesquisa de campo, como entrevistas semiestruturadas, Batista Farias apresenta uma reflexão sobre a influência da expansão da fronteira agrícola, sobre o contexto sócio-histórico e econômico no espaço local. Para tal, foram entrevistados 02 sujeitos, dentre eles um agricultor e um morador antigo da cidade, que estiveram presentes desde o início do processo de colonização. Dessa forma, a autora apresenta as contradições e ambiguidades trazidas pela produção da cultura da soja na região.
Por sua vez, com temática livre, mas com provocações teóricas e metodológicas ao ofício do historiador, apresentamos dois artigos de jovens historiadores. Em “Simpatia, alteridade e compreensão no ofício do historiador”, Rodrigo Nunes do Nascimento, a partir da análise do uso do conceito de epokhé e simpatia (sympathie) por Henri-Irénée Marrou em “De la connaissance historique” (Do conhecimento histórico), busca entender a necessidade da simpatia e da alteridade na abordagem das fontes e do passado pelo historiador como um dos requisitos fundamentais para o alcance da compreensão (Verstehen) e do conhecimento históricos.
Por sua vez, João Francisco Schramm, em “Por uma teoria da História pela História: sobre o fetiche do distanciamento”, nos apresenta um debate intenso e repleto de polêmicas da nossa disciplina História com as demais ciências. O autor demonstra como o surgimento e abandono de modas e de modelos teóricos alienígenas à História são tratados muitas vezes pela historiografia como algo trivial, havendo na maior parte das pesquisas apenas exposição dos debates da época, ao expor as correntes teóricas anteriores e as que mais tarde vieram se firmar no novo cenário epistemológico. Para João Francisco Schramm, tais modelos teóricos, tão logo configurados como a moda de uma época, revelam problemas maiores, ainda não assumidos pela História, que demonstram o estado de experimentalismo, sujeição e dependência a que a disciplina esteve sujeita durante o século XX. Ao fazer se submeter às modas teóricas e às repentinas mudanças de outras disciplinas, a História durante o século XX (especialmente na França e em consequência no Brasil), acabou por assumir questões epistemológicas que estão na raiz do próprio surgimento das ciências sociais, quando esta defendia a criação de um método semelhante ao das ciências da natureza, a que pudesse desvelar leis gerais que regem o comportamento humano. Nesse sentido, o autor oferece uma crítica à ideia corrente de “distanciamento”, que poderia trazer às ciências sociais modelos teóricos e sistemas de interpretações que tornariam supérfluos a singularidade do conhecimento histórico ou mesmo a empiria. Para isso, o artigo discute o lugar não somente da História, mas das ciências humanas, quanto a seu objeto específico de estudo em relação às ciências naturais, ao destacar diferenças relevantes entre objetos culturais e objetos naturais.
Por fim, publicamos como nota de pesquisa o texto “O uso de imagens na história: transformações do espaço urbano de Tefé a partir de sua iconografia (1960-1980) de Fabielle Ribeiro Esperança, resultado de pesquisas realizadas na seção de documentação da Rádio Educação Rural de Tefé. A historiadora tem como objeto central analisar as transformações do espaço urbano na cidade de Tefé, em Amazonas, entre as décadas de 1960 a 1980, pautando-se no uso de ferramentas analíticas oferecidas pela História Social em suas múltiplas formas. A pesquisadora demonstra como o uso de imagens, bem como a tentativa de ampliação de pesquisas sobre as modificações do tecido urbano nas cidades do interior da Amazônia, vem ampliando as possibilidades de pesquisas, bem como a utilização de novas fontes. Nesse contexto, a questão que se coloca é: como à luz da História Social e dos estudos sobre cidade podemos compreender as transformações do espaço urbano no interior do Amazonas a partir do uso de imagens?
Por fim, nós, da equipe editorial, agradecemos a colaboração de nossos colegas historiadores e desejamos a todos uma boa leitura, reflexiva, crítica e prazerosa. Afinal de contas, são tempos de histórias.
Rafael Nascimento Gomes
Conselho Editorial
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