“Esta coletânea reúne trabalhos inéditos sobre questões relativas à inserção internacional do Brasil. Trata-se de questão de importância crescente, mas, ainda assim, de esforço exploratório”(p. 09). É dessa forma que Domício Proença Jr. e Clóvis Brigagão apresentam mais um importante empreendimento acadêmico brasileiro, no campo da paz e da segurança. Em Brasil e o Mundo destaca-se o empenho de dois grandes pesquisadores brasileiros na sistematização do conhecimento nacional na área.
Parte de um ambicioso projeto, o livro Brasil e o Mundo representa mais do que a concretização de um plano de trabalho. O motor dessa iniciativa encontra significado maior na perspectiva de fazer “ruir o imobilismo” de um país que, ainda hoje, mostra-se indiferente ao tema.
Contando com a valiosa contribuição de representantes dos mais diversos segmentos da sociedade, Brasil e o Mundo divide-se em três partes distintas Perspectivas, Contextos e Horizontes que, em seu conjunto, montam um arcabouço genérico, encadeado e bastante inquietador no que tange à inserção internacional de segurança do Brasil em um contexto internacional mutável.
O diplomata João Almino inaugura o debate sob uma perspectiva, segundo ele, “mais do que diplomática”. Para o autor, a segurança internacional de um país depende, também, das estruturas político-sociais internas e do grau de coesão nacional. No bojo dessa visão, João Almino argumenta que a política de segurança do Brasil deve partir do reconhecimento de sua posição no mundo.
O seu texto estrutura-se em torno da discussão dos possíveis arranjos administrativos entre as diferentes instâncias governamentais brasileiras, com vistas à coordenação de iniciativas em matéria de segurança e defesa.
A segunda contribuição vem de Afonso Barbosa, que cumpre sua intenção de empreender uma “visão de um militar”, ao invés de uma “visão militar”. Ele define como plano de estudo, quatro considerações acerca do relacionamento entre as nações, vis-à-vis a inserção do Brasil. Nesses termos, o autor percorre aspectos teórico-normativos que, de forma geral, definem o novo ordenamento militar brasileiro, corolário da ascensão do controle civil sobre o conjunto das organizações militares e elucidam o quadro da inserção do Brasil, segundo a análise da natureza do ambiente político-estratégico mundial e das demandas que a aspiração nacional, por tornar-se ator ativo nesse quadro, engendram.
A segunda parte do livro Contextos inicia-se com o aporte de Valérie de Campos Mello sobre a participação e visão brasileiras no tocante ao sistema das Nações Unidas de segurança coletiva. A partir da idéia de que a ONU é o principal foro no qual as premissas de “primazia dos marcos jurídicos internacionais e do multilateralismo” são mais fortemente advogadas pelo país, ela passa a estabelecer considerações no tocante à posição brasileira diante da doutrina de segurança humana na ONU, segundo a qual o uso da força deve ser o último recurso a dispor. Por fim, a autora faz referência às direções de ação da ONU após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, bem como ao significado desses eventos como um novo desafio à diplomacia brasileira.
Thomaz Guedes da Costa analisa o relacionamento entre Brasil e Estados Unidos em uma perspectiva histórica, ao mesmo tempo em que busca uma interpretação atual para as perspectivas de convivência entre os dois países. Sua tese é de que os contornos da inserção internacional de segurança do Brasil estão condicionados ao seu relacionamento com o “império do norte”. Sua análise baseia-se na constatação de que, pela falta um instrumento político-militar entre ambos e pela centralidade da relação entre os dois para a conformação da conduta da segurança internacional do Brasil no século XX, há uma crescente necessidade de harmonização bilateral no campo do “pensar” e “agir”.
No quinto capítulo, a questão relativa às percepções brasileiras frente ao uso legítimo da força é objeto de análise de Alfredo Valladão. O autor parte da constatação de que o Brasil nunca esteve à vontade diante de um cenário internacional tenso e instável, na perspectiva de que a prática diplomática nacional apresenta credenciais importantes como a rejeição ao uso da força. De fato, o distanciamento dos pólos de poder, durante parte do século XX, foi recurso inequívoco do seu modus vivendi diplomático. Na década de 1990, no entanto, um novo ambiente internacional em formação levou o Brasil à “autonomia pela participação”. Vale ressaltar, ainda, uma idéia que parece bastante lúcida no contexto das pretensões brasileiras no cenário internacional: a necessidade de o Brasil responsabilizar-se pelos “bens públicos” coletivos (mesmo que apenas em nível regional), caso tenha alguma pretensão a tornar-se líder incontroverso. Ao mesmo tempo, o autor prevê a necessidade de “multilateralizar” o poder estadunidense por intermédio de associações, por exemplo, como a União Européia.
A terceira e última parte Horizontes traça o pano de fundo de um “balanço” ainda inconcluso, mas que permite reforçar tendências para o futuro imediato do Brasil. A política brasileira de segurança no pós-guerra fria é revista por Paulo Wrobel e Mônica Herz, a partir das transformações da política exterior do Brasil e sua conexão com as questões de paz e segurança. Nesse contexto, o dinamismo e variação dos temas em matéria de política de segurança contrastam com a continuidade da política exterior brasileira.
Os anos de 1990 mostram o vigor de uma abordagem mais democrática sobre as questões de paz e segurança. Infelizmente, a autora parece dar importância, sobremaneira, aos resultados objetivos dessa “abertura”, com a crença de que a formulação e a publicação do documento de Política de Defesa Nacional (1996) estiveram condicionadas de forma direta a essa nova realidade democrática.
Por seu turno, o professor Amado Luiz Cervo empreende um estudo de grande envergadura, no conjunto da obra. Seu texto ocupa-se da dimensão da segurança na política exterior do Brasil diante das conjunturas internacionais. Da “tranqüilidade global e preocupações regionais” do século XIX, chegando à nacionalização da segurança da década de 1970 e, depois, à multilateralização da segurança na década de 1990, Amado Cervo identifica a conclusão de seu texto com o recente “trânsito” brasileiro entre a “ilusão kantiana”, de apreço às instituições multilaterais, e o realismo cauteloso, impulsionado pela “tentação” da “autonomia decisória”.
O livro termina com mais um ensaio acerca da participação brasileira nas operações de paz. Densa e útil, a análise de Sérgio Aguillar abarca todas as singularidades históricas desse instrumento multilateral, segundo sua evolução da primeira geração (1948-1989) à segunda geração (1989 aos nossos dias).
Em seu conjunto, a obra é completa e bem articulada entre os temas mais polêmicos que envolvem a questão. Brasil e o Mundo, ao estabelecer seu foco nas peculiaridades do espaço nacional, em estreito diálogo com o contexto internacional, contribui para o adensamento do debate e o aprimoramento da “inteligência” nacional na inserção internacional de segurança do Brasil.
Resenhista
Joelson Vellozo Júnior
Referências desta Resenha
BRIGAGÃO, Clóvis; PROENÇA JUNIOR, Domício (Orgs.). Brasil e o Mundo: novas visões. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2002. Resenha de: VELLOZO JÚNIOR, Joelson. Revista Brasileira de Política Internacional, v.46, n.1, 2003. Acessar publicação original [DR]
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