Brasil e EUA no novo milênio | Marcos Guedes de Oliveira
O estudo das relações Brasil-Estados Unidos e do reconhecimento do outro dentro do cenário internacional vem gradativamente fornecendo concretos trabalhos e trazendo interesse para os pesquisadores de diversas áreas, principalmente em Relações Internacionais, dada sua multi e interdisciplinaridade. Nesse sentido, a obra organizada por Marcos Guedes de Oliveira busca contribuir para a redução de eventuais desconhecimentos acerca do outro, procurando demonstrar que muito do que se pensa a respeito dos EUA confunde-se com resquícios preconceituosos presentes no imaginário popular.
A primeira parte da obra, composta por textos de Eduardo Viola e Carlos Pio (Doutrinarismo e Realismo na Percepção do Interesse Nacional), Shiguenoli Miyamoto e Paulo César Manduca (Segurança Hemisférica, Uma Agenda Inconclusa) e Antônio Jorge Ramalho (Entre Redes e Hierarquias, Entre Regras Internas e Regras Internacionais: A Projeção dos Interesses dos EUA na Alca), busca trazer à tona questões de extrema complexidade no cenário político-internacional atual, quais sejam, a percepção do outro em um cenário de mudanças, as questões relativas à segurança do hemisfério e a dificuldade de se implementar uma política de segurança comum para o continente, além das disputas políticas e econômicas na formulação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Viola e Pio buscam retirar o véu que cobre muitos dos pensamentos brasileiros acerca de suas relações com os Estados Unidos, uma vez que, conforme os próprios autores, “freqüentemente se formam consensos nacionais muito mais inspirados em doutrinas e dogmas do que na análise realista das principais dinâmicas sócio-econômicas presentes no mundo e mesmo no País” (p. 13). Esses erros de percepções muitas vezes moldam a opinião pública e distorcem o que realmente é objetivado pela nação na busca do interesse nacional.
Apesar de se constituir em um estudo basicamente ensaístico, o texto certamente serve de referencial para análises nas quais constem os temas supramencionados, não apenas pelo rigor metodológico, mas também pelo fomento do debate acerca da relação bilateral.
No tocante à segurança hemisférica, Miyamoto e Manduca procuram demonstrar que tanto Brasil como Estados Unidos, embora conscientes das ameaças globais como Terrorismo e Tráfico de Drogas, não conseguem implementar, conjuntamente, políticas satisfatórias nesse sentido. Isso se deve, em grande medida, à dificuldade de entendimento sobre o que significa cada perigo, ou seja, cada uma das novas ameaças que atingem o continente.
Por último, Antonio Jorge Ramalho, em seu ensaio, busca oferecer informações e suscitar reflexões acerca da ordem internacional construída pelos Estados Unidos no que se refere às dimensões políticas, ou seja, convergências e divergências na formulação do modus operandi externo, e econômicas, mais precisamente nas negociações comerciais acerca da Alca.
A segunda parte do livro, não menos importante, dedica-se a estudos norte-americanos, voltando-se para áreas de pouca ênfase nas relações internacionais, como estudos antropológicos comparados, de acordo com a visão de R. Parry Scott, ou mesmo acerca da contribuição estadunidense à teoria político-normativa, bem como sua recepção pelo Brasil nos últimos anos (Sérgio Ferraz).
Catharina dos Santos Lima, em A Construção Social da Paisagem: Experiências Americanas, procura demonstrar a formação de uma cultura de paisagismo nas Américas iniciada pelos norte-americanos, sendo que, nas próprias palavras da autora, “a paisagem […] inclui não apenas os espaços livres e construídos, mas igualmente a dinâmica das relações sociais”.
Marcelo Abreu, ao analisar a preocupação americana com a Coréia do Norte, principalmente no que se refere à política nuclear deste país, distancia-se dos pontos vistos até então, uma vez que, diferentemente do tradicional, procura observar o modo de atuação americana no continente asiático e seus principais receios de um eventual conflito armado com os norte-coreanos, representando um dos maiores desafios para o poderio militar dos Estados Unidos no início do século XXI.
Com uma visão essencialmente jornalística dos fatos relatados, Abreu denota o aumento da preocupação americana com relação a problemas oriundos de comércio de armas e do próprio terrorismo, não se omitindo acerca do fechado regime norte-coreano, bem como sobre o interesse concreto dos norte-americanos em manterem sua presença no Extremo Oriente.
Thales Castro, em Repensando a Unimultipolaridade, denota a importância de uma revisão de alguns determinantes do atual cenário internacional. O funcionamento desse sistema dar-se-ia pela lógica de poder e os conseqüentes dilemas de segurança de cada Estado, atrelados a uma condição de hegemonia norte-americana. Segundo Huntington, observa-se a emergência de novos centros de poder mundial no continente asiático, moldando a política externa norte-americana. Entretanto, Castro considera que o estudo de Huntington necessita de uma análise mais profunda, não negando sua contribuição.
Por fim, Roland Walter analisa a contradição entre a ideologia norte-americana de comércio sem fronteiras, um dos princípios norte-americanos, e a conduta do povo-nação. Fazendo referência a uma gama de autores, Walter problematiza as contradições internas de um país que se auto-intitula um símbolo democrático, mas que desde o início de 2001, com a ascensão de George W. Bush ao posto político mais importante do mundo, iniciou um período de imposição de princípios outrora não impostos, mas declarados por cada nação.
Enfim, é muito oportuna a obra organizada por Oliveira, na medida em que possibilita ao leitor bem instruído a formação de opinião e de conhecer campos da relação bilateral até então pouco explorados. Acrescente-se a isto o aumento do debate público interno acerca da relação Brasil-Estados Unidos, o que só vem a contribuir para uma melhor compreensão sobre as questões internacionais do país
Resenhista
Marcos Felipe Pinheiro Lima.
Referências desta Resenha
OLIVEIRA, Marcos Guedes de (Org.). Brasil e EUA no novo milênio. Recife: NEA; Editora Universitária da UFPE, 2004. Resenha de: LIMA, Marcos Felipe Pinheiro. Meridiano 47, v.5, n.50-51, p.20-21, set./out.2004. Acessar publicação original [DR]