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Brasil, Argentina e Estados Unidos: conflito e integração na América do Sul (Da Tríplice Aliança ao Mercosul, 1870-2003) | Luiz Alberto Moniz Bandeira

Moniz Bandeira, mais uma vez, surpreende. Sua nova obra, fruto de trabalho intelectual iniciado há 27 anos, consolida e desdobra suas reflexões acerca da inserção internacional do Brasil, já presentes, em grande parte, em outros trabalhos de igual fôlego como O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata (1980); Estado nacional e política internacional na América Latina: o continente através das relações Argentina-Brasil, 1930-1992 (1995); e Relações Brasil-EUA no contexto da globalização: rivalidade emergente (1999).

A referência aos seus trabalhos anteriores não exclui a originalidade do novo texto, que consubstancia um conhecimento resultante de três décadas de pesquisa. Ademais, Moniz Bandeira analisa a inserção internacional do Brasil no período mais recente da história das relações internacionais da mudança da conjuntura mundial em 1989-1991 aos dias atuais e comenta, sucintamente, os marcos teóricos que orientam sua reflexão, elemento praticamente ausente nos trabalhos anteriores.

No aggiornamento de seus estudos, Moniz Bandeira formulou uma linha de hipóteses configurada em três pontos: a) nas duas últimas décadas do século XIX, a Argentina consolidou seu Estado Nacional e pôde disputar a hegemonia da América do Sul, enquanto o Brasil, dependente das exportações de café, passou a girar em torno dos Estados Unidos ; b) o Brasil, no entanto, contou com melhores condições sociais e políticas para desenvolver o setor de bens de capital, expandir sua economia e, na década de 1970, restaurar sua posição de potência regional na América do Sul; c) a tendência para a integração do Brasil com a Argentina, latente mesmo nos períodos de maior rivalidade, prevaleceu e compeliu-os a formar o Mercosul, apontando para a construção de uma instituição multinacional, como a União Européia.

A leitura a respeito do apogeu argentino “aquel apogeo” como diria Juan Archibaldo Lanús das décadas iniciais do século XX e da insistência brasileira na manutenção do modelo primário-exportador até a década de 1930 realizou-se com base em vasta literatura secundária e no uso sistemático de fontes primárias (a maioria delas já utilizada em trabalhos anteriores do autor). A metodologia possibilita uma grande sintonia com as publicações mais recentes da área, que têm em Moniz Bandeira uma referência obrigatória, em processo contínuo de influências recíprocas, a despeito de algumas sentidas ausências em sua bibliografia.

A análise da lenta e gradual construção da moderna estrutura econômica brasileira, que se desenvolveu de forma paralela ao esgotamento do modelo agroexportador argentino e dos impasses sofridos pelo país vizinho desde os anos 1930, mantém o rigor da pesquisa e apresenta a clara continuidade dos efeitos da presença dos interesses dos Estados Unidos na América Latina, assunto já desenvolvido nos capítulos iniciais da obra, referentes às décadas finais do século XIX e às iniciais do século XX. Mas é a partir do capítulo XIII, em que Moniz Bandeira aborda os esforços desenvolvidos por Brasil e Argentina no sentido de uma maior cooperação bilateral e regional, que se revelam as estratégias desagregadoras desenvolvidas pela diplomacia norte-americana. O esvaziamento da Operação Pan-Americana (OPA), o lançamento da Aliança para o Progresso, o apoio dado às soluções ditatoriais dos anos 1960 e 1970 e a insistência em temas como a cooperação tecnológica, o desarmamento e a não-proliferação de armas nucleares revelam a defesa dos interesses empresariais norte-americanos e a atitude deliberada de conter os projetos de desenvolvimento econômico autônomo. É nesse sentido que Moniz Bandeira sustenta sua tese da “rivalidade emergente” nas relações entre Brasil e Estados Unidos, evidenciada durante o governo de Ernesto Geisel e que se estende, com surpreendente atualidade, aos dias atuais.

Sua terceira hipótese, a da integração Brasil-Argentina, atualizada no sentido aristotélico da palavra por meio da criação do Mercosul, poderia parecer superdimensionada ao se confrontar a atual situação do bloco regional com as idéias do autor acerca da futura construção de um Estado multinacional, semelhante à União Européia, mediante a integração de todos os Estados da América do Sul. Porém, Moniz Bandeira desenvolve, de forma implícita, uma argumentação pautada como diria Amado Luiz Cervo no “acumulado histórico” da política externa brasileira e nos anseios mais amplos dos países latino-americanos no sentido da busca da integração como instrumento para um desenvolvimento regional “autônomo”, menos dependente da política norte-americana para a região. Tal abordagem valoriza as iniciativas latino-americanas para o desenvolvimento e seu contraponto: a presença norte-americana na região, tanto em sua dimensão diplomática ostensiva quanto nas ações clandestinas sob responsabilidade da CIA e de outras agências. Moniz Bandeira é um dos poucos autores dispostos a enfrentar o tema.

Nos seis últimos capítulos do livro, o autor brinda seus leitores com a análise dos “eixos” da inserção internacional do Brasil no contexto das transformações históricas inauguradas com o fim da guerra fria. Os efeitos do Washington Consensus, os desdobramentos do Tratado de Assunção, o projeto da Alcsa e outros temas de fundamental importância nos dias de hoje são abordados no imenso quadro das transformações operadas na política internacional. Cabe destacar que, em nenhum momento, o autor descuida dos limites e das dificuldades encontradas pelo Brasil na implementação de suas políticas. Daí a ênfase em acontecimentos como o pedido da Argentina para entrar na Otan, o aprofundamento dos problemas da Colômbia, a tentativa de golpe no Paraguai, a ascensão de Hugo Chávez na Venezuela e a resistência do Brasil à Alca. Em seu último capítulo, Moniz Bandeira trata dos efeitos dos atentados terroristas contra o World Trade Center e o Pentágono, do agravamento da situação econômica e política mundial, do colapso da Argentina e da tentativa de golpe na Venezuela, em abril de 2002.

Suas conclusões a respeito desses temas, embora pautadas não mais em documentação diplomática e política primária, mas fundamentalmente em análises publicadas em livros, periódicos e por meio da Internet, deixam transparecer não apenas a continuidade da análise, mas a metodologia empregada no conjunto da obra. Para Moniz Bandeira, o método histórico sempre se lhe afigurou o melhor meio para o conhecimento dos fenômenos políticos, caracterizados por um entrecruzamento infinito de causas e por fenômenos resultantes de transformações quantitativas e qualitativas de tendências que se desenvolvem ao longo do tempo. É o método hegeliano que permite ao autor sustentar que, da Tríplice Aliança ao Mercosul, as contradições intrínsecas do processo histórico das relações internacionais na Bacia do Prata passam por supressões (aufheben) e conservações (aufheben/aufbewahren), enquanto Aufhebung (negação/conservação) dos conflitos. Afinal, não estamos constantemente nos referindo a permanências e mudanças ao tratarmos de temas de política externa ou de política internacional?

Uma última observação sobre a importância do trabalho de Moniz Bandeira pode ser deixada a cargo do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e de suas considerações do prefácio do livro, intitulado “Reflexões sul-americanas”. Para Pinheiro Guimarães, o atual momento é decisivo para a América Latina e mais especialmente para o Brasil, mas o dilema é aquele definido historicamente: enfrentar o desafio de realizar o potencial da sociedade brasileira, por meio de um projeto nacional consciente; ou se incorporar de forma subordinada ao sistema econômico e político americano, confiando nas forças do mercado para enfrentar o desafio de realizar o potencial da sociedade brasileira e sul-americana. Nesse sentido, a obra de Moniz Bandeira é de fundamental importância para os que necessitam conhecer melhor o passado e o presente para construir um futuro melhor, assim como para aqueles que têm a responsabilidade de decidir qual dos dois caminhos tomar.


Resenhista

Carlos Eduardo Vidigal


Referências desta Resenha

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Brasil, Argentina e Estados Unidos: conflito e integração na América do Sul (Da Tríplice Aliança ao Mercosul, 1870-2003). Rio de Janeiro: Revan, 2003. Resenha de: VIDIGAL, Carlos Eduardo. Revista Brasileira de Política Internacional, v.46, n.1, 2003. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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