Tom Ginsburg (2020) registrou, em palestra proferida na Universidade de Chicago, que o ataque às democracias dá-se também pelo Poder Judiciário, não apenas por investidas militares ou avanço comunista. A expressão death by a thousand cuts, na acepção apresentada por Ginsburg, refere-se a uma lenta morte por mil cortes e busca a atualização do debate quanto à qualidade da democracia e das instituições democráticas dentro do cenário mundial.
A recente literatura 1 no campo do Direito Constitucional e da Ciência Política procura apresentar as vias pelas quais o autoritarismo se estabelece retoricamente, recorrendo ao discurso constitucional. São estudos que colocam inúmeras questões: quais são os diversos processos que uma democracia constitucional pode ser, contemporaneamente, destruída? Como verificar a solidez da distinção entre erosão e colapso democráticos? A recorrência do tema sobre as noções de golpe de Estado, seja parlamentar ou promissório, desde então, tem refletido a complexidade de não haver distinção também de uma erosão constitucional: processos de deterioração da identidade constitucional.
Sabe-se que o populismo carismático e a degradação partidária2 são agentes responsáveis no processo de erosão democrática (GINSBURG; HUQ, 2018). Ressalta-se que os conceitos de populismo, populista, neopopulismo e populismo digital são históricos, polissêmicos e complexos. Os termos geralmente são associados às práticas e aos fenômenos nas esferas do Estado, da política e das mídias digitais, o que se explica pela conclusão a que chegaram alguns estudiosos segundo suas perspectivas e especificidades3.
O quadro desse debate vem sendo profícuo nos últimos anos do ponto de vista de historiadores também. Exemplo notável da análise dos casos de erosão brasileira é o trabalho de Perry Anderson4, Brasil à parte: 1964-2019, traduzido em 2020, objeto desta resenha. O recorte cronológico adotado é o de uma parábola assimétrica sobre a interferência das Forças Armadas e dos militares na política nacional do país, cerca de cinquenta anos após o golpe civil militar, que instaurou a ditadura em 1964. O autor introduz a discussão com uma problemática pertinente: o que pressagia a guinada do país à extrema direita, sob Jair Messias Bolsonaro, a partir de 2018 e como isso pôde acontecer ao maior país da América Latina?
A partir desse questionamento, entende-se a forma pela qual Anderson optou por inserir o seu tema em discussão. Ele não o faz com a pretensão de ser conclusivo, mas sim apontando a complexidade da história do Brasil para a explicação de um novo governo com viés autoritário e reacionário que sucede a um governo progressista – ideológica e politicamente distinto -. Da mesma forma que os estudiosos do Direito e da Ciência Política, o autor aborda as diversas vias pelas quais o autoritarismo se reabilitou na sociedade brasileira nos últimos anos. Discutir essa mudança no Brasil é, sem dúvida, um caminho para reestabelecer a qualidade da democracia e da Constituição no país.
A abordagem que Anderson faz a partir da história factual, comparada, marxiana e teoria política e social contemporânea, lembra-nos as considerações do historiador Pierre Rosanvallon, ao dizer que nas sociedades e Estados representativos, as normas de organização estão sujeitas ao escrutínio público e às intervenções dos cidadãos, sendo o campo do político o espaço, por excelência, do exercício legítimo do poder. O que permite entender a configuração subjetiva da obra de Anderson, ou seja, o fato de que o autor viveu no Brasil entre a instauração da ditadura (1964) e seu endurecimento repressivo (1968), registrando em seu livro as visitas em terras brasileiras em momentos de mudança política.
O objetivo do autor era o de um projeto de estudo sobre a trajetória política das potências mundiais como Estados Unidos, Rússia e China e do sistema interestadual que elas começaram a construir no século XXI. Na sua escolha exclusiva pelo Brasil, destacam-se fatores relevantes na abordagem: em termos populacionais e geográfico, sua separação como o quinto maior país do planeta, a segunda renda per capita maior dos BRICS (Brasil, Rússia, China e África do Sul, países de mercado emergente) à época. Já em termos culturais e psicológicos, o Brasil teria se isolado ao mundo hispânico ao se direcionar para a Europa e Estados Unidos. Por fim, a vocação do Brasil que o separa de seus pares do hemisfério Norte refere-se à repressão interna pelo Exército brasileiro (como força política), isto é, o país não se destaca como grande potência em lutas externas com suas Forças Armadas, mas em seu próprio território.
Nesse sentido, Anderson aduz o Brasil em um contexto separado mundialmente, inclusive em relação aos países da América Latina. Essa distinção liga-se à política econômica também, pois, para o autor, o neoliberalismo não fora incorporado definitivamente no país, o que contrariou a tendência global do período. Desse modo, os cinco capítulos do livro revelam sua percepção sobre essa trajetória brasileira e períodos-chave: momentos do Plano Real ao golpe parlamentar, apoiado por forças do Judiciário contra a ex-presidenta Dilma Rousseff; avanços e descaminhos da política, considerando as conexões entre o contexto nacional e o internacional; e os seis primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro.
Um ponto destacado é o fato de que o Brasil seguiu no contrafluxo nos doze anos de governo do Partido dos Trabalhadores (PT), momento de ineditismo na história, visto que o país desempenhou papel independente no cenário internacional. É esse “drama sociopolítico” brasileiro que Anderson apontou na sua obra, com a ressalva de o PT ter chegado ao “fim” do modo como chegou, mostra pontos tanto a favor quanto contra, ou seja, a obra do autor se torna essencial para a reflexão sobre o legado do partido na história do Brasil, a crise da esquerda e, consequentemente, a chegada da extrema direita no poder.
A problemática da argumentação de Anderson contempla a impopularidade do PT, aspecto para que se possa compreender a curva de uma parábola, não necessariamente simétrica, sobre a “colonização” do governo Bolsonaro pelas Forças Armadas. Assim, de 2003 a 2016, sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil investiu em políticas de transferência de renda, e Lula tornou-se o governante mais popular de seu tempo. Em 2018, os militares intervieram para que ele, ainda popular demais, não fosse reeleito, situação essa que consolidou na captura do Planalto pela extrema direita.
Ao buscar construir uma espécie de “relato patente” sobre o lulismo, Anderson orienta-se pela questão de como esse governo poderia vir a ser interpretado historicamente, enfatizando alguns “trunfos formidáveis” que possibilitaram o sucesso e popularidade de Lula e do PT na política. O legado do PT liga-se à esperança sobre a qual o partido se fundou, mas foi revertida por diversos fatores, tais como o histórico econômico de Fernando Henrique Cardoso – a dívida pública, a desvalorização da moeda e a taxa de juros alta -, a exposição pela imprensa de uma ampla rede sistemática de corrupção da qual o PT se beneficiou e sobre a qual governou, bem como o chamado mensalão e a própria hostilidade da mídia ao partido.
A despeito disso, Lula não só conseguiu salvar sua posição como também a transformou em razão do crescimento econômico sustentado (2004-2006) e do enfrentamento à miséria e à pobreza, implementando programas sociais de transferência e distribuição de renda pelo Estado: Fome Zero, Bolsa Família e a ampliação do acesso ao Ensino Superior. Assim, a identificação popular de Lula com esses programas se tornou mais um de seus “trunfos” políticos. Somou-se então aos aumentos substanciais do salário mínimo, potencializados com a introdução do crédito consignado. Em conjunto, as transferências condicionadas de renda, os salários elevados e a instituição de novas linhas de crédito permitiram o crescimento sustentado do consumo popular, a expansão do mercado interno e a criação de mais empregos. Essa combinação levou a maior redução da pobreza na história brasileira.
O segundo mandato de Lula foi marcado por confiança e segurança em decorrência do sucesso econômico e da vitória política contundente. Em 2008, apesar da diminuição da arrecadação de impostos devido à crise financeira internacional, pela falência do tradicional banco norte-americano Lehman Brothers, o governo do PT aumentou as transferências de renda e investimentos públicos, reduziu as reservas compulsórias dos bancos e estimulou o consumo das famílias. Anderson, portanto, interpreta essas ações como uma “sucessão de bons augúrios internos”.
A partir de uma análise comparativa, o historiador ainda destaca que, diplomaticamente, a diretriz do governo FHC foi a fidelidade aos EUA. Em sentido contrário, Lula priorizou a integração regional ao fomentar o Mercosul e avançou em colocar o país no cenário mundial – mudança precedente de fatores como a crescente importância do país enquanto potência econômica e ao reflexo de seu prestígio popular. Entre os resultados, em 2009, o Brasil conquistou sua nova posição como potência global com a realização da primeira cúpula dos BRICS.
São ainda apontadas por Anderson três interpretações contrastantes no Brasil. A primeira, a do estilo de governo (e de governar) de Lula comparado aos grandes nomes do populismo no Brasil e na Argentina, Getúlio Vargas e Juan Perón, respectivamente. A segunda, a da análise do lulismo, baseada na psicologia dos pobres brasileiros, acrescentada de uma comparação com o ex-presidente norte-americano, Franklin Roosevelt. A terceira confere uma análise realista do sistema de governo de Lula, entre ele e a massa de seu eleitorado, ao enfatizar que a década 2000-2011 não assistiu nenhuma mobilização das classes populares no Brasil. Entende-se que essa última interpretação é o ponto crítico na abordagem do autor, o qual considera ser um dos motivos da impopularidade do PT.
No que se refere ao panorama dos mandatos da Dilma Rousseff, continuando ainda a compreensão da impopularidade do PT como um processo, é abordada sua vitória eleitoral em 2010 com uma maioria quase tão esmagadora quanto a de Lula, embora quatro anos depois reeleita com uma margem muito menor (3%) sobre seu adversário Aécio Neves. Ainda que Dilma tenha fortalecido a política de controle contra os riscos de superaquecimento, atitudes semelhantes às de Lula no seu segundo mandato, a queda do crescimento no mundo das finanças globais reverteu os propósitos de seu governo. Ao mudar de rumo, o governo Dilma criou um pacote de medidas que visava estimular o investimento a favor de um desenvolvimento, mas que convergiu com o programa do adversário.
Um dos pontos cruciais da visão social e política de Anderson reside na estrutura da Constituição brasileira de 1988 5. O autor considera que nenhum outro país tem divergência muito acentuada entre Executivo e Legislativo quanto o Brasil. O motivo principal é que o país possui um sistema partidário mais frágil em comparação com outros países do continente – e a Constituição o tornou mais desintegrado – tendo como objetivo o de obter favores do Executivo em troca de votos na Câmara dos Deputados. O autor relata que a democratização aumentou a direção conservadora desse sistema desequilibrado, o que nos possibilita pensar numa degradação do sistema político, e por isso, na visão de Anderson, a crise do PT é política.
A virada do Brasil para a extrema direita vincula-se ao fato de que o Partido dos Trabalhadores estava se “degradando numa transmutação” ao longo do tempo. A coligação do PT com o PMDB, somada com o esquema de corrupção da Petrobras, o escândalo da Lava Jato, os grupos da direita radical como Vem pra Rua, Movimento Brasil Livre e Revoltados Online, segundo Anderson, modelaram suas táticas com base na atuação do coletivo de extrema esquerda – o Movimento Passe Livre, responsável pelos protestos de 2013, a “nova religião”, vertentes do protestantismo evangélico, e a atuação do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, dentro do Legislativo para o impedimento de Dilma do cargo, sob o pretexto de que ela cometera impropriedade ao transferir fundos dos bancos estatais para contas federais.
A conjuntura brasileira mostrava a via da politização do Judiciário como protagonista da crise política, articulada às ilegalidades das ações do Juiz Sérgio Moro, baseadas na operação italiana Mani Pulite de 1990, o que Anderson denomina de “caráter italianado” da política brasileira 6. Ademais, a força da imprensa unida em um único bloco de hostilidade ao PT, agindo como porta-voz da Lava Jato, somente poderia ser vencida, na visão do autor, com a mobilização popular para impedir a queda de Dilma; porém, sua capacidade mobilizadora era limitada devido ao legado de seu domínio.
Uma análise da improvável eleição de Jair Bolsonaro, seu perfil político e a perplexidade com a reversão do ciclo de poder do PT, passando pela “fase de transição” após o impeachment de Dilma, é realizada de forma afiada para o momento da escrita do autor, visto que os acontecimentos estavam no calor da política. Por exemplo, nesse período, era tarefa difícil apreender de forma precisa a base de apoio a Bolsonaro. Como pôde ocorrer tal virada? O resultado foi circunstancial ou necessário? São essas questões que orientam também a escrita de Perry Anderson.
Para o autor, o que possibilitou politicamente o retorno dos militares à política não foi a direita, o centro, o PFL-DEM, o PSDB, os conservadores ou neoliberais, mas “a esquerda, na forma do PT, a responsável direta pela reabilitação política dos militares (…)” (ANDERSON, 2020: 174). Temos aqui uma afirmação provocadora, que pode ser ponto de controvérsia, mas nos leva a pensar no modo como a esquerda brasileira necessita urgentemente se reposicionar no cenário político a partir de novas táticas e estratégias. Afinal, o perfil eleitoral da vitória de Bolsonaro foi baseado no aumento da rejeição ao PT e do apelo pelo combate à corrupção, pelo crescimento da insegurança física e existencial, nas ansiedades econômicas e na desintegração de normas tradicionais de vida familiar e sexual, que abriram o caminho para a crescente influência da religiosidade pentecostal.
A trajetória de Bolsonaro na formação das Agulhas Negras, citando a prisão por indisciplina e a aposentadoria pelo método terrorista de reivindicação, também é um aspecto analisado por Anderson. Eleito deputado federal no Congresso Nacional, Bolsonaro manteve a base eleitoral e a pauta nos quartéis. Mesmo com perfil marginal no Congresso, sua ascensão, contudo, não foi apenas baseada na crise econômica e na virulência do antipetismo, mas aproveitou melhor que qualquer outro o cenário, após 2013, com o uso das mídias e redes sociais e digitais7 de forma mais estruturada, inclusive na promoção da desinformação.
Já em 2019, o governo de Bolsonaro marca uma ruptura mais radical com a era do PT. Seu perfil adequa-se à personalidade pública ambígua: tosca e violenta, mas também juvenil e jocoso, com um humor grosseiro e autodepreciativo. “Bolsonaro seria mais bem categorizado (então) como populista? O termo usado atualmente pela mídia bem-pensante para descrever toda sorte de vilão, foi tão inflado que perdeu utilidade” (ANDERSON, 2020: 159). A categoria de populismo, como utilizada para se referir ao perfil de liderança na Europa, de acordo com Anderson, mostra-se inviável e não plausível, uma vez que os aspectos são a presença marcante da xenofobia anti-imigratórias, problema ausente no Brasil; talvez o apontamento deve ser mais bem traduzido para a realidade brasileira.
Por fim, o autor desenvolve a parábola assimétrica para registrar o aumento da intervenção dos militares na política, nomeadamente na presidência da república. A derrubada de João Goulart em 1964 e a prisão de Lula foram operações diferentes, pois a primeira exigiu o exercício da violência e a segunda somente a ameaça dela. Entre 1964 e 1968, um governo considerado bastante radical foi derrubado por um golpe militar, que instaurou a ditadura. Meio século depois, entre 2016 e 2018, outro governo foi derrubado por um golpe parlamentar, que instaurou na presidência de Jair Bolsonaro, admirador da mesma ditadura.
A comparação entre os anos de 1964 e 2016 é plausível e arrojada, com a ressalva de que são contextos completamente distintos, seja no plano internacional (Guerra Fria/Donald Trump nos Estados Unidos), seja no Brasil. Uma expressão que pode complementar a análise de Anderson e que ajuda no entendimento dessas mudanças é o “autoritarismo furtivo”, presente no livro Crises da Democracia de Adam Przeworski. Trata-se de um processo mundial de retrocesso e degradação da democracia para situações autoritárias – exemplo do iliberalismo de Viktor Orbán, da Hungria, e Marine Le Pen, da França, cujos discursos têm muitos pontos em comum com o de Bolsonaro –, de tipo completamente diferente daquele que ocorria antes, nomeadamente no Brasil em 1964. As Forças Armadas tomavam o poder por meio de golpe de Estado. Nos tempos contemporâneos, ao contrário, nota-se uma espécie de incrementação e de forma pouco perceptível e contínua; um processo conduzido pelo Poder Executivo, que se dá sem que se configura uma ruptura constitucional. Ou seja, dentro da lei e dirigido por líderes eleitos democraticamente. É esse movimento que implica para a configuração da obra de Perry Anderson, reflexão mais do que urgente nos dias atuais
Notas
1 Três obras merecem ser citadas. A primeira, de Tom Ginsburg e Aziz Hug, How to Save a Constitutional Democracy, de 2018. A segunda, publicada em 2019, por Adam Przeworski, Crises of Democracy. A terceira obra é também útil para uma análise comparada, de Júlio Ríos-Figueroa, Constitutional Courts as Mediators: Armed Conflict, Civil-Military Relations, and the Rule of Law in Latin America, de 2017.
2 A degradação partidária surge quando um partido, ao enxergar a impossibilidade de vencer as eleições regulares, decide pela ruptura das regras do jogo democrático, repelindo a possibilidade de pleitos em que sejam garantidas quaisquer competições justas.
3 Autores como Noberto Bobbio, Nicola Matteucci, Gianfranco Pasquino, Max Weber, Marilene Chaui, Renato Janine Ribeiro, Angela de Castro Gomes, Ricardo de Sequeira Lugó dedicaram-se ao estudo do tema para compreender os problemas contemporâneos, principalmente no Brasil.
4 Perry Anderson é integrante do Comitê Editorial da New Left Review, NLR, da qual foi fundador e diretor. Linhas de pesquisa e atuação: marxismo (crítico renovado); história intelectual, dentre outras. Ver: https://history.ucla.edu/faculty/perry-anderson. Research: Modern European: Intellectual History.
5 Para Anderson, a Presidência do Brasil é “uma instituição que se afigura fragilizada”, pois a Constituição de 1988 possibilitou poderes maiores ao Congresso, reduzindo participação da União nas receitas públicas.
6 Sabe-se que as decisões do ex-juiz Sérgio Moro foram imparciais, culminando na prisão de Lula. O autor aponta que sem a operação da Lava Jato não haveria a presidência de Bolsonaro. Sérgio Moro tinha a função simbólica de reserva moral do governo, mantendo popularidade mais alta que a do próprio presidente à época. Anderson menciona as revelações do The Intercept, que mostraram interesses político-partidários por trás das ações da Lava Jato, exemplificando com o discurso de Sérgio Moro que buscou proteger Fernando Henrique Cardoso. Também relata, por fim, a reação da opinião pública liberal menos comprometida que fez duras críticas à Lava Jato.
7 É possível acrescentar, a partir das contribuições de Perry Anderson, novas considerações, dado que o historiador forma um juízo preliminar dos seis primeiros meses do governo de Bolsonaro. Em 2018, muitas das projeções frustradas de queda da popularidade de Bolsonaro partiram de diagnósticos equivocados sobre a sua base de apoio e eleitorado. A antropóloga Letícia Cesarino analisa como a reorganização do campo político-identitário no Brasil é impactada pela digitalização da política, ponto central da ascensão do bolsonarismo. No caso do corpo digital, a autora destaca o importante fator de neutralização de efeitos dos ataques sofridos, que foi a capacidade da estrutura comunicativa de reduzir complexidades e traduzir tudo o que estava em volta nos seus próprios termos, com qualquer ressalva crítica se tornando sinal de comunismo e ideologia de gênero. Sobre a bivalência entre reconhecimento (conservador) e redistribuição (neoliberal), a pesquisadora mostra como a aliança entre conservadorismo, nos costumes e liberalismo na economia, foi feita de forma coesa.
Referências
CESARINO, Letícia (2019). Identidade e representação no bolsonarismo. Revista de Antropologia, vol. 62, n. 3, pp. 530-557. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/165232. Acesso em: 20 jun. 2022.
GINSBURG, Tom (2020). Death by a thousand cuts em palestra proferida na Universidade de Chicago. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YsIDv5bJQW4&t=1800s . Acesso em: 25 mai. 2022.
GINSBURG, Tom; HUQ, Aziz (2018). Making Democratic Constitutions That Endure. In: How to Save a Constitutional Democracy. Chicago: University of Chicago Press. p. 164-204.
PRZEWORSKI, Adam (2019). Crises of Democracy. Cambridge: Cambridge University Press.
RÍOS-FIGUEROA, Julio (2017). Constitutional Courts as Mediators: Armed Conflict, Civil-Military Relations, and the Rule of Law in Latin America. New York: Cambridge University Press.
Resenhista
Luiz Gustavo Martins da Silva – Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Ouro Preto. E-mail: luiz.martins@aluno.ufop.edu.br orcid: https://orcid.org/0000-0001-7451-2445
Referências desta Resenha
ANDERSON, Perry. Brasil à parte: 1964-2019. Trad. Alexandre Barbosa de Souza; Bruno Costa; Fernando Pureza; Jayme da Costa Pinto; SatBhagat Rogério Bettoni. São Paulo: Boitempo, 2020. Resenha de: SILVA, Luiz Gustavo Martins da. Brasil: o arco da erosão democrática e parlamentar. Intellèctus. Rio de Janeiro, v.21, n. 2, p.295-303, 2022. Acessar publicação original [DR/JF]
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