Boko Haram: Islamism, politics, security and the state in Nigeria – CHOUIN (H-Unesp)
CHOUIN, Gérard (org.). Boko Haram: Islamism, politics, security and the state in Nigeria. Leiden: Marc-Antoine Pérouse de Montclos, 2014. 275p. Resenha de: WENCZENOVICZ, Tahís J. História [Unesp] v.34 no.1 Franca Jan./June 2015.
Trata-se esta de uma obra que reúne pesquisadores de universidades africanas, europeias e norte-americanas e que tem como escopo refletir sobre a atuação, formação e surgimento do movimento denominado Boko Haram. As investigações levadas a cabo inserem-se numa ação conjunta do Centro de Estudos Africanos e do Instituto Francês de Pesquisa na África e se dividem em duas partes – parte I, composta por 6 artigos, e parte 2, por 5. No total, estão inseridos 16 pesquisadores como colaboradores. A introdução foi escrita por Marc-Antoine Pérouse de Montclos, doutor em Ciência Política, professor no Instituto Francês de Geopolítica da Universidade de Paris e especialista em conflitos armados na África do Sul. O conjunto de autores que integram a obra possui larga experiência em temáticas como: militarismo, terrorismo, violência e religião, insurgência, militância e radicalização. Enquanto formação, há uma variedade na especialidade – como Ciência Política, Filosofia, História, Antropologia – porém tudo converge para a mesma temática na trajetória de pesquisa.
Essa observação faz-se necessária para justificar a extensão da obra – 275 páginas – bem como o ineditismo no uso de fontes e espaços de pesquisa. É necessário registrar que, já no prefácio, o organizador aponta uma das principais objeções encontradas pelos autores: a dificuldade em se aproximar das fontes, considerando-se que parte dos acervos encontram-se sob domínio dos líderes do movimento e esses, em sua maioria, acompanham de forma direta os movimentos bélicos da região. Marc-Antoine Pérouse de Montclos assim complementa:
Escrever sobre Boko Haram é uma tarefa difícil, já que os investigadores têm em alguns momentos o acesso limitado à informação em primeira mão. De fato, os investigadores estrangeiros e nacionais atuam geralmente com a sua segurança não garantida. Recentemente, como o núcleo do conflito migrou de Maiduguri, capital do Borno, para o interior da Nigéria, às margens do Lago Chade e ao longo da fronteira de Camarões, as informações disponíveis sobre o conflito tornaram-se ainda mais escassas.Tais dificuldades contrastam com a demanda urgente do público nigeriano e a comunidade internacional tanto para análises inteligíveis da situação como criar formas concretas e científicas para compreender o conflito (p.7).
Como temática, falar em Boko Haram quase dispensa justificação, devido a seu ineditismo. É uma boa oportunidade para compreender a história e a dinâmica do movimento que tem provocado uma onda de violência na África e com fortes indícios de ligação com o terrorismo mundial. Desde 2003 ocupando as manchetes internacionais, os grupos associados ao extremismo religioso e ao militarismo têm inquietado nações e líderes mundiais, especialmente os ditos “Ocidentais”. Paradoxalmente, é visto e representado na imprensa como um movimento incansável, numeroso, mas que atua de forma clandestina e invisível.
Termos como Al-Qaeda, Jihad e Taliban são usados como sinônimos dos movimentos tidos na África e em diversos países do Oriente e demais regiões, às quais faltam estudos para avaliar cada um desses conflitos dentro de sua especificidade. Esta é a tônica dessa obra: investigar Boko Haram a partir de um viés político, sociológico, religioso e antropológico. No decorrer dos capítulos também se propõe investigar como o islamismo radical desestabilizou o Estado, a sociedade civil, desafiando sua laicidade no decorrer do último século. Em uma sociedade pluralista, a jihad do Boko Haram levanta muitos questionamentos em relação a sharia, liberdade de religião, choque de civilizações e à perspectiva de uma guerra civil com os cristãos. No entanto, todas estas questões como a guerra contra o terrorismo, armamento da população, violência extremada e extermínio de algumas minorias e até conceitos e explicações de termos usados sem a devida historicidade pela imprensa são encontradas e diluídas no decorrer dos 11 artigos que compõem o livro. Após essas observações gerais, passam-se a indicar o objetivo e a temática de cada texto.
O primeiro artigo, intitulado The message and methods of Boko Haram e escrito por Kyari Mohammed, explica o surgimento do Boko Haram como milícia e seu reconhecimento pelos demais grupos organizados na Nigéria e outras regiões da África. Também demonstra sua evolução como célula social e suas relações com as elites econômicas e políticas local.
O Boko Haram surgiu de um pequeno grupo de militantes islâmicos que abertamente desafiando o Estado nigeriano entre dezembro de 2003 e outubro de 2004, adquiriu a simpatia da população e buscou construir sua identidade. Posteriormente, uniram-se com o grupo Mohammed Yusuf, que havia retornado do exílio auto-imposto na Arábia Saudita até 2009, momento a qual o movimento adquiriu uma posição de associação a extrema violência com os inimigos e ostentando boas condições militares. O grupo evoluiu, remodelado em si, e também mudou suas táticas e estratégias em resposta ao Estado de alta-handed […]. Moveu-se a partir dessa fase acompanhado de discursos inflamados para a fase de luta armada e busca de adeptos (p. 9).
O segundo texto, denominado Christian perceptions of Islam and society in relation to Boko Haram and recent events in Jos and northern Nigeria, escrito pelo professor nigeriano Henry Gyang Mang, busca identificar as várias percepções e perspectivas dos Cristãos em relação ao Islã na Nigéria contemporânea, considerando fatores como identidade, geografia e do exercício de possível alteridade entre os grupos. Mang apresenta as quatro pricipais divisões em que o Cristianismo na Nigéria está assentado e traça paralelos com base em questões que envolvem o Islã. Estas divisões apresentaram várias mudanças com base em sua historicidade e as compara com os atuais impasses. E, embora ele se diga conclusivo, ao término do texto desafia o leitor com a seguinte afirmação: Os cristãos têm um único ponto geral, de vista sobre os “corredores sangrentos” do Islã, a violência crescente. Os conflitos entre cristãos e islâmicos criou uma atmosfera em que a retórica pode facilmente deslizar para chamadas de vingança, mesmo quando não há lógica alguma para que ela se efetive.
O terceiro artigo, Boko Haram and its Muslim critics: Observations from Yobe State, elaborado por Johannes Harnischfeger, inicia-se conceituando e justificando a sharia – nome que se dá ao Direito Islâmico. Em várias sociedades islâmicas, ao contrário da maioria das sociedades ocidentais, não há separação entre religião e direito, todas as leis são religiosas e baseadas nas escrituras sagradas ou nas opiniões de líderes religiosos que se transformam em jurisdição. A campanha para transformar o Estado e a sociedade com base na sharia foi iniciada por políticos muçulmanos em 1999, quando o regime militar terminou e o poder deslocou-se para o Sul cristão. Embora a campanha tenha sido principalmente uma questão de política, estendeu-se para a questão religiosa. Homens e mulheres foram recrutados para o processo de islamização do Estado. Nesse artigo também é possível encontrar a formação e relações estabelecidas pelo Boko Haram até meados de 2014, bem como a figuração das mulheres nessa seara de incertezas sociais e violência.
Como já apontado, sabe-se que, oficialmente, o Boko Haram afirma que luta pela sharia, combate a corrupção do governo, a falta de pudor das mulheres, a prostituição e outros vícios. Segundo eles, os culpados por esses males são os cristãos, a cultura ocidental e a tentativa de ensinar algo às mulheres e às meninas. Segundo os líderes do Boko Haram, o sequestro eventual das meninas pelas milícias tem por intenção permitir que elas comecem uma vida nova – como servas.
A sharia virou lei no norte, que tem uma maioria muçulmana. O sul, com a maioria cristã, não aceita a sharia, e dessa posição nasceram os primeiros conflitos. O governo e a capital ficam no sul, mas por causa dos inúmeros conflitos, ameaças e crescimento dos fiéis islâmicos, o número total dos muçulmanos já ultrapassou o dos cristãos, e por isso o Boko Haram exige a sharia para o país inteiro.
Traditional quaranic students (ALMAJIRAI) in Nigeria: fair game for unfions air accusati, escrito por Hannah Hoechner, coteja o quarto artigo e discorre sobre a dificuldade de acesso à educação básica das crianças, adolescentes e jovens na Nigéria e região, o que levaria parte desses cidadãos a, consequentemente, engrossar as fileiras do movimento de islamização. Os alunos que ingressam no ensino formal têm sido debate da comunidade científica nigeriana e também de organismos internacionais, na tentativa de universalizar o ensino primário e permitir uma condição de vida que reforce o princípio da dignidade humana. Por outro lado, muitos pesquisadores também têm discutido como esses jovens têm servido às milícias na condição de potenciais soldados voluntários que se integram rapidamente ao contexto do Boko Haram.
O próximo texto é escrito por Henry Gyang Mang, intitulado Christian perceptions of Islam and society in relation to Boko Haram and recent events in Jos and northern Nigeria. Ele afirma que o conflito religioso na Nigéria tem girado em torno das duas principais matrizes religiosas: o cristianismo e o islamismo. O crescimento de ambas matrizes religiosas enquanto poder temporal tem influenciado as agremiações político-ideológicas. Por outro lado, evidencia-se também o surgimento de dissidências internas que acabam fomentando grupos disponíveis a comporem parcerias entre o poder religioso e político. Esse cenário foi agravado com o surgimento do Boko Haram, um fenômeno que tem adicionado novas perspectivas ao discurso sobre religião e à unidade nacional na Nigéria.
No decorrer do texto, o autor apresenta as várias percepções e perspectivas dos Cristãos em relação ao Islã na Nigéria contemporânea, considerando-se fatores como identidade, geografia e o crescente dinamismo na crença e na doutrina cristã em relação “ao outro”. Ele argumenta que há quatro divisões principais pelas quais evoluiu o Cristianismo na Nigéria, com base em questões que envolvem o Islã, num misto entre disputas e remodelações.
O sexto artigo é escrito por Portia Roelofs e denominado Framing and blaming: Discourse analysis of the Boko Haram uprising. A autora realiza análise de discurso a partir do recorte de reportagens no período de cinco semanas, num exercício de acompanhar os principais movimentos do Boko Haram no processo de islamização do Estado e enfrentamento das questões “ocidentais” mediante dois periódicos. Das reportagens analisadas, Roelofs inclui o discurso do Socio-Economic, que defende o Estado como provedor do desenvolvimento, ao passo que o discurso político da Agência postula o Estado como provedor de ordem. O discurso estrutural religioso enfatiza o Estado de papel secular na contenção expansionista do Islã. Em outra fonte, o periódico Agência Religiosa sugere o Estado como elemento integrador entre o Islã, Estado e demais religiões. Nesse artigo pode-se observar o uso das mídias em prol das disputas religiosas, com destaque ao Boko Haram.
A sétima parte, escrita por Marc-Antoine Pérouse de Montclos Boko Haram and politics: from insurgency to terrorism com base no caso de Boko Haram, ou Jama’atu Ahlis-Sunnah Wal Lidda’awati Jihad, apresenta uma discussão geral sobre a relação entre o Islã e a política na Nigéria. Ao contrário do Hamas na Palestina, Hezbollah no Líbano ou os Irmãos Muçulmanos no Egito, o Boko Haram não é classificado nem como um partido político nem como uma rede de caridade. Segundo Montclos, torna-se político porque ele contesta valores ocidentais, desafia a laicidade do Estado nigeriano, e revela a corrupção de uma “democrazy” que depende de uma elite dominante – classe política – a qual desmoraliza a ação dos homens de bem.
Acrescenta também que o grupo terrorista tem como objetivo acabar com a democracia na Nigéria, concretizar o processo de islamização e promover a educação exclusivamente em escolas islâmicas. Observa-se que essas metas são efetivadas aos poucos se levarmos em conta que, no dia 25 de dezembro de 2011, cerca de cinco ataques a bomba em várias cidades da Nigéria causaram pelo menos 40 civis mortos e um policial ferido. O primeiro ataque aconteceu nos arredores da capital Abuja, o segundo, na cidade de Jos, no centro do país, o terceiro, na cidade de Gadaka, no nordeste, e os outros dois na cidade de Damaturu, no norte. Os alvos foram igrejas católicas durante a celebração da Missa do Galo após a Véspera de Natal.
A segunda parte, composta de 5 artigos e que tem como título Boko Haram and the nigerian state: a strategic analysis, inicia-se com o texto de Marc-Antoine Pérouse de Montclos, momento em que o autor busca a genealogia e a nomenclatura de Boko Haram, sua formação histórica e discute elementos de categorização e enquadramento desse nas funções religiosas e políticas.
A partir de fontes jornalísticas e acompanhamento de boletins do movimento e das guerrilhas, o autor pergunta: por que a Nigéria nunca teve um partido político religioso, seja islâmico ou cristão? O autor também compara outros Estados que possuem ou negaram essa composição, como Abuja, Sudão, dentre outros.
O próximo artigo, chamado Boko Haram and the evolving Salafi Jihadist threat in Nigeria, editado pelo autor Freedom Onuoha, apresenta a evolução em número e força do Boko Haram paralelizando as ações tomadas pelo Estado nigeriano e demais organizações para conter a violência das milícias junto à sociedade civil. Segundo o autor, ao longo dos últimos três anos o Boko Haram tem ganhado espaço também na mídia nacional e internacional por marcar suas ações com elevado grau de violência. Onuoha afirma que a causa central desta violência em expansão é a corrupção, a pobreza extrema e a falta de perspectivas de uma grande maioria da população nigeriana. Os extremistas têm poucas dificuldades de recrutar apoiantes, por exemplo, eles podem ser encontrados entre as multidões de jovens desempregados. Também afirma que o Boko Haram tem apoiantes em todas as camadas da sociedade nigeriana, incluindo-se os antigos ditadores, salafitas ricos e membros ativos em cargos elevados do Governo.
Para reduzir sua capacidade operacional, o governo nigeriano adotou várias medidas de contrainsurgência. Apesar dos esforços do governo, o grupo continuou a operar ataques no norte da Nigéria com o intuito de ingressar na região sul e ampliar seu prestígio e reconhecimento, bem como atingir seu objetivo central: criar um estado islâmico com base no modelo dos Talibãs Afegãos. A estratégia seria “libertar” o norte da Nigéria dos cristãos e depois, o resto do país. O terror tem como alvo não apenas os cristãos, mas também os muçulmanos moderados e seu clero. Outros alvos incluem políticos que defendem a paz e a reconciliação, professores, jornalistas, agentes da polícia e membros do exército.
Na sequência, o texto By the numbers:the Nigerian State’s efforts to counter Boko Haram, escrito por Rafael Serrano e Zacharias Pieri, examina a interação entre a insurgência e contrainsurgência no nordeste da Nigéria. Analisa também a eficácia das políticas públicas de segurança na tentativa de frear a insegurança da população e de dissipar a violência causada por atos extremistas do Boko Haram. Os pesquisadores analisam com bases estatísticas se as ações desenvolvidas pelo estado inibem ou corroboram a violência, tendo por base as diversas campanhas desenvolvidas pelo poder público no enfrentamento à violência extremada.
Para fazer isso, utilizam-se de dados compilados pelos órgãos oficiais e de organismos internacionais que comparam a quantidade de campanhas desenvolvidas pelo governo nigeriano, mortes de militares e civis, investimento em armamento e a viabilidade de manter ou não as ações coordenadas com verbas públicas.
O último texto, redigido por Gérard Chouin, Manuel Reinert e Elodie Apard, intitula-se Body count and religion in the Boko Haram crisis: Evidence from the Nigeria Watch database e propõe analisar a identidade “civil e religiosa” das vítimas do Boko Haram. Muitos foram os ataques repentinos, às vezes não planejados, mas regados de muita violência. Somente em 2014, 340 soldados foram abatidos nas ruas. O Governo afirma não saber o que fazer ou tem medo de enfrentar as figuras influentes que atuam nos bastidores, porém o tamanho das ações militares e atentados supera o passado. Após 2012, o Boko Haram opera com caminhões e carros blindados, cercando vilas cristãs que ainda existem no norte da Nigéria, e mata a população inteira. As mulheres têm sido alvo frequente dos extremistas.
Vários ataques foram feitos a escolas onde estudam meninas, pelo simples motivo de os islamistas serem contrários a qualquer grau de instrução ser oferecido a elas. Muitas dessas foram capturadas e levadas para serem violentadas pelos guerrilheiros (estupro e atentado ao pudor). Também há casos em que são presas pelos milicianos e liberadas para toda a população muçulmana estuprá-las.1 Nesse cenário, o Boko Haram aumenta sua popularidade e visibilidade. O ataque mais comentado aconteceu no dia 15 de abril de 2014 em Chibok, no Estado de Borno, onde a população foi morta ou fugiu, e mais de 200 meninas entre 7 e 15 anos, alunas de uma escola, foram capturadas e levadas pela milícia. No início, as fontes falaram em 100 meninas, mas dois órgãos da imprensa oficial da Nigéria apontaram o total de 234 vítimas, que foram levadas em grupos pequenos a vários locais e, a partir da apreensão seguida de sequestro, não mais retornaram à vida coletiva.
Á guisa de conclusão, com base no exposto tem-se uma noção consistente e ampla acerca da temática, e, sem dúvidas, há profícuas razões para lê-la.
1 As meninas geralmente são estupradas com base na aya 33.50 do alcorão até aceitarem virar muçulmanas e casarem com um dos seus torturadores. As que se recusam ao casamento, após algumas semanas são liberadas, mas antes de saírem da casa é costume lixar o mamilo direito da vítima na soleira da porta até ele desaparecer. Às vezes também partes da genitália ou mamas são cortadas.
Thaís Janaina Wenczenovicz – Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, Contato: t.wencze@terra.com.br.