Bakhtin and Theatre: Dialogues with Stanislavsky, Meyerhold and Grotowski – MCCAW (B-RED)
MCCAW, Dick. Bakhtin and Theatre: Dialogues with Stanislavsky, Meyerhold and Grotowski [Bakhtin e o teatro: diálogos com Stanislavsky, Meyerhold and Grotowski]. Abingdon: Routledge, 2015. 264p. Resenha de GONÇALVES, Jean Carlos. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.11 n.3 São Paulo Sept./Dec. 2016.
Bakhtin and Theatre: Dialogues with Stanislavsky, Meyerhold and Grotowski foi escrito por Dick McCaw, professor de Drama e Teatro no Departamento de Drama e Teatro – Práticas de Performance da Royal Holloway, University of London, tendo sido publicado em 2015 em língua inglesa, e ainda sem tradução para o Português.
Fruto de uma iniciativa inédita, a obra examina as conexões entre o pensamento do autor russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) e a produção teatral de diretores e pesquisadores teatrais contemporâneos de Bakhtin: Konstantin Stanislavsky (1863-1938), Vsevelod Meyerhold (1879-1940) e Jerzy Grotowski (1933-1999).
Esse estudo, extremamente pertinente e relevante, não só para aqueles que pesquisam e/ou se interessam pelos estudos teatrais, mas para todos que buscam conhecer e aprofundar seus conhecimentos sobre a obra de Bakhtin, oferece muito mais que um apanhado de referências sobre a aproximação do filósofo russo com a produção teatral de sua época. Trata-se da apresentação de um detalhado esboço sobre as relações entre técnicas, conteúdo e forma (estética) do teatro à luz dos estudos da filosofia da linguagem, elaborados por Bakhtin e o Círculo.
De um encontro quase acidental, durante um processo de pesquisa para uma peça dos Medieval Players (1981-1992), companhia teatral de que McCaw fazia parte, se estabelece entre o pesquisador e os estudos bakhtinianos uma profícua e duradoura relação que deu origem à sua tese de doutorado e posteriormente ao presente livro.
Bakhtin and Theatre discute a produção de três diretores/pedagogos que estavam constantemente questionando a si mesmos e uns aos outros sobre a natureza do teatro e do trabalho do ator. Embora Bakhtin mencione Stanislavsky e arrisque alguns apontamentos sobre a interpretação teatral em sua obra, seus livros não fazem qualquer referência a Meyerhold ou Jerzy Grotowski. Por sua vez, os escritos dos três profissionais de teatro examinados neste estudo não apresentam menção à teoria bakhtiniana.
A maior parte do argumento de Bakhtin and Theatre é traçada a partir de preocupações levantadas na produção intelectual inicial de Bakhtin, especialmente no que se refere aos textos Para uma filosofia do ato responsável (Tradução aos cuidados de Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro e João Editores, 2010) e O autor e o herói na atividade estética (in: Estética da criaçã o verbal. 4. ed. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p.3-192), escritos entre 1920 e 1924. McCaw defende que esses textos, quando compreendidos como uma “filosofia por outros meios” podem subsidiar e ampliar questões sobre a personagem e a empatia, reverberando na aprendizagem e no desenvolvimento do ator.
McCaw questiona, por exemplo, se a noção de evento de Bakhtin pode ter alguma conexão com o conceito de circunstâncias dadas de Stanislavsky. Conceito este que se interessa, entre outros aspectos, pela criação da personagem teatral em uma dimensão expandida, ao considerar sua exterioridade como constitutiva da composição cênica (incluindo aí desde marcas discursivo-enunciativas de identidade como idade, classe social e gênero até perspectivas de ordem mais técnica como figurino, maquiagem e espaço cenográfico).
No que diz respeito à iniciativa de McCaw de investigar possíveis aproximações com um campo de estudos que não foi amplamente tratado na produção intelectual bakhtinana, é bom destacar o reconhecimento da obra por Caryl Emerson (Princeton University/EUA), que a aponta como um livro de referência que insere Bakhtin nas artes do espetáculo ao demonstrar como seu pensamento pode ser vivo e criativo quando o lugar privilegiado de reflexão é o teatro1.
O livro é dividido em seis capítulos, sendo que o primeiro fornece uma visão do pensamento de Bakhtin; os três capítulos seguintes examinam questões teatrais que surgem a partir de um diálogo entre os primeiros escritos de Bakhtin e Stanislavsky; os dois últimos capítulos exploram a forma como estas questões são desenvolvidas, reformuladas e respondidas por Meyerhold e Grotowski.
Depois de considerar como inegável a aproximação entre Bakhtin e os estudos da cena, cada ensaio traça a evolução cronológica do seu pensamento, destacando os principais conceitos associados a cada período de escrita. A primeira parte é visivelmente dedicada à discussão de seus primeiros manuscritos, que fornecem grande parte do material conceitual que embasa teoricamente todas as reflexões presentes ao longo do livro.
O primeiro capítulo – Bakhtin e o teatro – apresenta as obras pelas quais Bakhtin é mais conhecido, destacando-se aí o seu estudo sobre Dostoiévski. Também se constituem como alvo de reflexão algumas noções que percorrem a trajetória bakhtiniana, por meio de uma visita, breve, porém pontual, aos textos O discurso no romance (in: Questões de literatura e de estética – A teoria do romance. Trad. Aurora F. Bernardini et al. São Paulo: HUCITE/UNESP, 1993, p.71-210), escrito em 1934-35, Formas de tempo e de cronotopo no romance (in: Questões de literatura e de estética – A teoria do romance. Trad. Aurora F. Bernardini et al. São Paulo: HUCITEC/UNESP, 1993, p.211-362), de 1937-38 e revisto pelo autor em 1973, e A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: O contexto de François Rabelais (Trad. Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec; Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1987), sua tese de doutorado, de 1940, publicada em 1965.
No segundo capítulo – Tempo e espaço no romance e no teatro – McCaw se debruça sobre a questão da ação na relação com o espaço, mais especificamente ao se perguntar como uma ação pode ser experimentada pela pessoa que a executa. É na centralidade da filosofia do ato, como discutida por Bakhtin, que o texto se encaminha para discussões sobre o tempo, o espaço e a significação nos universos bakhtiniano e stanislavskyano.
O Capítulo 3 – Atuação psicofísica – examina como a abordagem de Stanislavsky para a formação do ator pode se ampliar a partir das ideias de Bakhtin sobre a ação incorporada, ou seja, como a relação entre mente e corpo na experiência do sujeito no mundo (vida cotidiana) interessa, para além de uma análise de cunho mais literário, ao campo de estudo das artes do corpo e da performance.
O quarto capítulo – Criando uma personagem – traz o tema da autoria em Bakhtin e sua contribuição para a investigação da interpretação do ator. Por meio de uma abordagem situada na reflexão bakhtiniana sobre eu e o outro, o texto estabelece relações com a noção de irrepetibilidade, aferindo alguns questionamentos a respeito do espetáculo teatral como evento único e singular, o que lhe confere o status de arte efêmera e, ao mesmo tempo, (re)apresentada por noites seguidas para diferentes públicos e em diferentes espaços, resultando em diversas possibilidades de produção, circulação e recepção de sentidos, tanto na/da própria obra cênica e seu acabamento sempre provisório, quanto nos/dos inúmeros aspectos subjetivos que interferem na atuação e na apreciação cênicas.
No quinto capítulo – Meyerhold, a Revolution in the Stage – o autor aborda questões sobre como a ação do outro pode ser vivida por mim e como nós (eu e o outro) podemos lidar com o valor estético da ação. O autor afirma que uma possível conexão entre Bakhtin e Meyerhold vem da referência de ambos à Commedia dell’Arte. Foi a Commedia dell’Arte que levou Meyerhold a ultrapassar a fase de suas produções simbolistas de ordem mais estáticas, e foi o mesmo referencial de imagens populares que levou Bakhtin a um discurso filosófico denso e significativo sobre a obra de Rabelais.
No capítulo 6 – Grotowski, Beyond Theater – McCaw referencia a forte influência do trabalho de Stanislavsky e Meyerhold, sugerindo que, se Grotowski começou entusiasmado pelo Teatro Total de Meyerhold, ele terminou com um Teatro do Ato Total – O seu Teatro Pobre (expressão utilizada para ressaltar a importância de uma concepção de encenação desvinculada de recursos cênicos, compreendidos por Grotowski como acessórios desnecessários ao fazer teatral). A leitura desse capítulo coloca o leitor em contato com a exigência de Grotowski por um evento de significação, que ocorre em tempo e lugar reais, mesmo que protegido pela aura da ficção e para o qual não há álibi, ou seja, está dada a aproximação com a perspectiva de Bakhtin, para quem o sujeito, ao agir, está imerso em um ato responsivo do qual não pode se esquivar.
Nas conclusões do livro, o autor defende seu objetivo de mostrar que as questões sobre a atuação, e mais amplamente sobre teatro, tocam em temas e processos que são fundamentais para a nossa compreensão de nós mesmos e das outras pessoas. Bakhtin oferece duas explicações de tempo e espaço: a primeira é uma descrição fenomenológica da experiência de ser como corporificação, isto é, só é possível ser no tempo e no espaço. Mais tarde ele iria elaborar uma teoria dos gêneros ou formas de tempo e espaço em materialidades diversas. McCaw argumenta que a primeira é, particularmente, útil e aplicável à arte do ator, enquanto a segunda tem relação direta e uma contribuição inquestionável para as teorias teatrais e suas especificidades.
Para concluir, Dick McCaw afirma que as ideias de Bakhtin sobre o tempo e o espaço interessam às artes da cena porque obrigam um estudante de teatro a perceber as diferentes formas de vida, criação e compreensão do sentido de se fazer teatro, que não é o mesmo de se dedicar à escrita ou à crítica do romance. O autor adverte ainda que, mesmo encontrando na obra bakhtiniana alguns poucos apontamentos sobre atuação, estilos teatrais e arquitetura cênica, a produtividade de aplicação das teorias de Bakhtin diretamente ao campo das práticas teatrais precisa ser cautelosa, especialmente no que se refere à ética e à estética da personagem, ou seja, nem toda acepção de personagem em Bakhtin pode ser perfeitamente direcionada à esfera da criação cênica, com suas minudências e características próprias.
A relevância da obra Bakhtin and Theatre – Dialogues with Stanislávsky, Meyerhold and Grotowski destaca-se no cenário da pesquisa em teatro e linguagem, sobretudo, pelo estilo didático e aprofundado que seu autor escolhe para fazer imersões pontuais e certeiras nos temas abordados ao longo do livro. Na difícil tarefa de se comunicar com leitores e pesquisadores de Bakhtin e do teatro, o livro é de caráter ímpar e instigante, por proporcionar um olhar refinado e sofisticado para obra e vida de três ícones do teatro do século XX. Desse modo, as inovações de Stanislávsky, Meyerhold e Grotowski sobre as formas de fazer/praticar/pensar/teorizar/treinar/vivenciar o teatro na contemporaneidade, a partir de suas pesquisas e experimentos, ganham, na relação com a perspectiva bakhtiniana, pelas mãos de Dick McCaw, outro approach que certamente enriquecerá os referenciais bibliográficos de todo pesquisador que pretenda espiar e descobrir o teatro por um enfoque dialógico.
1A esse respeito, cf. EMERSON, C. Bakhtin and the Actor (with constant reference to Shakespeare) https://www.academia.edu/21884973/Bakhtin_and_the_actor_with_constant_reference_to_Shakespeare
Jean Carlos Gonçalves – Universidade Federal do Paraná – UFPR; Curitiba, Paraná, Brasil; PUC-SP/CNPq; jeancarllos@ufpr.br
Marcelo Cabarrão Santos – Secretaria de Estado da Educação – SEED; Curitiba, Paraná, Brasil; celocabarrao@gmail.com.