Com o convidativo título de Aventuras da Távola Redonda: estórias medievais do Rei Artur e seus cavaleiros, mais uma vez, Antonio Furtado apresenta ao público brasileiro outra tradução [1] das narrativas da “Matéria da Bretanha”. As estórias do Rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda que, nos séculos XII e XIII encantaram tanto a nobreza, pois naquelas narrativas estavam presentes os ideais mais elevados e os modos e maneiras que esta mesma nobreza vivenciava e, também enchia os ouvidos e o imaginário dos menos abastados que, talvez, almejassem serem súditos de um rei justo como Artur e protegidos por cavaleiros como Lancelot e Gawaine.
Essas “aventuras” empreendidas tanto próprio Artur como pelos seus cavaleiros estão impregnadas pelo maravilhoso que, não são estranhos às personagens, pois fazem parte do cotidiano, como nos explica Todorov no livro As Estruturas Narrativas, os elementos sobrenaturais não provocam qualquer reação particular nem nas personagens nem no leitor implícito” (TODOROV, 1979: 160). Muitas personagens das narrativas são conduzidas para situações onde se deparam com seres sobrenaturais, como gigantes, tema da primeira “aventura”, onde o próprio rei Artur enfrenta um gigante monstruosos na narrativa “O gigante do Monte Saint Michel”:
– Irei à frente, disse Artur, para combater o gigante. Vireis atrás de mim, e atentai para que nenhum de vós interfira enquanto eu mesmo puder valer, já que de outra ajuda não necessito. Pareceria covardia vir outro, além de mim, a combatê-lo. Socorrei-me, porém se perceberdes minha necessidade. (FURTADO, 2003: 70).
Artur parte sozinho para enfrentar o gigante e deixa claro os seus companheiros, que devem socorrê-lo só em caso de necessidade. Vemos aqui a representação do rei que está sempre à frente dos seus nas batalhas e faz questão de que a lei seja também aplicada a ele, como nos mostra John Boorman no seu filme Excalibur, de 1980, na cena em que a rainha Guinevere é acusada de adultério por um cavaleiro e implora ao seu marido e rei para que não seja julgada, mas Artur, responde que a lei deve ser aplicada também ao rei, caso isso não ocorra, não há justiça. Artur deve marchar à frente de seus cavaleiros na caça das aventuras.
Em “O juramento ambíguo de Isolda”, Artur e mais alguns cavaleiros, como seu sobrinho Gawaine (que nos apresentado como Galvão), “o mais cortês de todos os homens”, são chamados para julgarem Isolda esposa do rei Marcos, Duque da Cornualha e tio de Tristão, que foi acusada de adultério por três barões da Corte da Cornualha.
O rei Artur é convocado por Isolda por ser conhecido como o mais justo e nobre dos reis e por repudiar todo e qualquer ato de vilania. E, como Artur e seus cavaleiros representam os ideais da cortesia e da honra, vemos nas palavras de Galvão todo o asco que o ato dos barões contra Isolda lhe causa:
– Tio, se tenho permissão, a justificação que está combinada terminará mal para os três felões. O mais dissimulado é Ganelon: conheço-o bem e ele a mim. Já o derrubei em um lamaçal, durante uma justa forte e encarniçada. Se pego de novo, por São Richier, Tristão não precisará mais vir. Se puder agarrá-lo com as mãos, farei nele bastante estrago e o enforcarei no alto de um morro. (FURTADO, 2003: 160).
Os cavaleiros não hesitam em atender o apelo de uma donzela ou mesmo de uma rainha que esteja em perigo, pois são estas as oportunidades que esses homens de armas e de cortesia têm para fazerem valer seu juramento de defenderem as mulheres e os mais fracos, partirem em busca de aventuras e, talvez, conseguirem o amor da mulher que necessita de socorro.
As narrativas que têm como personagem principal Artur ou outro cavaleiro, fluem de maneira a cativar o leitor, com se este estivesse envolvido pela voz dos trovadores que, habilmente “encantavam” os homens e mulheres dos séculos XII e XIII quando apresentavam as aventuras e, mais ainda, os ideais que essas aventuras e as personagens representavam.
A leitura de Aventuras proporciona o resgate da ambientação, das falas das personagens e, principalmente, das suas atitudes, sejam elas de indignação perante a injustiça – como a de Galvão – ou de bravura e até de desolamento. As personagens arturianas estão vivas e, nas páginas do livro de Furtado é possível “viajar” ao lado de Galvão, Lancelot e Percival; seja na busca do Santo Graal ou no salvamento de uma donzela.
A tradução primorosa do francês antigo onde o estilo, a linguagem e o conteúdo mantiveram-se fiéis aos originais como o próprio autor afirma na Introdução da obra é um convite a mais – tanto aos estudiosos e pesquisadores da Idade Média, como aos leitores em geral – para que se descubra o mundo arturiano e da Matéria da Bretanha.
Aventurar-se pelas páginas dessa obra é como um mergulho no universo mágico do mito arturiano e um eterno encantar-se com as estórias do “rei que não morreu, apenas dorme e, em breve, retornará…”
Nota
1. Em 2001 foi publicada pela Editora Vozes a tradução dos Lais de Maria de França. Tradução de Antonio Furtado e prefácio de Marina Colassanti.
Luciana de Campos – Doutoranda em Letras UNESP/São José do Rio Preto. E-mail: fadacelta@yahoo.com.br
FURTADO, Antonio L. (Organização e tradução). Aventuras da Távola Redonda: estórias medievais do Rei Artur e seus cavaleiros. Prefácio de Gilberto Mendonça Teles. Petrópolis- Rio de Janeiro: Vozes, 2003. Resenha de: CAMPOS, Luciana de. Cavaleiros da Aventura. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.3, n.2, p. 62-63, 2003. Acessar publicação original [DR]
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