Annelise Freisenbruch possui formação em antiguidade clássica pela Universidade de Cambridge, como docente e pesquisadora, trabalhou com a produção de uma série de livros e filmes populares sobre o mundo antigo. O que talvez explique parte da sua narrativa objetiva, em que destaca inúmeras obras literárias contemporâneas, como também filmes e séries de grande sucesso no século XX, especialmente no Reino Unido.
Freisenbruch escreve de forma clara e agradável, o que traz uma sensação de tranquilidade para o tema um tanto complexo e cheio de homônimos, tanto masculinos como femininos (algo frequente no mundo antigo).
Assim, para auxiliar tal discussão, a presente obra traz diversas árvores genealógicas, as separando conforme sua dinastia. O que auxilia o leitor a se encontrar em meio a tantos nomes. Também nesse sentido, observamos que obra apresenta um mapa do Império Romano e diversas imagens sobre o tema tratado, seja as séries em destaque como também as pinturas e bustos de algumas mulheres da sociedade romana.
Com uma relação de fontes invejável a qualquer pesquisador da área, a autora demonstra certo domínio e conhecimento sobre suas referências, porém, às vezes trabalha de forma superficial, apenas descrevendo certos eventos ou situações. Assim, podemos observar poucos momentos de crítica e problematização, menos ainda de análise e discussão sobre conceitos. A própria categoria de Gênero é relegada às reflexões do leitor.
Cumpre salientar, que a presente edição foi publicada no Brasil em 2014, traduzida originalmente de uma obra inglesa de mesmo nome publicada em 20101 . Embora não tenhamos dados oficiais para demonstrar, reconhecemos que a obra teve um grande impacto internacionalmente, o que pode explicar a sua tradução e publicação na língua vernácula portuguesa. E o que mais nos surpreende é o fato de que, “As Primeiras-Damas de Roma” é o primeiro livro da autora a ser publicado.
A partir disso indagamos: qual o papel das primeiras-damas na história imperial romana? As poucas imagens remanescentes da época retratam uma posição de hostilidade e ao mesmo tempo uma atitude política, o que pode e deverá servir de pano de fundo para o presente estudo. Partindo do Museu de Arqueologia Clássica da Universidade de Cambridge para o Império Romano, a autora desenvolve sua introdução resgatando toda uma carga de repressão, orgulho e poder.
O destaque sempre presente a mulheres de importância em governos trazem um panorama (às vezes ilusório) de igualdade de sexos por séculos. No entanto, reconhecemos que tal discussão está atrelada primordialmente a bibliografia do século XX e XXI. A partir daí, observamos uma importante historiografia que traz a mulher como destaque na história.
Embora a autora trate muito bem do tema (as primeiras-damas na história romana), percebemos que ela pouco discute e não problematiza aspectos importantes para a época, como o papel das esposas, filhas e mães na sociedade romana. A autora se atenta primordialmente ao papel político dessas, mesmo que de forma velada e encoberta.
Assim, diferentemente do que o título possa sugerir a autora não traz à discussão a categoria de Gênero. Mas enfatiza indiretamente os conceitos de poder feminino e de política imperial romana ao longo de toda a obra.
A própria escrita e narrativa merecem destaque, uma vez que em uma leitura apurada, observamos que a tradução brasileira é bem clara. Consegue nos informar de forma simples todos os acontecimentos descritos pela autora. Dessa forma, acreditamos que o livro possa ser considerado como uma obra de divulgação. Não necessitando de uma formação acadêmica para sua compreensão, reflexão e debate.
Além disso, o tema mostra-se bastante atrativo, principalmente em meio as discussões atuais sobre a atuação das primeiras-damas no mundo contemporâneo. Discussão, inclusive, que a autora realiza destacando o papel das esposas de presidentes norte-americanos no século XX.
Durante a leitura percebemos a utilização de inúmeras obras e fontes, baseando-se nas produções, principalmente, de filólogos, literatos e historiadores. O que cria um arcabouço teórico amplo para discutir o referido tema e suas análises.
Composto de introdução e nove capítulos, a autora enfoca cada dinastia dos Imperadores e a relação com suas mulheres ou amantes. Destaca-se aqui, que muitas primeiras-damas, mesmo as não oficiais, possuíam certa notoriedade na sociedade da época, criando uma relação intrínseca com o governo imperial.
A título de exemplo, destacaremos o capítulo cinco e enfatizaremos o papel das três mulheres da dinastia flaviana; Caenis, Berenice e Domícia Longina. Embora as duas primeiras não sejam primeiras-damas oficiais, suas relações merecem destaque, uma vez que são importantes para o desenvolvimento da discussão aqui proposta.
Vespasiano e Tito, até o momento, eram apenas generais e comandantes da guerra dos judeus contra os romanos. Com a morte do Imperador Nero (68 d.C.) e a posterior sucessão por Vespasiano. Tanto o pai, agora já viúvo e o filho, mudam suas posições ao tentar criar uma imagem longe de vícios, corrupção ou erraticidade.
Porém, mesmo já viúvo de Flávia Domicília, Vespasiano retoma uma antiga relação com Antonia Caenis (liberta que trabalhava para a mãe do Imperador Cláudio), e que ocupa o lugar de primeira-dama como amante. A autora ainda destaca que os relatos indicam que Caenis torna-se uma imperatriz de fato, menos de título. A antiga escrava era uma mulher fora do círculo da família imperial, mas conquistou grande prestígio e fortuna, juntamente com a influência exercida ao Imperador, o que causava inúmeras críticas, tendo em vista que os Imperadores eram vistos como governantes de saias.
Tito e Berenice, de início, já se mostra uma relação complexa, uma vez que a lembrança de Cleópatra ainda era muito presente. Berenice era membro da família real judaica, ou seja, uma estrangeira, o que já impossibilitava a efetivação de uma união oficial.
Segundo a autora, Tito, ainda vice-comandante da campanha na Judeia, provavelmente teria a conhecido em meio aos combates (67-69 d.C.), especialmente quando Agripa II, irmão de Berenice, o convida para conhecer seu palácio durante o verão.
Sendo uma mulher de destaque no cenário público do mediterrâneo, Berenice é uma personagem importante durante a revolta judaica em Jerusalém, não apenas por ser da família real, mas tendo em vista sua atuação em meio aos conflitos, o que dá margem para inúmeras obras literárias, enfatizando a revolta, como também a complicada relação com Tito.
A terceira mulher e única primeira-dama oficial da dinastia flaviana, Domícia Longina, é vista com muita atenção mesmo antes do segundo filho de Vespasiano chegar ao poder. Com a morte do pai e do irmão Tito, Domiciano o sucede juntamente com sua esposa. A partir dos relatos trazidos pela autora, percebemos que a relação dos dois nunca foi tranquila; adultério, perdão e reconciliação demonstram um interesse no papel da primeira-dama, uma vez que multidões exigiram o retorno da antiga imperatriz após seu exílio, causado por uma suposta traição.
Curioso destacar que diferentemente do marido, Domícia não recebeu a damnatio memoriae (remoção da lembrança), conseguindo assim uma reputação independente do marido assassinado e que não era bem quisto.
A partir do exposto, observamos que as mulheres tiveram uma importante contribuição na atuação política de seus esposos ou amantes. Tanto na relação política com a família real judaica, como também na impossibilidade de união entre libertos e equestres, podemos chegar à conclusão de que tal momento mostra-se de intensa revisão, tendo em vista que a partir daí, as consortes passam a surgir de um círculo diferente das anteriores. Dessa forma, ser membro da elite não é mais uma exclusividade de uma família (Júlio-claudiana).
Por fim, cumpre destacar que em mundo masculino por excelência, poucas mulheres se sobressaíam, muitas vezes a contragosto de seus maridos, filhos ou enteados. O papel das mulheres era posto como algo secundário, assim, poucas tiveram notoriedade oficial (resquícios de obras e monumentos). As que possuíam certo destaque eram presas aos seus pais ou maridos, o que nem sempre permitia certa liberdade no mundo romano.
Assim, seja como modelo de conduta (mães, esposas ou filhas), as primeiras-damas do império romano representam um ponto de partida para o estudo sobre antiguidade clássica. Mesmo que sejam escassas as fontes documentais para corroborar com a visão de biógrafos ou artistas (retratos e bustos), observamos que tais mulheres merecem destaque. Não só pelo seu papel de esposa ou amante, mas principalmente pela contribuição, ou não, desenvolvida durante a dinastia correspondente.
De forma interessante e promissora, a autora desenvolve um trabalho de destaque e inovador. Com críticas necessárias, observamos que a obra é apenas uma introdução ao tema, mesmo que de forma generalizada, podemos observar e entender o papel dessas mulheres que foram primordiais para a construção da história durante o Império Romano.
Nota
1 FREISENBRUCH, Annelise. First Ladies of Rome: The Women Behind the Caesars. London: Vintage, 2010.
Resenhista
Bruno Pegorari – Mestrando em História pela Universidade Federal de Goiás Bolsista CNPQ. E-mail: brunopegorari1@hotmail.com
Referências desta Resenha
FREISENBRUCH, Annelise. As Primeiras-Damas de Roma: as mulheres por trás dos Césares. Rio de Janeiro: Editora Record, 2014. Resenha de: PEGORARI, Bruno. As Primeiras-damas de Roma: uma análise introdutória. Outras Fronteiras. Cuiabá, v. 2, n. 1, p. 169- 173, jan./ago.2015. Acessar publicação original [DR]
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