As diversas faces da pobreza: histórias dos pobres na longa duração | Revista Latino-Americana de História | 2020

A pobreza, enquanto mote de pesquisa, há algum tempo despertou interesse de um público amplo das ciências humanas, dentre eles claro, historiadores e historiadoras. O pioneiro estudo de Stuart Woolf já encarava a pobreza como um tema global, visto que eram os mecanismos que controlavam ou assistiam as camadas pobres da população que variavam conforme o contexto e o local de análise. Desde fins da Idade Média até a consolidação dos Estados modernos, pobres se relacionavam às instituições que promoviam a assistência e a prática cristã da caridade ou, posteriormente, a filantropia governativa. Neste sentido, controlar este setor da população significava controlar a ordem pública, visto que eram essas lógicas que estavam por traz de muitas dessas instituições ou políticas estatais.

Uma das questões centrais em torno da pobreza vieram em mudanças recentes e alteraram as perspectivas em relação à temática, pesquisas em âmbito da história social deixaram de relacionar esse grupo como uma massa amorfa diluída, pura e simplesmente, num contexto de marginalidade. Atualmente, pesquisas têm tratado a esses ou essas como atores ou atoras sociais, que pertencem a um grupo, família, com nome e atribuições, ou seja, que interagem com o sistema social ao qual pertencem através de práticas e estratégias de sobrevivência.

Por essa ótica, o presente dossiê pretendeu reunir estudos que abordam esses sujeitos da história em diferentes tempos e espaços, e como se articularam em seus contextos específicos. Sendo assim, mais do que caracterizar o pobre, trata-se de identificá-lo enquanto ator social que interage e mobiliza recursos para sua sobrevivência, de seu lar ou comunidade. Por esse caminho, as investigações aqui apresentadas envolveram problemáticas em torno dos mundos do trabalho, das ações de assistência e da caracterização da pobreza como tal em distintos contextos e marcos temporais que se estendem do século XVII ao início do século XX.

O artigo “A Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre: saúde e assistência para os policiais pobres no final do Século XIX” discute sobre como a Misericórdia de Porto Alegre prestou assistência aos policiais e militares através da análise do Livro de Matrícula Geral dos Enfermos, importante fonte para os estudos da saúde e da doença que permite a identificação do perfil dos assistidos. Em suas conclusões, Giane Caroline Flores percebe através da população de policiais atendidos que sua condição de enfermo se relacionava a sua condição social.

Ainda sobre instituições assistenciais, o trabalho de Lívia Freitas Pinto Silva Soares, “Pobres desvalidos protegidos: uma análise acerca do perfil dos grupos assistidos na Casa de São José (1890-1907)”, procura traçar um perfil dos meninos desvalidos que tiveram acesso a instituição alvorecer da República em São José no Rio de Janeiro. A instituição oferecia uma série de recursos a essas crianças como abrigo, vestuário, instrução e assistência médica. Entretanto, como a autora mostra através das fontes investigadas, apesar da boa vontade do Estado liberal em linhas teóricas, na prática o caminho mais curto para ter acesso a matrícula dessas crianças desvalidas na Casa de São José era através de trocas de favores entre os adultos ou ser protegido de membros da elite carioca.

A condição de assistido, seja por hospitais, como no caso anterior, ou por instituições públicas governamentais, relacionada a condição social também está presente no trabalho de Kalinka de Oliveira Schmitz, “A proteção aos nacionais e a orientação para a fixação na terra durante a Primeira República”. Esse estudo apresenta um olhar sobre as condições da pobreza rural, através da investigação sobre os colonos, indígenas e caboclos do norte do Rio Grande do Sul nas décadas iniciais do século XX, e as relações estabelecidas entre esses grupos e os embates em torno da posse da terra.

Outro estudo que tem o indígena como agente da investigação é o de Fabrício Ferreira de Lema, “Rústicos y miserables: o discurso jurídico sobre as populações indígenas no Vice-Reino do Rio da Prata (1767-1800)”. Tomando o discurso jurídico como sua principal fonte, o texto analisa como a justiça espanhola compreendia as populações indígenas na América, seja através da sua classificação enquanto miserável, ou por meio da construção do seu discurso nos processos criminais.

O estudo de Queila Guedes Feliciano Barros, “Fazer-se mercador na colônia: trajetórias mercantis luso-hispânicas no abastecimento e conquista do Estado do Brasil (1602 – 1649)”, encerra o dossiê. O artigo aborda a rede mercantil de abastecimento entre o porto de Buenos Aires e os portos de São Sebastião do Rio de Janeiro, São Salvador Bahia e Pernambuco durante a União Ibérica, período pouco explorado pela historiografia em comparação aos séculos XVII e, principalmente, o XVIII. Nesse período, as relações comerciais estabelecidas no porto de Buenos Aires sanaram as crises de abastecimento na América portuguesa. Nesse caso, as possíveis crises provocadas pela falta de alimentos de subsistências gerando estados de pobreza, foram supridos pelo comércio mantido com o Rio da Prata.

No conjunto, os textos apresentados aqui oferecem importantes contribuições para o estudo da pobreza e da assistência, ao mesmo tempo em que sinalizam à emergência e a necessidade de estudos voltados ao fenômeno da pobreza e sobre as suas mutações ao longo do tempo e do espaço.

Boa leitura a todos e todas!


Organizadores

Daiane Silveira Rossi – COC-FIOCRUZ.

Jonathan Fachini da Silva – CLFD-UFPel.


Referências desta apresentação

ROSSI, Daiane Silveira; SILVA, Jonathan Fachini da. Editorial. Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.9, n.23, p. 5-7, jan./jul. 2020. Acessar publicação original [DR]

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