As Armas de Papel – PEREIRA (LH)

PEREIRA, José Pacheco. As Armas de PapelLisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2013. Resenha de: CORDEIRO, José Manuel Lopes. O problema dos stencils que se rasgavam. Ler História, n.64, p. 221-228, 2013.

1 Nos últimos anos tem-se assistido ao surgimento de inúmeros trabalhos sobre a história da extrema-esquerda na década final do Estado Novo, desde livros e artigos académicos a teses de mestrado e de doutoramento, assim como à realização de Encontros, Seminários, Conferências ou Debates sobre esta temática. Este interesse resulta de uma nova geração de investigadores que despontou para o estudo da história desta corrente, assim como do reconhecimento da importância que a mesma então exerceu junto de vários setores da sociedade portuguesa e, também, do distanciamento com que é já encarada, permitindo uma análise objetiva e aprofundada.

2 José Pacheco Pereira vem agora prestar o seu contributo com a publicação de um livro interessante, As Armas de Papel (Temas & Debates/Círculo de Leitores, 2013), que se propõe constituir um repertório sobre as «publicações periódicas clandestinas e do exílio ligadas a movimentos radicais de esquerda cultural e política», editadas entre 1963 e 1974.

3 O livro é constituído essencialmente por duas partes. A primeira, aborda de uma forma muito completa os vários aspetos relacionados com a produção deste tipo de publicações, nas décadas de sessenta e setenta, até ao 25 de abril, tais como as suas diferentes tipologias, os meios técnicos e tecnologias adotadas, as tiragens e a periodicidade, o grafismo, o texto, a distribuição, contemplando ainda a sua cronologia e geografia, ilustradas com inúmeros exemplos dessas publicações e dos diversos equipamentos técnicos então utilizados. Apresenta, também, os critérios para a inclusão das publicações recenseadas, tendo em consideração as características que então definiam a extrema-esquerda e a esquerda radical.

4 A primeira parte do livro, a mais original, constitui muito mais do que a mera enumeração dos aspetos relacionados com a produção destas publicações, uma vez que analisa muitas das características das organizações que as editavam e as condições em que as mesmas atuavam, efetuando também uma abordagem daquele período. Dá-nos conta do universo muito rico e diversificado em que estas organizações se movimentavam, proporcionando elementos úteis para a compreensão daquela época, em Portugal e no exílio, assim como dos contornos políticos deste tipo de oposição, mais radical. A profundidade que aplica na análise faz com que constitua a parte mais bem conseguida do livro e a que mais se aproxima do anunciado desiderato de contribuir para o «retrato de uma geração».

5 Esta primeira parte não está, contudo, isenta de pequenos erros [a organização referida na p. 62 são os CCR (M-L) e não a OCMLP, para além de que a crise que afetou esta última em março-abril de 1974 não teve uma grande implicação na edição do O Grito do Povo, que continuou a ser publicado] e de imprecisões [quando afirma que «os textos da segunda metade da década de sessenta, já influenciados pela Revolução Cultural, como são tipicamente os do MRPP» (p. 91), pois este só foi fundado em setembro de 1970]. Mas são de outra natureza as observações que aqui merecem ser destacadas. Assim, é incompreensível afirmar, com base no n.º 2 do jornal, que a retirada da foice e martelo do título (cabeçalho) do O Grito do Povo (p. 78), resultava da necessidade de o «marcar» menos politicamente quando, no próprio exemplar que utilizou para fazer tal afirmação se vê claramente que o símbolo do comunismo permanece na primeira página, com grande destaque, para além de que regressará ao título logo no n.º 3, de onde, aliás, não mais sairá até ao final da sua publicação, em maio de 1987. Trata-se, numa apreciação benévola, de um erro (grosseiro) de interpretação. Quanto à alteração do cabeçalho do jornal, a verdadeira razão deveu-se ao facto de a substituição da letra «G» pela foice e martelo poder originar uma leitura errada do título, confundindo-se com «O Rito do Povo». É também pouco rigoroso afirmar que os conflitos existentes em algumas escolas do Porto tinham como protagonistas «militantes da UEC (M-L) e os da OCMLP» (p. 99), uma vez que os militantes estudantis desta última estavam organizados nos CREC’s, para além de que os membros da OCMLP não atuavam no meio estudantil. Constitui também uma interpretação pouco rigorosa, afirmar que em 1974 se verificou «um certo esgotamento do espaço político da extrema-esquerda pelos títulos já existentes» (p. 106) – não poderiam surgir, continuamente, novos títulos –, retomada na entrevista ao Diário de Notícias (de 16 de março), ao declarar que as publicações de extrema-esquerda, «na prática» acabaram com o 25 de abril «porque vivem do clandestino e do exílio» (p. 14), embora, como é sobejamente conhecido, tenha sido o contrário o que se verificou. Explicando melhor o seu ponto de vista, reitera que «existe também uma crise do esquerdismo em vésperas do 25 de abril, em que se verifica uma tendência para a social-democratização devido a um esgotamento destas organizações» (Diário de Notícias, p. 14). Tendência essa que apenas o autor conseguiu detetar.

6 A explicação que oferece sobre uma putativa mudança de títulos (p. 110) que se teria verificado após o 25 de abril também não é correta. Primeiro, no que respeita à quase totalidade das organizações, não existiu qualquer mudança de títulos; segundo, o exemplo citado do PCP (R) ocorreu já muito depois do 25 de abril, no rescaldo do período revolucionário, e por razões óbvias; terceiro, provavelmente não sabe, mas Diógenes Arruda – que, na prática, dirigia então aquele partido – defendeu que no Norte, o PCP (R) deveria relançar O Grito do Povo (não saberia que se continuava a publicar, pela OCMLP reorganizada), devido à tradição que o jornal tinha naquela região. Surpreendentemente, Pacheco Pereira também não levou em consideração a única fonte disponível para se conhecerem com exatidão as condições em que se publicava e difundia um dos jornais clandestinos editado a partir de 1969, o Unidade Popular, do CMLP/PCP (M-L). Aquando da comemoração do seu 10.º aniversário, o jornal publicou uma série de artigos que revelaram, pela primeira vez e de uma forma muito pormenorizada, os mais diversos aspetos ligados à sua redação, produção e distribuição antes do 25 de abril, artigos que foram ignorados pelo autor ou cuja existência este desconhece.

7 A segunda parte do livro constitui um repertório da imprensa clandestina publicada em Portugal e no exílio, de 1963 ao 25 de abril de 1974, recenseando 158 títulos, correspondendo a cada um deles uma entrada. É mais do que um simples repertório, efetuando também uma apreciação de alguns dos aspetos da história das organizações que os publicavam, embora numa perspetiva que obnubila uma das componentes essenciais da análise. De facto, o conteúdo desta imprensa, principalmente o das publicações especificamente editadas para a luta política imediata, tem de ser analisado, precisamente, nessa perspetiva, compreendendo os seus objetivos e o respetivo contexto; por esta razão é que não fazem sentido as observações, expostas ainda na primeira parte, acerca da sua superficialidade, a «língua de pau» utilizada, a sua «ortodoxia política», os «slogans», a falta de «criatividade» e de «imaginação» (p. 91), de «que não se podia soltar a caneta» ou a perda da «espontaneidade inicial» (Diário de Notícias, p. 15). Terão sido só «slogans» e linguagem «de pau»? Estas organizações não desenvolviam atividade política? Não será este o aspeto fundamental a considerar na apreciação histórica da sua atuação? Esta visão redutora também não pode ser encarada como correspondendo à totalidade daquelas publicações, bastando para tal consultar, por exemplo, os textos da «Revolução Popular» ou da «Estrela Vermelha». Aliás o autor acaba por reconhecer que tal tinha muito a «ver com as condições de clandestinidade e de repressão que não favoreciam um pensamento e uma linguagem mais soltos do dogma» (p. 94), se bem que, ancorado no seu próprio dogma, o que classifica depreciativamente como «dogmas» não sejam mais do que as respetivas orientações ideológicas e políticas.

8 O contributo de Pacheco Pereira para o conhecimento da história da imprensa da extrema-esquerda assume um maior interesse no que respeita às publicações (e organizações) não marxistas-leninistas, uma vez que estas últimas têm sido objeto de um maior número de estudos, alguns deles bastante aprofundados. Destacam-se, em particular, as entradas relativas ao BACCIPCadernos de CircunstânciaCadernos Necessários e Polémica. No entanto, possivelmente porque não teve conhecimento do mesmo, não levou em consideração um incontornável artigo de Fernando Medeiros sobre os primórdios (1965/66) dos Cadernos de Circunstância, onde este explica a gestação e a maturação daquele projeto.

9 Variando na sua dimensão, de acordo com a importância e longevidade das publicações, o conjunto das entradas permite a compreensão de algumas das suas características, assim como das vicissitudes por que passaram as organizações que as editavam, principalmente no exílio, para cujo estudo as fontes são mais detalhadas. No que respeita às publicações do interior do país, nota-se uma maior dificuldade em proceder do mesmo modo, principalmente porque, como veremos, revela desconhecer aspetos importantes da história das organizações que as publicavam.

10 Num país em que não há grande tradição de publicar repertórios temáticos, como acontece por exemplo no mundo anglo-saxónico, merece ser destacado o trabalho de compilação efetuado. É uma obra útil, não apenas para os arquivos e bibliotecas, como refere, mas principalmente para os investigadores, que não refere, em especial para uma nova geração de jovens investigadores que tem descoberto e continua a descobrir esta temática da extrema-esquerda antes do 25 de abril, encontrando aqui um ponto de partida. Aliás, para os arquivos, não terá assim tanta utilidade, pois os poucos que conservam este tipo de publicações já as têm devidamente identificadas. No entanto, ao não nomear as bibliotecas e arquivos onde é possível consultá-las – para além, subentende-se, no arquivo da Marmeleira –, retira ao repertório uma das suas funções essenciais.

11 Uma das características fundamentais deste tipo de livros, e que deriva do próprio facto de constituírem obras de referência, é a do indispensável rigor dos dados que apresentam, sob pena de não corresponderem ao principal objetivo com que são elaborados. O rigor é fundamental, e sem rigor não há obra de referência. E, neste domínio, o livro ostenta um número demasiado elevado de incorreções, algumas delas surpreendentes, pois o autor apresenta-se como uma autoridade na matéria. É certo que, prudentemente, Pacheco Pereira assume uma inaudita postura defensiva, alertando que possivelmente haverá erros e omissões, que serão colmatados no seu blog: «irei progressivamente colocar em linha no site pessoal dedicado ao meu próprio arquivo (Ephemera), estas publicações em formato digital, assim como todas as informações (e correções) complementares que entretanto venham completar este livro» (p. 18). Mas não é a mesma coisa, nem é tão prático como um livro, pois muitos dos leitores poderão não ter conhecimento dessas eventuais correções, e só uma nova edição desta obra, (bastante) corrigida, poderá obviar o problema. Também há erros e erros. Alguns serão compreensíveis e, até, inevitáveis, em virtude da investigação não se encontrar esgotada; outros inaceitáveis, particularmente numa obra que se pretende de referência, na qual o autor trabalhou vinte anos, ou mais, lendo estas publicações «com frequência, duas ou três vezes» (p. 18), e relativa a uma temática em que, segundo o próprio, só «uma pequena minoria, que nalguns casos até foi só de um, que fui eu, começou a tentar fazer a história da esquerda, particularmente do PC e hoje da extrema-esquerda» (entrevista à SIC, em 5 de março). Deste modo, a fim de que os investigadores que vierem a debruçar-se sobre esta temática não repitam esses erros, assinalaremos alguns dos mais significativos, agrupando-os por categorias, prestando assim um primeiro contributo para as correções a inserir no Ephemera.

12 Denominações erradas de organizações: é surpreendente que o autor, que foi dirigente do PCP (M-L), o denomine por Partido Comunista Português (e não, de Portugal) (Marxista-Leninista) (p. 14). Aliás, sucede o mesmo em inúmeros «posts» que já publicou no Ephemera. Poderá parecer uma questão bizantina, ou apenas formal, mas na realidade é importante, tanto mais que constituía uma das condições (a 17.ª) estipuladas em 1920 para a admissão dos partidos na Internacional Comunista, um património que a corrente «antirrevisionista» pretendia recuperar. Também o nome do MRPP aparece como Movimento Revolucionário (e não Reorganizativo) do Partido do Proletariado (p. 14). Mas o caso mais enigmático é o da sigla PC de P (M-L)
(pp. 14, 31 e 484). Poderia tratar-se do PCP (M-L), mas este nunca grafou desse modo a sua sigla, embora alguns dos seus antagonistas, por vezes, o tenham feito. A determinada altura do texto percebe-se que a organização a que se refere é o Partido Comunista de Portugal (em construção), mais conhecido por «O Bolchevista». Só que, até setembro de 1974, não se denominava PC de P (e.c.) – nem, muito menos, PC de P (M-L) –, mas sim Comité Marxista-Leninista de Portugal (CML de P), pelo que seria esta a denominação correta com que deveria ter sido designado no repertório.

13 Incorreções relativas aos títulos recenseados: Boletim (p. 186): a referência da sua ligação à LCI não faz sentido uma vez que esta organização só foi fundada em 1973, devendo ser atribuída aos Grupos de Ação Comunista (GAC); CAP (p. 255): não era realizada por estudantes da Faculdade de Direito de Lisboa, mas sim por Fernando Rosas e Maria da Conceição Lino Neto; EDE (p. 289): os textos que publicava não eram dos autores que cita, tendo sido todos escritos por Fernando Rosas, como este já revelou em público, pelo menos por duas vezes; Luta Operária e Luta Operária. Marxista-Leninista (pp. 403 e 406): embora refira que o segundo é a continuação do primeiro, o facto de o jornal manter a numeração sequencial não justificava duas entradas independentes – pois, na realidade, não são dois jornais diferentes, mas o mesmo jornal, que a partir do n.º 6 acrescentou um subtítulo –, tal como procedeu, corretamente, para com O Grito do Povo, que inicialmente tinha como subtítulo «jornal operário comunista» e, depois, «órgão da OCMLP», mantendo igualmente a numeração sequencial. Aliás, foi esse o critério adotado pelo Centro de Documentação 25 de abril. O Partido (p. 441): a OCMLP não teve «vários» boletins internos, apenas dois; afirma também que «não foi possível verificar» se a sua publicação se iniciou antes do 25 de abril, mas poderia tê-lo feito muito facilmente, evitando incluir um título que só surgiu após aquela data e que, por conseguinte, não devia constar no repertório. Seara Vermelha (p. 513): ao contrário do que afirma, a revista não deixou de se publicar após o 25 de abril, tendo sido editados mais oito números, até 1978.

14 Incorreções sobre a história das organizações: LCI (p. 320): a LCI não podia ter participado na crítica às eleições de outubro de 1973 pois só foi fundada em dezembro desse ano; as posições trotskistas eram então defendidas pelos GAC; O Grito do Povo (pp. 325-330): em relação à Organização que publicava este jornal e que veio a denominar-se OCMLP há inúmeras incorreções, entre as quais: o «Américo» não foi o responsável pela imprensa (p. 325) mas sim pela última tipografia clandestina, o que é bem diferente; o nome OPR (p. 326) nunca foi usado em público, apenas era conhecido internamente, e só no início da sua atividade; é também errado afirmar que o setor Sul do «O Comunista» não queria aceitar o «O Grito do Povo» (p. 328) como direção do interior, pois essa questão apenas foi discutida no exterior; não existiu uma mera fusão das duas organizações (p. 328), mas sim a integração do «O Comunista» na Organização do «O Grito do Povo», o que é completamente distinto, com base na aceitação por parte daquele de um documento com 14 exigências, entre as quais a que envolvia a sua clara opção pelo marxismo-leninismo e a subordinação do exterior ao interior; as cisões verificadas no «O Comunista» (p. 329) não se deveram a um suposto conflito exterior-interior, tendo sido a consequência natural da luta ideológica travada no exterior, que fora exigida pelo «O Grito do Povo».

15 Incorreções sobre os militantes das várias organizações: MRPP: Arnaldo Matos nunca foi do PCP (p. 289); OCMLP: entre os fundadores falta Rui Loza (p. 325), que foi o seu principal dirigente após a prisão de Pedro Baptista; uma das debilidades do livro diz respeito, precisamente, à enorme falta de rigor com que o autor se refere à composição dos membros das diferentes organizações (principalmente das m-l) e aos cargos que exerciam como, por exemplo, se verifica com a FEM-L e os CREC’s; assim, quanto à FEM-L
(p. 330): Fernando Rosas só exerceu as funções de controleiro até à sua prisão em agosto de 1971, cargo que depois passou para Danilo Matos; o autor atribui indiscriminadamente vários militantes à FEM-L, mas não refere os seus fundadores, que foram Danilo Matos, Camilo Inácio e Duarte Teives, embora este a tenha abandonado; quanto ao CREC de Coimbra (p. 518): a sua primeira composição, responsável pela edição do Servir o Povo, contava apenas com José Queirós, Rui Carmo e Teresa Veludo; alguns dos outros nomes referidos nunca integraram a Organização dos CREC’s.

16 Pequenas incorreções: o nome da Sociedade de Construções Eletromecânicas, de São Mamede de Infesta, é SEPSA e não CEPSA (p. 423); o mesmo se verifica com Francisco Martins Rodrigues, que aparece como Francisco Maria Rodrigues (p. 477); e, já agora, não me chamo Lopes Cardoso (p. 130). No Índice Remissivo, algumas das páginas indicadas não correspondem ao autor citado; também não se compreende que algumas das capas reproduzidas estejam cortadas. Aliás, quanto aos aspetos gráficos e formais, é inevitável comparar este livro com um outro publicado em 2011 no Brasil sobre idêntica temática (As Capas desta História. A imprensa alternativa, clandestina e no exílio, no período 1964-1979, Instituto Vladimir Herzog) e constatar como é possível apresentá-los de um modo exemplar.

17 Relativamente à imprensa selecionada para o repertório é muito discutível incluir publicações das correntes associativas estudantis e não o fazer para as de carácter mais abertamente político, como as do MAESL (Intervalo Ao Trabalho, assim como os vários jornais que publicava por escola, O GritoMovimento outubroImpulso, etc). Para além de vários títulos em falta, há também uma quantidade considerável de jornais paralegais que não foram incluídos – de organismos culturais, cooperativas, círculos culturais, etc –, animados pela extrema-esquerda, que um pequeno esforço de investigação no Centro de Documentação 25 de abril, ou o contacto com outros investigadores, resolveria facilmente, embora, como é óbvio, o autor esteja no seu pleno direito de efetuar um «trabalho individual» (p. 17). Contudo, ao assumir essa postura de auto-exclusão da comunidade científica (que inclui «não académicos»), que há muitos anos tem vindo a investigar a história da extrema-esquerda e já proporcionou várias teses de mestrado e uma de doutoramento (premiada), para além das que estão em curso, o autor ignora (e desconsidera) o que tem sido debatido, estudado e publicado. Caso contrário, não só evitaria alguns dos erros «de palmatória» acima apontados, como não teria qualquer dificuldade em obter exemplares de todos (e de mais alguns) os títulos que refere «não ter sido possível encontrar algum exemplar». Deste modo, não é surpreendente que não se iniba em afirmar que «tenho consciência de que a história da imprensa clandestina esquerdista e radical nos últimos quinze anos da ditadura começa aqui» (p. 20) ou que «90% da informação sobre estas publicações é inédita» (Diário de Notícias, p. 15).

18 Em suma, um trabalho desequilibrado, com um bom ensaio inicial (não isento de incorreções), algumas entradas muito boas, mas com demasiados erros, omissões e imprecisões, assim como vários casos de investigação deficiente, numa obra que se pretende de referência. Incorreções, algumas delas tão flagrantes, que só se podem compreender no caso de o livro não ter sido sujeito a uma adequada revisão editorial (como o próprio diria, no seu programa da SIC «Ponto/Contraponto», «mau trabalho»). Apesar de ter sido recebido acriticamente pela comunicação social – o Jornal de Letras (de 6 de março) considerou-o uma «investigação excecional» (sic) –, pelo acima exposto facilmente se constata que, independentemente dos aspetos positivos já assinalados e do interesse geral que o livro apresenta, o autor desperdiçou uma boa oportunidade para elaborar uma exemplar obra de referência.

José Manuel Lopes Cordeiro – Professor auxiliar do Departamento de História do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho e investigador do Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória». E-mail:
cordeiro@ics.uminho.pt.

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