Apresentamos, nesta nossa publicação, três textos que se inserem no dossier da Revista Varia do Departamento de História da UFMG. Nossa preocupação foi dispor ao estudioso da história da arte alguns textos inéditos dedicados à reflexão do objeto artístico. Estes estudos discutem e investigam a arte sob pontos de vista não apenas históricos ou sob as vestes culturais, mas analisam ainda sob concepções formalistas, numa dinâmica imagética mais atual, apesar dos temas aqui exibidos não disporem de uma mesma cronologia, ao contrário, insistimos numa abordagem diversificada, tanto sob o ponto de vista da forma, como do espectro cultural. Optamos igualmente por uma estrutura diversificada dos temas, muito mais que um processo homogêneo e linear.
É importante ver a História da Arte estudada em sua conjuntura ampla nas possibilidades de investigação. Não apenas uma pesquisa filológica ou de pura catalogação ou inventário, mas um estudo mais abrangente e interdisciplinar. Estão aqui não apenas o curioso objeto como uma pintura ou uma construção arquitetônica, mas um processo operativo vinculado a dispositivos culturais arraigados ao universo de produção do próprio objeto.
O nosso propósito foi o de discutir aspectos do objeto artístico, mas contemplando a História Cultural e a História da Arte (e também a história da ciência) em suas múltiplas e diversas formas de apresentação imagética. Este dossier pretendeu abranger toda e qualquer abordagem no âmbito cultural, seja especificamente com discussões formalistas em relação à arte, seja em reflexões históricas e metodológicas. O universo imagético pressupõe-se a partir de estudos entre os tons culturais, entre as formas e a iconografia. Uma engrenagem voltada para debates profícuos e específicos da História da Arte e da História da Ciência. Este universo tenciona abarcar toda a discussão da imagem como arte, desse modo, novas problematizações, novos conceitos e novas dinâmicas foram utilizados numa experiência interdisciplinar, o que permitiu uma discussão mais profícua e menos engessada dos conceitos tradicionais da História da Arte. O leitor terá em mãos temas (assuntos) diluídos entre os três artigos de modo a promover uma interlocução entre os textos e sua interação nos diferentes conteúdos aqui apresentados. Essa organização permitirá avançarmos em assuntos diversos sem ter de seguir uma linha condutora exclusiva.
O leitor-estudioso perceberá nossa preocupação desde o discurso formal, até a discussão histórico-cultural. Não está esquecido o artista e a obra; os trânsitos culturais – legados culturais artísticos; os vestígios e a construção histórica da arquitetura; o saber ver e as discussões culturais; as variantes arquitetônicas e cenográficas; a história da imagem como construção de um ideal cultural; a literatura científica; as considerações técnicas e os processos operativos na obra de arte. Nossas discussões permearam todos esses temas e, sendo assim, os artigos, que hora se apresentam estão inseridos numa ampla contextura. Tencionou-se estimular a abertura de novas propostas metodológicas no estudo do objeto artístico com vistas a renovar as investigações com novas sugestões de pesquisas. O organizador espera que este dossier exponha um tributo essencial aos estudos sobre o conhecimento artístico tanto a partir de enfoques específicos da arte como também da História da Arte, do que vale lembrar que história da arte é, história e arte.
Não nos custa lembrar que a História da Arte ocupa um lugar de destaque nas Ciências Sociais, no entanto, é conveniente realizar uma revisão crítica de seus métodos para então conhecer seus fundamentos e a realidade científica de seus posicionamentos operacionais (ou operativos), sejam no campo da teoria ou das disposições da práxis. A revisão prática historiográfica da arte permitirá saber como se estruturar esta História da Arte e em que situação ela existe. Damos aqui apenas algumas das ferramentas para que o leitor possa construir seu imaginário.
Sabe-se que a História da Arte se formou ao longo de décadas como resultado de conceitos operativos e critérios de investigação diante do manancial de obras artísticas. O uso dos discursos, dos seus métodos depende de circunstâncias plenamente culturais. A principal questão é o enfoque. Muda-se isto, e, consequentemente, a História da Arte apresenta novo leque de proposições. Segundo alguns autores, tantas histórias da arte, quanto práticas historiadoras.
Contextualizado nestas poucas observações o dossier proposto pretendeu absorver reflexões sobre a produção artística em suas mais variadas seções. Os autores escolhidos, Sara Fuentes, Beatriz Hidalgo e Alfredo Morales são investigadores (e professores) que se preocupam com a dinâmica clara e objetiva da Arte, mas igualmente com suas estruturas históricas e contribuições científicas nas diversidades das análises: tudo apresentado numa problemática inédita. No artigo El perfil de Andrea Pozzo como maestro de perspectiva encontramos uma diversa análise e um estudo metódico do jesuíta trentino e um dos perspécticos mais influentes do século de setecentos desde o estudo sistemático da perspectiva, passando pelo simulacro arquitetônico, tudo transformado num método didático e prático, publicado em forma de dois tomos no fim do século XVII, com uma repercussão global entre os séculos XVIII e XIX, atingindo não apenas o Continente Europeu, mas avançando para as Américas e ainda o Oriente. As análises são bem construídas exemplificando não apenas a formação cultural de Pozzo, mas também seus enfoques técnicos e suas preocupações em atender ao artista praticante da pintura de falsa arquitetura com pressupostos perspécticos, isto é, a quadratura ou a pintura de Sotto in sù, como ele mesmo denomina em seu texto. Já o estudo de Beatriz Hidalgo, com o título A originalidade técnica no desenho de Goya e seus contemporâneos. Abordagens sobre o desenho na segunda metade do século XVIII, nos apresenta um estudo instigante sobre “a arte do desenho”, uma expressão artística de grande variedade e que aqui concentra seus esforços durante o século XVIII num dos mais significativos artistas espanhóis: Francisco Goya. O desenho não é apenas a representação da forma sobre um suporte, como o papel, uma parede ou mesmo coberturas abobadadas e cupuladas, mas o desenho expressa o contexto de uma época, de um mecanismo estilístico e, naturalmente, um contexto operativo-cultural. Enfim, adaptações e estratégicas culturais que motivaram Goya em suas criações, mas também com outros artistas, como a autora bem demonstra (ou demonstrou). O estudo de Alfredo Morales sobre Cartografía y cartografía simbólica. Las “Theses de Mathematicas, de Cosmographia e Hidrographia” de Vicente De Memije nos brinda com um tema abordado de modo original e que cobre a rota marítima entre a Península Ibérica e as Filipinas. Para além de apresentar um contexto histórico abordando a missionação no Oriente, este texto expõe de modo analítico e meticuloso nova proposta cartográfica que se pode chamar artística, não apenas por suas concepções imagéticas / simbólicas, mas porque atrela-se a outro valor científico / funcional. Mudanças de paradigmas, evidências num novo contexto entre o espaço tridimensional e a representação no papel. Além da restituição gráfica operacional do relevo territorial e seu controle, o autor nos mostra a fruição consciente de um novo espaço conhecido não apenas em contexto específico da gnomônica, mas em espectros culturais por meio do vasto universo das belas estampas que escondem um mágico universo simbólico que entre Ocidente e Oriente preenchia todo o imaginário dos “homens do mar” e suas dinâmicas de apreensão entre espaço projetado e mensurabilidade, entre áreas percorridas e ícones / imagens em seus mais intrínsecos significados.
Assim, espero que a diversidade destes textos possa ser um estímulo para o jovem leitor e estudioso da arte, mas também do pesquisador mais acurado e determinado em pesquisas específicas, em novos processos e em novas dinâmicas interdisciplinares.
Magno Moraes Mello – Departamento de História, Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: magnomello@gmail.com
MELLO, Magno Moraes. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.32, n.60, set. / dez., 2016. Acessar publicação original [DR]
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