VIEIRA, Rodrigo Drumond; NASCIMENTO, Silvania Sousa do. Argumentação no ensino de ciências: tendências, práticas e metodologia de análise. Curitiba: Appris, 2013. Resenha de: BERNADO, José Roberto da Rocha. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 1, p. 277-280, jan./abr., 2015.
Nas duas últimas décadas, as pesquisas em Educação em Ciências vêm recomendando atenção às práticas argumentativas em sala de aula. Nesse sentido, Rodrigo Drumond Vieira e Silvania Sousa do Nascimento apresentam em sua obra Argumentação no ensino de ciências: tendências, práticas e metodologia de análise um texto de leitura obrigatória tanto para pesquisadores interessados em desenvolver trabalhos sobre o tema quanto para estudantes de graduação e professores da educação básica.
Em diálogo com referências consagradas e diversificadas, os autores desenvolvem um texto de fácil compreensão, que traz uma boa discussão teórica, ao mesmo tempo em que apresenta exemplos de análises de situações argumentativas de salas de aula. As análises apresentadas se baseiam em uma metodologia
bem-fundamentada proposta pelos autores e discutida no texto.
O livro é dividido em oito capítulos. O primeiro é dedicado à apresentação do conceito de argumentação. Apoiados, principalmente, nas contribuições de Michael Billig, os autores procuram situar o leitor em relação às especificidades que envolvem o processo argumentativo, sem deixar de dialogar com outros autores de diferentes nacionalidades. O capítulo avança em relação à discussão sobre “O que é uma argumentação?” identificando e destacando a importância do conceito de orientação discursiva, desenvolvendo uma explicação elucidativa a respeito dos aspectos que caracterizam as orientações discursivas explicativas e as diferenciam das argumentativas.
No segundo capítulo, os autores se dedicam a discutir “como identificar e caracterizar argumentações em sala de aula”. Mais uma vez, as ideias de Michael Billig, articuladas com outras referências que também embasam o primeiro capítulo, subsidiam o desenrolar do texto, sobretudo os conceitos de contraposição de ideias e de justificações, para fundamentar a proposição de dois importantes marcadores para identificar argumentações, adaptados dos conceitos anteriores.
São eles a contraposição de ideias (opiniões) e as justificações recíprocas dessas ideias. Os marcadores propostos são o embrião da base analítica para identificação dos aspectos que diferenciam a argumentação de outras orientações discursivas.
O segundo capítulo avança na discussão apresentando as características de argumentações que são contempladas pelos marcadores, tais como: a persuasão, a disputa, certo grau de simetria entre os interlocutores, verossimilhança das declarações (opiniões), presença de mais de uma opinião e justificativas para as opiniões.
Os autores concluem o segundo capítulo ilustrando a aplicabilidade dos marcadores em duas situações de ensino e aprendizado, que correspondem a pesquisas desenvolvidas por eles. Em um dos casos identifica-se uma situação argumentativa e no outro, uma situação de explicação.
No terceiro capítulo, os autores destacam a importância da multimodalidade para as pesquisas sobre os discursos em salas de aula de Ciências, considerando as múltiplas modalidades que os sujeitos em situações reais de interação discursiva utilizam para se comunicar, “desde fala, textos, diagramas, imagens, até gestos, variações de proxemia, dentre outros”. Apoiados em autores do campo da Sociolinguística, destacam ainda o papel das pistas de contextualização, que incluem pausas, prosódia, variações na proxemia e fixação do olhar, nos processos argumentativos em sala de aula, e o quanto essas pistas sinalizam, para os sujeitos em interação e para os analistas, como interpretar os significados que emergem dessas interações. Mais uma vez, o terceiro capítulo traz exemplos ilustrativos retirados de pesquisas realizadas pelos autores, sobre as pistas de contextualização discutidas no texto.
No quarto capítulo, os autores destacam a importância do padrão do argumento de Toulmin para analisar argumentações no ensino de Ciências e a sua ampla utilização nos contextos nacional e internacional. Embora reconheçam as críticas em relação ao uso do padrão, defendem que sua associação com o método de análise proposicional por eles desenvolvido pode ser de grande utilidade considerando a compatibilidade entre os dois métodos. Assim, o capítulo apresenta uma discussão objetiva sobre o uso do padrão de argumento de Toulmin e introduz o método de análise proposicional de forma cuidadosa, visando deixar o leitor esclarecido sobre o método, que consiste basicamente na segmentação das falas dos participantes em proposições de acordo com critérios sociolinguísticos. A partir da identificação de “significados convergentes”, as proposições são agrupadas em Procedimentos Discursivos. A aplicação do método ao discurso do professor, segundo os autores, possibilita identificar o que chamam de Procedimentos Discursivos Didáticos (PDD). A exemplo do capítulo anterior, o quarto capítulo procura contribuir para a compreensão do método lançando mão de exemplos obtidos de pesquisas realizadas pelos autores em situações reais de sala de aula.
No quinto capítulo, os autores retomam a discussão a respeito das diferenças entre orientação discursiva argumentativa e orientação discursiva explicativa para chamar a atenção sobre a necessidade de analisar e repensar os discursos em aulas de ciências. A estrutura analítica proposta possibilita esclarecer a natureza dos procedimentos discursivos dos professores e como eles se relacionam com o cumprimento de objetivos didáticos bem-estabelecidos. Nesse sentido, a metodologia coloca em destaque a importância da tríade “Orientação discursiva – Objetivos didáticos – Procedimentos Discursivos Didáticos (PDD)” nas ações do professor. As ações do professor são mapeadas pelo quadro de narrativas e os procedimentos discursivos, pelo quadro proposicional, ambos instrumentos de análise discutidos e exemplificados ao longo do capítulo. Mais uma vez, os exemplos fazem parte da estratégia de elucidação da discussão trazida pelos autores.
O sexto capítulo é dedicado especialmente à ilustração do uso da metodologia proposta, por meio de uma “análise detalhada de uma argumentação” de duas ações: uma com orientação discursiva dialogal e outra com orientação discursiva argumentativa, que se estabeleceram no contexto de uma aula da disciplina de Prática de Ensino de Física. Os autores recorrem ao padrão de argumento de Toulmin eventualmente, ao longo da análise realizada, com o objetivo de indicar a posição dos PDD na estrutura dinâmica discursiva. A partir do detalhamento das análises das duas ações, realizam o fechamento do sexto capítulo apresentando um esquema dinâmico da estrutura procedimental argumentativa do formador, no episódio de ensino analisado.
No sétimo capítulo, os autores apresentam, de forma objetiva, um modelo para a compreensão do “ritmo discursivo” em aulas de Ciências. O texto destaca a importância da análise em níveis como estratégia para lidar com a grande diversidade e densidade dos dados que caracterizam as pesquisas de análise do discurso de sala de aula.
No oitavo capítulo, os autores promovem um fechamento do livro a partir de uma discussão sobre a situação atual e as perspectivas futuras com relação à argumentação no ensino de Ciências no contexto brasileiro. Em suas reflexões, apontam as dificuldades dos professores para lidar com a argumentação em sala de aula, já que estas envolvem a associação de diversos campos do conhecimento. Além disso, há a questão da falta de familiaridade deles com práticas argumentativas em situações escolares. A resistência da própria escola e o engessamento dos currículos também são apontados pelos autores como mais uma dificuldade. Considerando o que essas dificuldades podem representar em termos de demandas por mais estudos, os autores defendem que a proposta metodológica apresentada no livro tem implicações para a pesquisa e para a prática docente, o que inclui os modos pelos quais argumentação e demais orientações discursivas oferecem oportunidades de aprendizagem e como os procedimentos discursivos didáticos dos professores se relacionam com o ensino e a aprendizagem de Ciências, sobretudo no que se refere à formação para a democracia e para a prática social.
Assim, a obra se caracteriza como um texto de fácil compreensão que traz a metodologia proposta de forma clara sem que os autores abram mão de uma consistente fundamentação teórica. Nesse sentido, é importante destacar o cuidado dos autores com os exemplos ilustrativos de situações reais que têm papel fundamental na elucidação do que é discutido. Sem dúvida, a metodologia proposta pode contribuir para o campo, com implicações para a pesquisa e para a prática docente. Assim, a obra se apresenta como leitura obrigatória para os envolvidos com investigações em argumentações no ensino de Ciências, inclusive estudantes de graduação e professores experientes em serviço interessados em compreender esses processos.
José Roberto da Rocha Bernardo – Professor da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. E-mail: bernardo.jrr@gmail.com Acessar publicação original
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