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Argentina: visões brasileiras | Samuel Pinheiro Guimarães

O projeto Anuário de Política Internacional, elaborado pelo IPRI e patrocinado pela Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-CAPES, tem por fim a elaboração “de uma visão brasileira sobre as principais sociedades e Estados” parceiros do Brasil. O livro organizado por Samuel Pinheiro Guimarães, parte integrante desse projeto, recolhe uma interpretação do pensamento brasileiro sobre a Argentina. O texto percebe a Argentina como um ator influente na história regional sul-americana, razão porque aprofunda as linhas gerais de sua história e de sua política exterior entre 1945 e 2000, dando ênfase à década dos noventa, ou seja, ao Governo de Carlos Saúl Menem. Tudo sob a visão dos brasileiros.

O livro está dividido em três grandes partes. A primeira, a cargo do internacionalista historiador Amado Luiz Cervo, corresponde à visão política, a segunda, a cargo do diplomata Pedro Mota Pinto Coelho, à visão diplomática, e, enfim, a terceira esteve sob a responsabilidade dos economistas Ricardo Markwald e Roberto Iglesias.

Na primeira parte, a política exterior argentina é percorrida em todas as suas nuances e particularidades de cada momento histórico. Ela é examinada sob três aspectos. As tendências históricas das últimas décadas, que conformam um extenso período no qual a política exterior argentina deixa transparecer fortes irregularidades e descontinuidades. Com efeito, a Argentina prolongou sua vinculação à Europa (principalmente à Grã-Bretanha) e manteve-se neutra diante da Segunda Guerra Mundial. Entre 1945 e 1955, primeiro peronismo, implementou, nos termos de Cervo, um “projeto de política exterior caracterizado por densa coerência doutrinal e por consistente estratégia operacional.” (p. 15). Este é o momento da chamada Terceira Posição, fundamentada na visão interna de justiça e equidade social e, externa, de uma divisão mundial entre dominantes e dominados. O período também é denominado de autonomia heterodoxa, por analistas argentinos.

Desde a queda de Perón, em 1955, freqüentes rupturas nas diretrizes de política exterior foram provocadas por sucessivas quebras na ordem institucional. Essa instabilidade tolheu às políticas externa e interna sua coerência e sua racionalidade, ferindo de morte o projeto nacional e encaminhando a decadência.

O segundo aspecto da análise de Cervo, diz respeito à emergência de uma comunidade epistêmica nos anos noventa. Seu revisionismo assume um papel fundamental, na medida em que, através da teoria dos três tempos da história argentina (grandeza, introspecção e abertura), coadjuvada pela teoria do realismo periférico, deu respaldo à política exterior da Administração Menem.

Os objetivos e resultados da política exterior do Governo Menem, no período de 1989 a 1999, representa o terceiro aspecto dessa análise. A atuação internacional argentina perseguiu os desígnios de uma nação ávida pelo seu reconhecimento, sob o paradigma do Estado Normal, expressão cunhada em 1991 pelo Ministro das Relações Exteriores, Domingo Cavallo. Segundo Cervo, subserviente às estruturas hegemônicas e aos Estados Unidos e destrutivo do projeto nacional. O país submeteu-se a um comportamento de alto perfil ao pôr-se ao encalço de prestígio, gerando inúmeras desconfianças na percepção dos vizinhos.

Da mesma forma, e não menos importante, é o espaço dado ao estudo da orientação externa da política de segurança argentina, marcada por cooperação nuclear com o Brasil, desmonte da defesa nacional, tentativa de entrada na OTAN e formação de uma zona de confiança mútua na região. O Mercosul é visto sob a função que exerce na engenharia política de cada nação, como variável dependente de seus objetivos particulares em matéria de política internacional.

O texto de Pinto Coelho tem duas partes. Na primeira, expõe as principais visões argentinas da política internacional entre 1945 e 1989. Os grandes acontecimentos (internos e externos) que tinham real reflexo na conformação dessas visões, bem como as intenções por trás destes, são observados sob a percepção do diplomata brasileiro que os descreve.

Mais a frente, na segunda parte do seu raciocínio, o autor traz à tona o período de 1989 à 1999 e os grandes desígnios da nova configuração política argentina, no âmbito da economia, integração regional, segurança e inserção internacional. Esta última, implementada com base na adesão aos princípios do realismo periférico e das relações carnais com os Estados Unidos.

A última parte do livro interpreta as relações econômicas internacionais da Argentina. Os dois autores identificam inúmeras variáveis dessas relações, tais como o papel da nova política de alianças estratégicas, a reavaliação do contexto interno e seu posicionamento externo por intermédio de novos fundamentos, os fatores de decadência destas iniciativas e a persistência da abertura do mercado e do sistema produtivo. São estes os grandes temas de debate.

Merece destaque, entretanto, a análise sistemática e cronologicamente bem dividida que o texto faz da evolução da política econômica externa entre os anos de 1946 e 1989, em que se “põe à mesa”, de forma descritiva e com riqueza de informações, em tabelas comparativas bem apresentadas, as políticas cambial e tarifária então desenvolvidas. O mesmo ocorre para o período da década de noventa. Os desafios da integração regional têm nomes: Mercosul e ALCA.

Em seu conjunto, a obra apresenta-se como uma completa e bem articulada compilação de visões brasileiras acerca dos mais variados momentos, pensamentos e fatos que deram contorno às relações internacionais da Argentina. Acima de tudo, fica claro que a Argentina, na percepção dos brasileiros, é vista, por um lado, como um país importante no contexto do Cone Sul, mas, por outro, em razão das rupturas de comando, da irracionalidade histórica e da empáfia política, é imprevisível, aliás pouco confiável.

O livro corresponde a uma iniciativa meritória, dado o escasso conhecimento que se tem gerado no Brasil acerca de seus grandes parceiros externos. A produção de imagens do outro, inerente a tais estudos, é fator determinante das políticas exteriores dos países. No caso do Brasil, com a expansão de estudos do gênero, poderá controlar-se a capacidade de determinação de corretas imagens do estrangeiro sobre as decisões diplomáticas.


Resenhista

Joelson Vellozo Júnior


Referências desta Resenha

GUIMARÃES, Samuel Pinheiro (Org.). Argentina: visões brasileiras. Brasília: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI-FUNAG), 2000. Resenha de: VELLOZO JÚNIOR, Joelson. Revista Brasileira de Política Internacional, v.44, n.1, 2001. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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