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Antissemitismo: uma presença atual | Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster

Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster | Fotos: Valor e ADUFEPE

Cogitar a ojeriza ao Outro, no sentido primevo de captá-lo por sua dissemelhança, é um processo inquietante que têm alcançado novas entonações na contemporaneidade, seja pelo resgate de uma historicidade perversa daquele apreendido como o desafeto comum, ou pela inclusão das mais variadas categorias que, na ótica opressora, se tornam predispostas à violência. Para avançar nesse debate, considera-se neste texto o raciocínio presente na obra “Antissemitismo: uma presença atual” no ensejo de indicar como a intolerância inflamou-se nos incitamentos públicos, revelando a banalização de atitudes que se pensavam superadas.

Nesse prisma, a produção mencionada propõe verificar de quais formas se estruturam as práticas correntes de segregação. Esta, redigida em quatro idiomas – inglês, espanhol, alemão e português – viabiliza a difusão de tal controvérsia para além do território nacional, tendo em vista que ao aludir-se a uma tendência global, a sua ponderação necessita também acontecer de modo abrangente, coeficiente acessível pela pluralidade linguística. De forma enfática, aborda que o antissemitismo está longe de caracterizar um anacronismo, pelo contrário, é um elemento pungente na sociedade e deve ser rechaçado a cada dia.

Com efeito, conforme assinala Michel German na apresentação deste item, o trabalho de Francisco Carlos Teixeira e Karl Schurster projeta um esquema inovador de exposição, buscando fugir de perspectivas mais tradicionais e conservadoras do estudo do tema II. A austeridade perpassa a apreensão preambular dos preconceitos raciais, para integrar as questões imigratória, sexual, étnica, política, de gênero, classe, entre outras. Isto posto, segue-se um convite a detecção do racismo sistêmico em um cenário mais amplo, por vezes, pautado em um passado colonial. Em todo o caso, é examinada a forte apologia a identidade nacional, em que a discriminação desperta para afugentar àqueles que perturbam a proposta homogeneizante.

O livro permite uma leitura fluida e concisa, no qual é possível compreender a organização da performance fascista a partir de uma tríade assustadoramente carismática: o Nacionalismo, o Militarismo e o Racismo III. Sob o crivo destas premissas, as ideologias ultranacionalistas respaldam o seu furor extremista, manipulando o conjunto simbólico local, as cerimônias cívicas e os movimentos que despontam como sustentáculo ou repulsa ao planejamento estatal. Reporta-se também às mensagens negacionistas ecoadas pelos próprios dirigentes governamentais, as quais detêm o potencial de se converter em atos concretos de hostilidade e de anulação das prerrogativas civis amparadas por lei.

Não raro, é constatado que, mesmo no tempo presente, subsiste a noção de que episódios com aspectos eliminatórios são imbuídos por um panorama hierárquico, no qual a ação genocida derivaria, tão somente, da execução de ordens superiores – suprimindo quaisquer traços nefastos que estes atores possam acomodar. Por esse motivo, salienta-se que a barbárie nada mais é do que o resultado do pensamento atroz conservado no âmago de quem a pratica. Embora manifeste em sua compleição uma patente desumanização, é uma sequela da própria iniquidade humana, em que “o antissemitismo, e o racismo em geral, avançam como o pior inimigo criado pelo homem contra o homem” IV.

Ademais, perfaz-se uma análise de como esse sentimento de aversão atinge, pouco a pouco, níveis maiores de alastramento, o que focaliza o caráter tênue do corpo social em lidar com a diferença. Tal situação encontra-se trivialmente estampada sobre a efígie de uma avaliação ultrajante de grupos tradicionalmente perseguidos, por exemplo os judeus, mulçumanos, LGBT+ e refugiados. Desta feita, a possibilidade de consumar uma cooperação para com as minorias é vetada, ao passo que o clamor suprematista é alvitrado, reproduzindo um imaginário previamente elaborado, assente em um auspicio melindroso destas agremiações.

Como ponto alto de exposição desta apatia, o escrito alude a algumas pesquisas de fôlego realizadas em esfera internacional. A título de exemplo, têm-se aquela finalizada no ano de 2019, que entrecruza dados de 7 países da Europa Ocidental e Central para denunciar não apenas a resistência individual ao acolhimento dos contrastes sociais, mas também os surpreendentes índices que atestam uma incompreensão fenomenológica acerca de eventos traumáticos, como o Holocausto V. Nas alocuções estrangeiras, o esvaziamento de significado é incisivo, o que notabiliza um risco para o firmamento da memória. Todavia, testemunha-se que uma boa fração dos interrogados concordam que a cólera à comunidade judaica fora avolumada hodiernamente, sublinhando a necessidade de oferecer-lhes mecanismos coletivos de defesa.

Analogamente, entende-se que estas imposições marginalizantes envolvem fatores divergentes e suplementares, isto é: uma profunda lacuna nos currículos escolares das ciências humanas e, ao mesmo tempo, no funcionamento de instituições de salvaguarda do testemunho material humano – como os museus – que não encerram um enfoque corpulento neste acontecimento limítrofe. Soma-se a isso, o êxito da campanha persuasiva da Extrema-Direita antissemita VI, a qual, nos últimos anos, experimentou um singular aperfeiçoamento de do seu discurso de ódio no convívio social, baseado no qual erguem-se diversas reuniões para fazer ressoar a sua peçonha dialogal.

Pensando no contexto americano, é registrado que este continente foi um dos pontos medulares na recepção do contingente de judeus desde o século passado, o que não o isentou, entretanto, de propagar o antissemitismo em suas extensões, como é o caso da Argentina, Brasil e Estados Unidos. Neste primeiro, o desprezo dilatou-se, sobretudo, em momento posterior às transgressões cometidas às instituições de representação judaica, em que os meios digitais constituíram um ambiente volátil de ataques contra esse povo. Enquanto que no quadro brasileiro, a forte malquerença possui bases na assimilação de uma antepaixão semítica, alavancada, inclusive, pelo seu achatamento populacional nessa faixa.

Os Estados Unidos aparecem como aquele território em que a abominação ao judeu vem se multiplicando vertiginosamente, o que demonstra que mesmo a coexistência com este grupo não fora suficiente para definir um cotidiano harmônico. De certo, ao contrapor estudos realizados em datas intercaladas, afere-se que o aumento significativo do percentual antissemita é também um efeito colateral do Governo em vigor. A emergência de Donald Trump ao poder trouxe consigo uma prospectiva receosa para os participes desta comunidade, posto que simbolizava o triunfo do extremismo de direita e, simultaneamente, da ira ancestral que esta vertente sustém. Não tardou até que este presságio se transformasse em situações objetivas, “levando os próprios americanos a creditar ao Presidente atos e expressões racistas” VII.

Diante do exposto, os autores chamam atenção para o fato de que o motor deste repúdio não pode ser condensado a uma absorção genuína de fragmentos reducionistas engendrados remotamente. Mas antes, deve-se considerar a sua reorganização, de maneira que não se ausentaram da dinâmica coletiva com o fim do Grande Cataclisma e tendem a ressurgir sob um arranjo diversificado, em que as “Outridades” não são mais catalogadas em um único plano. Com isso, urge a indispensabilidade de uma educação que se queira preventiva, alicerçada na identificação da trajetória fascista em suas múltiplas manifestações.

(Outrossim, é destacada a superficialidade investigativa na qual temas com raízes comuns no Holocausto são conferenciados no ensino superior de Israel. De tal sorte que, assuntos pertinentes como antissemitismo, racismo, Nazismo, Estado e sociedade aparecem mais como uma breve menção para desenvolvimento de teses dedicadas a memória e à identidade judaica do que como uma pauta própria de discussão VIII. A motivação desse empobrecimento especulativo seria, especialmente, o profundo declive que as áreas humanas têm experimentado em proporções universais, o que atesta que esta não é uma adversidade restrita ao território analisado e tal “omissão” irradia o avanço de uma interpretação centralizada da Shoah.

Um quesito importante a ser mensurado sobre esta obra é a ideia de que a violação da dignidade humana, como imagem mordaz do antissemitismo, se esteia em um tratamento obtuso dos conjuntos minoritários, transcendendo a inimizade aos judeus e, coincidentemente, compilando estes “Outros” numa circunstância equivalente de coibição. Aqui, têm-se em mente uma estratégia dual de mutilação da personalidade grupal que, em época de Pós-verdade, exortam um revisionismo histórico e ideológico e, por seu turno, a alienação alheia, revogando as oportunidades de abertura ao diálogo plural.

No campo da narrativa, os organizadores relatam a composição de campanhas de difamação centradas “num Eu coletivado, alegremente assumido como rebanho, contra um Eles, empurrado para o espaço do desprovido de qualidades, o absoluto disfórico, o feio, aquele que é a fonte de todos os males da comunidade e deve ser extirpado” IX. Desse modo, as classes que deturpam a fantasia hegemônica são identificadas e realocadas na posição de antagonistas da nação, a história dos vencedores é reverenciada e conjecturada como oficial, supondo um negacionismo metodológico em que a natureza ou condição daquele que lhe é distinto se anuncia excepcionalmente inaceitável.

Haja vista, a publicação preocupa-se com a convicção autocentrada que tipifica populações como díspares, operando enquanto substância paliativa da insatisfação comunitária com o seu cotidiano. Não é atrativo para estes atores formalizar uma detração a indivíduos isolados, e sim aclimatá-los em coletividades, intensificando, pelo mote do excesso, a alegoria de perigo. Face a esta crise, o desígnio purificador é incorporado, cedendo espaço para supressão do adversário da disposição social. Ao propiciar uma marcha de desagregação das singularidades, processa-se a pulverização de comportamentos antissemitas e, correlativamente, do racismo como elemento estrutural da mecânica fascista, proclamando uma aguda violência alteritária.

O corpo textual estruturado em tópicos proporciona uma identificação mais imediata do que será apontado ao longo da argumentação, indo desde a compreensão da estirpe ultranacionalista até as expressões antissemíticas factuais – nas quais a História têm sido acometida por uma violação direta das peculiaridades comunitárias. Por fim, são pleiteados O Problema e o Método, em que se enfatiza que a permanência destas convenções odiosas é a exteriorização mais contundente da atuação de “micro-fascismos” X em horizontes democráticos. Reflete-se, nesta ocasião, a resignação de uma agressão insidiosa que, por um perfil ubíquo, instala uma exasperação intergrupal.

Em síntese, fazendo jus ao seu título, trata-se de um exemplar bem-acabado, profícuo para a investigação e advertência do antissemitismo em seus numerosos modos de apresentação na atualidade. Com uma explicação objetiva, certifica-se de que maneiras a materialização de uma cronologia negativa embasa a perenidade dos fundamentalismos – agora renovados para envolver novos agrupamentos. Por conseguinte, ocorre a definição dos opositores da supremacia conjuntural, em que as características distintivas portam uma natureza um tanto irreconciliável. Destarte, os estereótipos injuriantes prontificaram a perpetuação de declarações antissemitas, abrigando princípios raciais ao fundo desta malha seccionada em uma soturna dicotomia superior-inferior existente nas relações sociais.

Notas

II Silva, Francisco Carlos Teixeira da. Antissemitismo [livro eletrônico]: uma presença atual / Francisco Carlos Teixeira da Silva, Karl Schurster. – Rio de Janeiro, RJ: Autografia, 2021. p. 11.

III Ibidem, p. 13.

IV Ibidem, p. 22.

V Idem.

VI Ibidem, p. 24.

VII Ibidem, p. 28.

VIII Ibidem, p. 29.

IX Ibidem, p. 31.

X Ibidem, p. 34.


Resenhista

Cinthia Mirelly Gomes Barbosa – Graduanda em Licenciatura em História pela Universidade de Pernambuco/Campus Mata Norte. E-mail: cinthia.mgbarbosa@upe.br


Referências desta Resenha

SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; SCHURSTER, Karl. Antissemitismo: uma presença atual. Rio de Janeiro: Autografia, 2021. Livro eletrônico. Resenha de: BARBOSA, Cinthia Mirelly Gomes. (Des)humanidade em evidência: o multifacetado discurso de ódio do século XXI. Boletim Historiar. São Cristóvão, v. 08, n. 04, p. 93-96, out./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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