Ancient Warfare | Harry Sidebottom
O estudo da guerra tem passado por grandes modificações, nos últimos anos. Na esteira da explosão das identidades e do reconhecimento da diversidade, sob influxo, também, do pós-modernismo, a guerra passou a ser revista. Manifestação de cultura, ela tem sido vista como parte constitutiva da dinâmica social. O estudo da Antigüidade tampouco deixou de ser afetado por tais questionamentos epistemológicos. Sidebottom procura, com esse livro, introduzir o leitor à pletora de discussões em curso, e o faz com imenso êxito. O autor, professor de estudos clássicos em Oxford, demonstra que mesmo temas na aparência tradicionais e eruditos podem ter alta relevância, tanto historiográfica como social e política.
Começa por enfatizar a relevância do tema para os nossos dias, com destaque para a invenção do conceito de “modo ocidental de guerrear”: o desejo de luta aberta, em batalha decisiva, visando à aniquilação do inimigo. Luta conduzida por um exército bem-equipado, sustentado pela infantaria. A batalha deve ser ganha pela coragem, introduzida pelo treinamento e disciplina. Para isso, seriam necessárias a liberdade política e a propriedade, naquilo que se chama “militarismo cívico”. Inventada pelos gregos, teria sido recebida pelos romanos e renascido na modernidade. A invasão do Iraque, apoiada pelo idealizador da tal teoria, assessor de Rumsfeld, Victor Davis Hanson, historiador militar da Grécia antiga, seria o corolário dessa teoria. Seus livros, traduzidos em muitas línguas, entre elas o português, são best-sellers. Mais do que isso, foi um dos grandes responsáveis pelas decisões que levaram às guerras que presenciamos, neste início de século.
Sidebottom trata tal “maneira ocidental de guerrear” não como uma realidade, mas como uma ideologia moderna. Na Ilíada, não há tal maneira de lutar, mas a guerra era uma questão onipresente no pensamento dos antigos. Mostra como Amiano Marcelino, ao escrever no final da Antigüidade, reproduzia um discurso multissecular de oposição entre a disciplina dos civilizados e a turbulência e desordem dos bárbaros. Essas descrições pouco tinham a ver com as batalhas; eram narrativas, inventando a masculinidade (andréia, uirtus). Em seguida, apresenta as teses tradicionais sobre a “revolução hoplítica” e sobre a “crise agrária” na Itália, assim como as críticas dos últimos anos a tais conceitos, para concluir que umas e outras não são “verdadeiras”, ou “falsas”, mas diferentes, resultantes de diversos momentos e contextos históricos e historiográficos.
Volta-se, em seguida, para as teorias antigas sobre a guerra. Ressalta que Heródoto e Tucídides não se preocupavam com a justiça da guerra e que os romanos buscavam a guerra justa, mas tal veredicto só era conhecido post factum, como resultado da luta: se vitoriosa, era justa. Trata da estratégia stricto sensu e da logística, tema pouco explicitado pelos autores antigos, mas capital. Júlio César foi idealizado pelos modernos, em grande parte, por sua mestria logística. A luta em si também é analisada. Alguns calculam, a partir de casos concretos, que morriam em campo 5% dos vencedores e 14 % dos perdedores. Discute as falanges e a legião, instrumentos da coesão militar e social. Trata da marinha, que, à diferença da moderna, nunca podia estar por muito tempo desligada da terra. Os almirantes tinham papel central na batalha e mostram, também neste caso, a importância da ordem (taksis) e da hierarquia, de novo, militar e social. Assim como os generais, os almirantes agem a partir de seus conceitos culturais: não há uma única liderança militar, cujo modelo serviria para os líderes militares em outros contextos. Napoleão, ao ler César, não recria a guerra antiga, a reinventa.
O capítulo conclusivo trata, de forma apropriada, das reinvenções da “maneira ocidental de guerrear”. Lembra que o estupro de massa e a escravização não aparecem no filme “O Gladiador”. Os modernos, como os holandeses desde o século XVI ou os revolucionários franceses do século XVIII, remontam suas práticas e ponderações ao exército republicano romano. O uso, em nossos dias, dos gregos, em sua luta pela liberdade, para justificar a invasão do Iraque, mostra como não podemos nos dar ao luxo de tratar, de forma disjunta, a História de nossos dias da História Antiga (e vice-versa).
Resenhista
Pedro Paulo A. Funari – Professor Titular, Departamento de História, Unicamp, Coordenador-Associado do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE/UNICAMP).
Referências desta Resenha
SIDEBOTTOM, Harry. Ancient Warfare. Oxford: Oxford University Press, 2004. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Diálogos. Maringá, v.10, n.3, 231-232, 2006. Acessar publicação original [DR]