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Análise de Discurso Crítica – MAGALHÃES (B-RED)

MAGALHÃES, I; MARTINS, A. R.; RESENDE, V. M. Análise de Discurso Crítica: um método de pesquisa qualitativa. Brasília: Editora da UnB, 2017. 260 p. Resenha de: ARGENTA, Júlia Salvador. Bakhtiniana – Revista de Estudos do Discurso, v.13 n.1 São Paulo Jan./Apr. 2018.

A obra Análise de Discurso Crítica: um método de pesquisa qualitativa, de Izabel Magalhães, André Ricardo Martins e Viviane de Melo Resende, lançada em 2017 pela editora da Universidade de Brasília, é uma contribuição aos estudos de Análise de Discurso Crítica/ADC, principalmente quanto aos aspectos metodológicos. Sendo uma área de estudo relativamente nova, com sua consolidação nos anos de 1980, a ADC surge como uma teoria e um método capazes de interpretar qualquer texto, superando a Linguística Crítica/LC (MAGALHÃES, 2005)1. Fairclough é um dos precursores deste campo, tendo publicado diversos trabalhos, tanto analíticos quanto teóricos (por exemplo, FAIRCLOUGH, 20032; 20103). Outros estudiosos importantes para a ADC em esfera mundial são Teun A. Van Dijk, Theo Van Leeuwen e Ruth Wodak, para citarmos alguns.

Izabel Magalhães, em seu livro Eu e tu: a constituição do sujeito no discurso médico, publicado em 20004, desenvolveu o termo etnografia discursiva, uma proposta metodológica que une Análise de Discurso Crítica e pesquisa etnográfica. Desde então, orientou diversos estudantes de pós-graduação a adotarem tal método em suas pesquisas. Porém, até agora, não havia sido publicado nenhum livro que abordasse exclusivamente a etnografia discursiva enquanto método da ADC. Por isso, a obra em questão vem para preencher essa lacuna e para contribuir ainda mais com o debate da ADC. Para que isso fosse possível, os autores dividiram o livro didaticamente em três partes: Um método de pesquisa qualitativa para a crítica socialAnálise de Discurso Crítica e etnografia e Um método de análise textual.

Na primeira parte da obra, os autores justificam suas escolhas pela abordagem etnográfico-discursiva em estudos discursivos críticos através da recapitulação dos principais trabalhos desenvolvidos em ADC. Afirmam que, apesar de serem importantíssimos para a ADC, as análises apresentadas são puramente textuais. Para os autores, uma análise mais consistente e válida precisa da etnografia como ponte de acesso a práticas sociais e discursos, permitindo, consequentemente, maior compreensão da produção, distribuição e consumo de textos. “Textos são objetos que constroem significados para as pessoas, relacionando-se com outros objetos do contexto local e mesmo translocal” (p.35). Assim, a ADC não é apenas um campo teórico, mas sim, um método de pesquisa qualitativa capaz de produzir crítica social.

Outro aspecto presente na obra que se faz cabal destacar é que os autores asseveram a necessidade da transdisciplinaridade em estudos discursivos críticos e de se conhecer discussões teóricas de outras áreas a respeito da modernidade tardia, da globalização, do poder, da ideologia (conceitos basilares da ADC) e de outros componentes teórico-sociais que se fizerem relevantes. Ademais, os autores chamam atenção para a urgência de se debater a relação entre linguagem e sociedade, com especial interesse nos efeitos sociais dos textos nas práticas sociais e discursivas. Portanto, a transdisciplinaridade, bem como o debate da relação linguagem-sociedade vão ensejar a articulação eficaz da análise textual com a análise de caráter social, que facilitará, por sua vez, o processo de reconhecer o papel do discurso e de outras semioses na preservação de interesses.

A segunda parte foi dedicada a explicar a abordagem metodológica da etnografia discursiva. Os autores recuperam a discussão de Chouliaraki e Fairclough (1999)5 sobre modernidade tardia, à luz de trabalhos de Giddens, Harvey e Habermas, para elucidar como se faz necessário que entendamos o papel do discurso nessa “nova” conjuntura social. As práticas discursivas são, então, formas de acessar as práticas sociais, para fim de desvelar ideologias e práticas hegemônicas de abuso de poder. A partir do reconhecimento dessa potencialidade das práticas discursivas, elas podem vir a ser utilizadas a favor da igualdade social e da democracia, para conseguir a tão desejada mudança social. Isso quer dizer que a linguagem se constitui como uma forma simbólica de luta. Resgatamos aqui o trabalho de Resende (2012)6, em que afirma que a ADC é um campo teórico-metodológico com especial interesse em examinar o discurso em situações de desigualdades sociais e que possui caráter posicionado, isto é, os pesquisadores assumem parcialidade.

Assim, os autores apresentam a etnografia articulada à ADC como método eficaz para estabelecer ligação entre textos, práticas discursivas e práticas sociais. Essa ligação proporciona a compreensão da estrutura social hegemônica que, por sua vez, molda e constrange tais textos, práticas sociais e práticas discursivas. Como proposta do livro, os autores, então, ensinam a planejar uma pesquisa articulando ADC e etnografia. Eles novamente reiteram a necessidade da inter e transdisciplinaridade nos estudos da ADC e esclarecem que uma pesquisa consistente, capaz de compreender e analisar os dados coletados e gerados, precisa ter decisões ontológicas e epistemológicas e escolhas metodológicas coerentes, que são feitas gradativamente. Primeiramente, são tomadas decisões ontológicas, que estão ligadas ao mundo social (estruturas, práticas e ações sociais e tudo o mais que esteja envolvido nelas), depois são escolhidos aportes epistemológicos, de natureza do conhecimento, a partir dos componentes ontológicos, que, por fim, limitarão as escolhas metodológicas para coleta e geração de dados.

A terceira parte do livro apresenta três análises utilizando o aporte teórico-metodológico da ADC, uma em cada capítulo, com o intuito de ilustrar na prática alguns conceitos, servindo, inclusive, de modelo de como fazer análise de discurso crítica para além da análise puramente textual. Com vistas a não simplificar as análises feitas pelos autores, nem apresentar seus resultados de forma descontextualizada, escolhemos abordar aqui os aspectos teóricos presentes nessa parte. No sétimo capítulo, os autores discutem o termo “democracia” e o que ele implica, bem como apontam que a ADC pode servir de instrumental teórico-prático nas lutas de minorias, e quais aspectos essas lutas devem contemplar para serem eficazes.

Já no oitavo, alguns componentes ontológicos são recuperados, por meio de discussão de conceitos do Realismo Crítico de Bhaskar, adaptados à ADC. Os autores ainda conceituam os termos “práticas sociais” e “discurso”, assim como o que o constitui (estilos, gêneros e discursos – no sentido mais concreto do termo). O intuito é explicitar que nem tudo é discurso nas práticas sociais, pois elas são compostas de outros elementos, tais como crenças, valores, desejos, relações sociais e atividade material. O último capítulo do livro é uma versão do artigo escrito por Izabel Magalhães, ao periódico Linha D’água em 20117. Nele, há a discussão sobre linguagem, poder, letramentos e identidades relacionados a questões de gênero em nossa sociedade, através da análise de uma reportagem cobrindo um gravíssimo caso de violência contra mulher.

De leitura instigante e fluida e de organização didática e gradual dos capítulos, a obra de Izabel Magalhães, André Ricardo Martins e Viviane de Melo Resende, apesar de não ser uma leitura introdutória, certamente atinge a todos os públicos, desde iniciantes nos estudos do discurso, quanto profissionais da área. Sua importância por propor um “novo” método de se fazer pesquisa qualitativa é incomensurável, representando avanços não só metodológicos quanto epistemológicos. Entendemos que a etnografia discursiva já existe há quase vinte anos; no entanto, como dito anteriormente, essa é a primeira obra dedicada completamente a discuti-la, visando sua descrição e ensino, tornando-a acessível a estudantes e pesquisadores de diversas áreas de estudo de todas as regiões do país.

Por ser uma obra tão inovadora, é compreensível que haja lacunas a serem preenchidas e aspectos a serem desenvolvidos. Por exemplo, acreditamos que obras futuras possam dedicar uma seção para a descrição de alguns instrumentos disponíveis para realização de pesquisa etnográfico-discursiva e de algumas posturas que o/a pesquisador/a deve adotar durante a pesquisa de campo. Em outras palavras, sentimos que a discussão de como fazer etnografia discursiva pode vir a ser aprofundada. Por isso, é importante que os mais diversos estudiosos, dos mais diversos campos do conhecimento, leiam o livro e adotem a ADC em seus estudos, para fim de desenvolvê-la, tornando-a cada vez mais transdisciplinar e profícua, contribuindo progressivamente com a mudança social.

Referências

1 MAGALHÃES, I. Introdução: a análise de discurso crítica. In: D.E.L.T.A. vol.21 nº. Especial, São Paulo 2005, p.1-9. [ Links ]

2 FAIRCLOUGH, N. Analysing Discourse: Textual Analysis for Social Research. London: Routledge. 2003. [ Links ]

3 FAIRCLOUGH, N. Critical Discourse Analysis: the Critical Study of Language. 2. ed. Harlow: Pearson, 2010 [ Links ]

4 MAGALHÃES, I. Eu e tu: a constituição do sujeito no discurso médico. Brasília: Thesaurus, 2000. [ Links ]

5 CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in Late Modernity: Rethinking Critical Discourse Analysis. Edimburgo: Edinburgh University Press, 1999. [ Links ]

6 RESENDE, V. M. Análise de discurso crítica como interdisciplina para a pesquisa social: uma introdução. In: Iran Ferreira de Melo. (Org.). Introdução aos estudos críticos do discurso: teoria e prática. 1ed. Campinas: Pontes, 2012, pp.99-112. [ Links ]

7 MAGALHÃES, I. Textos e práticas socioculturais: discursos, letramentos e identidades. Linha D’Água, São Paulo, v.24, n.2, p.41-57, dec.2011. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/linhadagua/article/view/37356/40076>. Acesso em: 25 sep. 2017. [ Links ]

Júlia Salvador Argenta – Universidade de Brasília – UnB, Brasília, Distrito Federal, Brasil; julia.argenta@gmail.com.

Itamar Freitas

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