A pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2 (COVID-19) inseriu a humanidade em uma profunda crise sanitária, socioeconômica e psicológica, cujos efeitos políticos se demonstram imprevisíveis. O pânico decorrente da possibilidade de contração da doença afetou o bem-estar individual e coletivo, ao mesmo tempo em que gerou diversas preocupações com o futuro. Esse mal-estar, de uma sociedade sem horizonte de expectativas, levou a diversas crises no modelo de representação, das instituições políticas e das formas de organização social.
Paralelamente a este processo, a COVID-19 fortaleceu críticas às práticas econômicas neoliberais, acentuando as disparidades econômicas entre os países que compõem o sistema internacional. Ao mesmo tempo, o vírus expôs as profundas desigualdades sociais, em especial em países da América Latina, Caribe e África. A pandemia deixou em evidência, para parcelas da sociedade civil, as mazelas que envolvem o dia a dia dos segmentos sociais pauperizados, como ashabitações precárias, que tornaram o distanciamento social irrealizável, até mesmo desumano, ou os deletérios efeitos da informalidade no mercado de trabalho.
Na América Latina e Caribe, relatórios preliminares sobre os efeitos sociais e econômicos da pandemia, organizados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a CEPAL, projetaram cenários desalentadores. Vislumbram-se retrações de até 23% no Comércio Internacional, 9,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e o PIB per capita regional deve retroceder aos patamares do ano de 2010, ocasionando, assim, uma nova década perdida. A pobreza e a extrema pobreza devem elevar-se, respectivamente, em 7,1% e 4,5%. Com isso, em torno de 327 milhões de latino-americanos (52,8% da população local) estarão na condição de extrema pobreza ou pobreza ao fim de 2020.[1]
A pandemia também impactou as Relações Internacionais. O cooperativismo e o multilateralismo consistiram em um dos seus efeitos, como observamos no apoio às iniciativas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate à pandemia. No entanto, em paralelo, notamos uma ampliação das disputas entre as potências internacionais. A “corrida global” para a descoberta de uma vacina, o fortalecimento da autonomia do Estado-Nação e o robustecimento das tensões entre norte-americanos e chineses, causadas pela narrativa de Donald Trump acerca da “cupabilidade chinesa” pela pandemia, evidenciaram isso.
O Sars-Cov-2 demonstrou os efeitos da racionalidade moderna, impulsionada pelo neoliberalismo e globalização, que submeteu as sociedades globais à espoliação, à reprodução do capital e a um desprezível individualismo. Assim, esse dossiê, que atesta os esforços das Universidades em entender o complexo presente, buscará debater os múltiplos impactos econômicos, sociais, políticos, psicológicos, educacionais e culturais causados pela pandemia nos dez artigos que o compõem.
Em Pandemia e Cosmovisões – Solidão, Medo e Morte Maria Teresa Toribio Brittes Lemos realiza um breve histórico das epidemias a partir de uma narrativa que percorre suas ocorrências da Antiguidade à COVID-19. A autora ressalta sentimentos, como a angústia, o medo e a solidão, ocorridas em outros momentos pandêmicos da história da humanidade e destaca os efeitos desses eventos nas memórias coletivas e nos imaginários sociais com o intuito de observar possíveis sequelas, individuais e coletivas, da atual pandemia para as nossas sociedades.
Johannes Maerk, em Será la pandemia de Covid-19 el fin del neoliberalismo?, aborda os impactos socioeconômicos e políticos da crise da década de 1929 nos países ocidentais, a teoria keynesiana e o modelo de Indústrias de Substituições de Importações (ISI). Ademais, o artigo analisa as motivações para a implementação das práticas políticas e econômicas neoliberais a partir da década de 1970 em diversos países e traz pertinentes reflexões sobre a possibilidade de surgimento de um modelo alternativo a este, em virtude dos impactos econômicos e sociais da atual pandemia.
No artigo América Latina e os Impactos Estruturais Ocasionados pela Covid-19, Paulo Maurício do Nascimento abordou os resultados estruturais da pandemia em nível global e, em especial, na América Latina e Caribe. Destacam-se a abordagem acerca das suas consequências econômicas e as ações governamentais adotadas nos seguintes países: Argentina, Brasil, Costa Rica, Equador, México, Paraguai e Peru.
Oscar Barboza Lizano, em Disputas Imperiales: Mirares de la pandemia COVID-19 desde Centroamérica, avaliou os impactos comerciais, políticos e diplomáticos decorrentes da pandemia. O artigo tem o mérito de analisar os seus efeitos nos espaços centro-americanos e caribenhos, além de tecer breves considerações sobre as conjunturas de países que enfrentaram recentemente um ciclo de instabilidade política, como Bolívia e Chile. Além disso, há uma importante avaliação das disputas entre China e Estados Unidos no sistema internacional, aspecto este relevante em virtude da recente guerra comercial entre as duas superpotências.
Alberto Dias Mendes, em Pandemia, Cuba e a revolução solidária, avalia as repercussões da COVID-19 na China, Europa e na América Latina e Caribe a partir de uma minuciosa comparação entre o número de casos e óbitos em países selecionados entre março e setembro de 2020. O autor localiza, ainda, a pandemia e os seus efeitos como parte de uma crise civilizatória e ressalta o papel das Brigadas Médicas Henry Reeve no combate interno ao vírus e em ações de solidariedade internacional.
Em A pandemia da COVID-19 e as mudanças na atuação docente: o trabalho em casa como (falta de) estratégia didática, José Lúcio N. Jr e Patrícia Mª P. do Nascimento abordaram os efeitos da pandemia na prática docente e na sala de aula. Ressalta-se a importante diferenciação entre o Ensino à Distância e o Ensino Híbrido, este imposto à prática docente em decorrência da pandemia e que é baseado na ampla utilização de Novas Tecnologias da Informação e Comunicação, aos quais grande parte dos docentes não estava (ou está!) habituada. O trabalho tem o mérito de trazer pertinentes reflexões para educadores e setores da sociedade civil que, hoje, preocupam-se com os rumos da educação brasileira, sobretudo do setor público, em um momento de inviabilidade de aulas presenciais e de acefalia do Ministério da Educação.
André Luis Toribio Dantas, em Educação Remota em um contexto pandêmico: Isonomia e Universalidade – Educação Pública/RJ, examinou os impactos da COVID-19 na educação pública do Estado do Rio de Janeiro. As dificuldades de implementação do Ensino Híbrido motivadas, entre outras razões, pelo não acesso dos estudantes à internet e plataformas digitais, e os resultados da suspensão das aulas presenciais na comunidade escolar estiveram entre alguns dos elementos que compuseram as pertinentes reflexões do autor sobre as repercussões da pandemia no ensino público.
No artigo Povos Indígenas do Brasil: Um novo capítulo de uma velha história, Aimée Schneider Duarte avaliou os efeitos da COVID-19 sobre as populações indígenas brasileiras e as medidas implantadas pelo governo de Jair Bolsonaro na mitigação dos impactos da pandemia sobre os nossos povos originários. Igualmente, há uma análise histórica da participação indígena e dos seus apologistas na Constituinte de 1987-1988 e algumas medidas legais implantadas para a sua proteção.
Em Possíveis cidades pós-pandêmicas: COVID-19 e a passagem da cidade modernista à cidade “não moderna”, Rodrigo Agueda analisou as consequências sociais da pandemia e as suas possíveis influências no meio urbano. O artigo aponta que os aspectos excludentes das grandes cidades devem permanecer, apesar de, mundialmente, existirem debates relevantes acerca do aproveitamento do contexto pandêmico para se debater mobilidade urbana e organização espacial das cidades.
Anderson Barbosa Paz em O Papel dos Estados da América Latina em Tempos de Pandemia Global a partir do pensamento de John Keynes examinou alguns elementos da teoria keynesiana e a importância de existência de políticas públicas para mitigar os efeitos da pandemia entre as populações latino-americanas.
1. As informações aqui inseridas foram retiradas do Observatorio COVID-19 en América Latina y el Caribe – Impacto económico y social. Disponível em: https://www.cepal.org/es/temas/covid-19. Acesso: Nov/2020.
Érica Sarmiento – Professora adjunta de História de América da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bolsista Produtividade CNPQ nível 2, pesquisadora Jovem Cientista Nosso Estado-FAPERJ (2014-2017; 2017-2020). É coordenadora do Laboratório de Estudos de Imigração (Labimi) e coordenadora do mestrado do Programa de Pós Graduação em História (UERJ). Pós-doutora pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em história pela Universidade de Santiago de Compostela na área de América e Contemporânea. Foi Professora visitante no Instituto de Estudos da América latina (ILAS), Universidade de Columbia (Nova York) e na Universidade de Santiago de Compostela.
Karl Schurster – Professor Livre Docente da Universidade de Pernambuco. Pós Doutor pela Freie Universität Berlin. Organizou juntamente com Francisco Carlos Teixeira da Silva e com Francisco Eduardo Alves de Almeida a obra Atlântico: a história de um Oceano (Civilização Brasileira), vencedora do prêmio jabuti (2º lugar em Ciências Humanas 2014). É professor permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de Pernambuco. Foi bolsista do Instituto Yad Vashem em Jerusalém/Israel (2014) onde desenvolve pesquisa sobre a memória do Holocausto, recebendo nova bolsa de estudos em 2018. É Diretor de Relações Internacionais, exerce a coordenação científica da EDUPE/UPE e é Coordenador Acadêmico do Mestrado Profissional em Ensino de História/ProfHistoria – UPE.
Rafael Araujo – Professor Adjunto de História da América da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC)/UFRJ. Doutor em História pelo PPGHC/UFRJ (2013). Participa como historiador convidado do projeto “1914-1918-online. International Encyclopedia of the First World War” organizado pela Freie Universität e pelo Friedrich-Meinecke-Institut. Membro do Grupo de Trabalho (GT) de Ensino de História e Fontes da ANPHLAC. Pesquisador associado ao Laboratório de Estudos da Imigração (LABIMI)/UERJ e ao Grupo de Estudos Sociocultural da América Latina da Universidade de Pernambuco (UPE).
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