América Latina /Esboços / 2008
No dia 15 de fevereiro de 1857, El Correo de Ultramar, periódico literário editado em Paris [1], publicava o poema Las dos Americas do poeta, escritor e diplomata colombiano José Maria Torres Caicedo (1830 – 1889). O veemente poema, composto de X cantos, 36 estrofes e 318 versos, expressa o panorama político das Américas de meados do século XIX: o fortalecimento dos Estados Unidos da América como nação autônoma e poderosa e a necessidade dos recém-independentes países ao Sul do continente de unir-se para fazer frente ao vizinho “lleno de ambición” e à Europa onde “domina el despotismo”. No transcorrer do poema, referindo-se aos Estados Unidos o poeta diz “la sajona raza” e para referir-se aos países do Sul, o poeta inova. Prestemos atenção ao quinto verso do canto IX:
Mas aislados se encuentran, desunidos,
Esos pueblos nacidos para aliarse:
La unión es su deber, su ley amarse:
Igual origen tienen y misión;
La raza de la América latina,
Al frente tiene la sajona raza,
Enemiga mortal que ya amenaza
Su libertad destruir y su pendón. [2]
Segundo analistas, esta foi uma das primeiras vezes que se utilizou a expressão América Latina. A diplomacia francesa passou a adotar essa denominação para designar o que então se chamava América Portuguesa e Espanhola, para desenvolver a sua política panlatinista e em contraposição aos interesses do mundo anglosaxão. A partir de então, a expressão e a idéia de América Latina [3] começam a ser difundidas e instrumentalizadas como projeto político; convém ressaltar, todavia, que a necessidade de união dos países sulamericanos/latinoamericanos se anunciava já em fins do século XVIII ganhando forças ao longo do século XIX. O poema de Torres Caicedo evidencia uma das muitas faces das interseções da história com a literatura, neste caso com a poesia.
Desde suas independências, aproximadamente entre 1810 e 1830, o que se convencionou chamar de América Latina passou por acentuadas transformações no panorama político e cultural, com a consolidação dos Estados Nacionais, com revoluções paradigmáticas como a Revolução Mexicana e a Cubana, com governos que marcaram indelevelmente a memória coletiva do continente (peronismo, varguismo e cardenismo), os golpes de Estado civis/militares e a resistência armada, além de importantes movimentos de vanguarda (com revistas, manifestos e obras literárias em prosa e verso, cinema, artes visuais, música) que integraram a unidade/diversidade da região [4] .
Com o intuito de somar-se às comemorações do bicentenário da independência dos países latinoamericanos, a Esboços – Revista do Programa de Pós-Graduação em História, publica o presente dossiê. Os autores – pesquisadores ligados à Universidades brasileiras e à Universidades do Paraguay, Argentina, Estados Unidos, República Tcheca e França – lançaram mão das artes visuais, das relações internacionais, da literatura, das relações de gênero, dos movimentos sociais, das conexões culturais, para questionar sob diferentes linhas téoricas, a história de Nuestra América. Completam o volume, quatro resenhas que refletem sobre as discussões no âmbito da renovação das práticas historiográficas. Como uma colaboração especial à Esboços, contamos com o ensaio de Sérgio Medeiros, tradutor para o português do Popol Vuh, o livro dos “ vários começos e que, por isso, é o livro dos começos, ou dos devires numerosos”.
Esperamos contribuir para a divulgação das pesquisas sobre a história do continente e adiantamos ao leitor, a partir do ensaio que abre este volume, o prazer de alcançar os versos,
X u riq nabe ‘u bi,
Xa q’u zkakin chik x ch’atah vi.
Xere ma vi x u biih chik
U bi ri, u hunal puvil u chi,
Xere pu x ch’atah chi vi.
Notas
1. O jornal/revista literária foi editado entre 1842 e 1886. Segundo estudo de Catherine Sablonniere, a linha editorial adotava uma postura conservadora mas que destoava de alguns dos artigos nele publicados; circulou nas Américas e na Europa e chama a atenção o longo período de duração do jornal para a época, o que carateriza um fiel público leitor e um suporte financeiro razoável. Cf. SABLONNIERE, C. “El Correo de Ultramar (1842-1866) y la ciencia: entre la labor educativa y la propaganda política” in http://historiadoresdelaprensa.com.mx/hdp/files/272.pdf
2. A íntegra do poema está disponível em: http://www.filosofia.org/hem/185/18570215.htm
3. Também como contraposição a América anglosaxona Cf. PHELAN, J. “El origen de la idea de Latinoamérica” in ZEA, L. (comp.) Fuentes de la cultura Latinoamericana. v. I. México: Fondo de Cultura Económico, 1995.
4. Cf. SCHWARTZ, J. Vanguardas latino-americanas: polêmicas, manifestos e textos críticos. São Paulo: EdUSP, 2008.
Ana Brancher
Maria de Fátima Fontes Piazza
Organizadoras
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