América Colonial em imagens / Domínios da Imagem / 2015

Os editores da Domínios da Imagem têm o prazer de apresentar aos leitores o resultado desta edição número 17 da Revista. Nela, estão os oito artigos que compõem o Dossiê “América Colonial em imagens”, além de outros cinco artigos e uma resenha. Uma fértil edição, em especial no que toca aos interessados na história da América Latina, tanto em seu contexto colonial, quanto oitocentista e contemporâneo.

O desafio de fazer um dossiê sobre imagens da – e na – América no período colonial foi estimulante e recompensador. Desde o início, a proposta apontava para as vastas possibilidades de recortes e abordagens e, acreditamos, elas estão de fato bem refletidas nesta coletânea. Os estudos de América Colonial têm crescido visivelmente no Brasil, mas a produção ainda segue em menor escala se compararmos com os estudos contemporâneos. De qualquer forma, associações de pesquisadores e redes de laboratórios de pesquisa se multiplicaram nos últimos anos para agregar e reunir os envolvidos com a temática colonial na América. Nesse sentido, ao par dos congressos e simpósios, tão oportunos ao encontro e ao debate acadêmicos, a publicação de um dossiê também serve, sobretudo, para congregar os pesquisadores e apresentar novos trabalhos e diferentes perspectivas.

É este o espírito deste dossiê: agregar diversos trabalhos de pesquisa, de temporalidades e espacialidades distintas. O importante fio condutor é a imagem, em suas múltiplas dimensões, da América Colonial. O ícone pictórico ou escultórico, a cartografia, a gravura ou o retrato, foram imagens que muito circularam pelo continente americano e pela Europa, num tempo de encontros culturais, marcado pelas traduções e mestiçagens; e num tempo de descobertas, refletido nos mapas que redefiniam as representações do mundo, e nos desenhos de fauna e flora de uma natureza surpreendente, pintada, muitas vezes, de modo nada despretensioso.

O primeiro artigo, de Flavia Galli Tatsch, discute exatamente a circularidade de imagens. Neste caso, apresenta a forma como gravuras flamengas serviram de modelo para obras de artistas do território do ViceReino do Peru, especialmente nos séculos XVI e XVII. Os exemplos americanos apresentados, inspirados em gravuras flamengas, fiéis representantes de tradições temáticas e técnicas europeias, revelam como estas imagens – fundamentais na conformação de um repertório iconográfico para os artistas locais – escapavam, e muito, de uma mera reprodução ou imitação. As imagens em solo americano ganhavam novas interpretações e traduções conforme as mais diversas variáveis, como os patrocinadores, o público ou os espaços onde seriam expostas. Legitimados nos modelos, incorporavam traços da criatividade e inventividade locais.

Ainda na temática da circulação e na busca de modelos para composição de material imagético, podemos situar o artigo de Andréa Doré, que analisa a representação da América num dos mapas murais de Willem Jansz Blaeu, de 1608. A análise percorre o universo de fontes utilizado pelo artista, mostrando a recorrência e credibilidade de diversos relatos sobre a América no cenário europeu. Como parte da rica escola cartográfica holandesa dos séculos XVI e XVII, o mapa em questão é problematizado também em suas escolhas, seleções e hierarquizações na representação de nativos e cidades do continente americano.

O texto a seguir, de Jorge Victor de Araújo Souza, discute diversas representações imagéticas da América no período do Renascimento europeu. A análise, especialmente de frontispícios e gravuras de livros, discute as noções de reciprocidade e dádiva como forma de explicitar as hierarquias nas maneiras pelas quais a América foi representada. O autor compreende o tema como uma “tópica”, na qual pode-se perceber o papel do continente americano no contexto dos impérios coloniais e também desvelar um universo de expectativas, imagens pré-concebidas, experiências e práticas que pautaram as relações entre a Europa e América entre os séculos XV e XVIII.

O quarto artigo do dossiê traz o trabalho de Jacqueline Ahlert sobre a presença de um complexo universo de representações imagéticas no espaço missioneiro dos jesuítas da Província do Paraguai. A análise percorre a larga temporalidade desta presença, e a organização do espaço, para refletir sobre as formas de produção de esculturas, pinturas, estampas e medalhas pelos artesãos indígenas – quase sempre anônimos – que trabalhavam nas oficinas sob inspiração dos mestres jesuítas. O texto discute as mediações e traduções sofridas pelas representações da iconografia cristã no contexto das missões e problematiza a articulação destas imagens no espaço e nos seus usos e sentidos.

Já no contexto da América Portuguesa, e na temporalidade da transição da Monarquia Hispânica, temos o texto de Kalina Vanderlei Silva, que se debruça sobre as imagens – textuais e visuais – construídas na segunda metade do século XVII sobre o Governador Geral do Brasil e Conde de Alegrete, Matias de Albuquerque. Na análise deste personagem que transitou da lealdade aos Habsburgo ao juramento aos Bragança, o trabalho busca revelar as conexões existentes entre as elites açucareiras do Nordeste brasileiro com o cenário cortesão ibérico. A composição do modelo de herói fidalgo, perfeitamente ajustado ao período, torna-se um dos terrenos ideais nos quais a autora trafega para mostrar como a construção de retratos discursivos e iconográficos tinha forte sentido legitimador para estas elites americanas.

Ao avançarmos pelo século XVIII, temos o artigo de Juan Ricardo Rey-Márquez, que apresenta uma análise do uso do desenho na Expedição Botânica do Novo Reino de Granada, comandada por José Celestino Mutis. Para tanto, o autor discute o conceito de representação no contexto da ilustração e das viagens de exploração naturalista. A força e a importância da representação visual da flora são problematizadas de forma a colocar em perspectiva os debates sobre a capacidade destas imagens ajudarem no conhecimento efetivo da natureza. As escolhas e posições de Mutis são explicitadas no texto, mostrando inclusive a necessidade de complementaridade entre o visual e o escrito no processo de conhecimento da realidade desenhada.

O período setecentista tem ainda dois artigos analíticos sobre a riquíssima realidade imagética das Minas Gerais. Kellen Cristina Silva apresenta um estudo iconográfico da pintura do teto da igreja de Nossa Senhora do Rosário, na cidade de Prados. A imagem – aqui vista como encarnação dos medos e temores, no contexto de um certo imaginário religioso ibérico e também mestiço – é analisada numa operação comparativa com a obra teatral de Ariano Suassuna e a cinematográfica de Guel Arraes, para refletir sobre permanências da mentalidade devocional, do medo da morte e da concepção de Juízo.

O artigo de Tércio Veloso discute a formação das cidades coloniais na América portuguesa e analisa o caso da cidade de Mariana, erguida no contexto da mineração do ouro no atual estado de Minas Gerais. O autor cruza o riquíssimo debate historiográfico sobre as cidades coloniais na América, com duas representações iconográficas produzidas no século XVIII, especificamente duas “plantas” urbanas. O trabalho busca compreender como as cidades se movimentam e respondem muito mais às questões e anseios locais do que a determinações ou projetos apriorísticos.

Terminado o dossiê sobre o período colonial, ainda permanecemos, contudo, em território latino-americano. O artigo de Bruno Pereira de Lima Aranha analisa relatos de viagem produzidos pelos argentinos Juan Bautista Ambrosetti e Florencio de Basaldúa, que partiram de Buenos Aires em direção ao território de Missiones, no nordeste argentino, no final do século XIX. O texto faz uma discussão sobre as representações iconográficas da natureza regional e as relações que estas possuíam com a construção dos símbolos de identidade nacional argentina, colocando em perspectiva os ideais de natureza e civilização.

Já o século XX latino-americano surge no artigo de Júlia Glaciela da Silva Oliveira, que discute o chamado “artivimo urbano” no palco das lutas políticas feministas de Brasil, Argentina e Bolívia. A militância através das múltiplas possibilidades artísticas e das performances em diversos cenários, é analisada numa perspectiva comparativa e inserida nas profundas discussões identitárias inauguradas pelos movimentos sociais no final do século XX.

Ainda na seção “Artigos Gerais”, temos textos que tratam das imagens em diversos contextos culturais. O artigo de Thiago Costa problematiza o pitoresco como modelo artístico específico, envolvido numa longa e múltipla construção estética e teórica. O texto mostra como o pitoresco caiu no gosto oitocentista e o papel fundamental que o pastor anglicano William Gilpin teve em sua difusão e formatação desde o século XVIII.

O artigo de Marta Cordeiro apresenta o corpo como uma construção imagética, muitas vezes deslocado da realidade, e inspirado nos exemplos das celebridades reiteradamente divulgados através da mídia. Visualizam-se as relações entre espectador e imagem e as projeções dos indivíduos sobre os modelos das celebridades.

O último artigo, de Luiz Gustavo Soares Silva, discute as relações entre as representações do período medieval e a cultura da mídia através do estudo de caso do videogame Assassin´s Creed, lançado em 2007. O autor utiliza teorias do cinema para resgatar o diálogo entre a representação histórica e o contexto de produção.

Para fechar esta edição, temos a resenha de Amanda Cieslak Kapp e Tiago Bonato, sobre o livro de Mauricio Nieto Olarte (Las máquinas del império y el reino de Dios, 2013), e o papel da comunicação, em sentido amplo, na estruturação dos impérios globais ibéricos.

As imagens e suas formas de análise constituem foco central da Revista. Neste número, o leitor pode conhecer mais a fundo o papel fundamental jogado pela imagética nas relações sociais, políticas e culturais nas Américas nos períodos colonial e independente, bem como apreender sua importância nas diversas instâncias, das artes às mídias, em contextos os mais variados, da época moderna à contemporaneidade.

Esperamos que a diversidade de temas e abordagens agrade ao leitor!

José Carlos Vilardaga – Doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de História da América na UNIFEST.


VILARDAGA, José Carlos. Apresentação. Domínios da Imagem, Londrina, v. 9, n. 17, jan/jun, 2015. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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