Amazônia e Defesa Nacional. | Celso Castro

Após o regime militar brasileiro (1964-1984), a Amazônia ganhou importância nas discussões sobre defesa nacional, com destaque para o projeto Calha Norte em 1985 e na década seguinte o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Tal livro pretende contribuir com os estudos sobre Amazônia e defesa nacional no meio acadêmico civil. Com a nova realidade e as novas posturas estratégicas sul-americanas (como uma maior presença e interferência dos Estados Unidos e as atenções voltadas para a Amazônia internacional, assim como a diminuição das preocupações estratégicas brasileiras com a Argentina), torna-se necessário mais estudos abrangendo tais temas, principalmente devido à importância atribuída à região amazônica.

No primeiro capítulo (As Forças Armadas Brasileiras e o Plano Colômbia), João Roberto Martins Filho disserta como a questão sobre defesa da Amazônia ganhou força após o final da Guerra Fria e a criação no Brasil do Ministério da Defesa em 1999, mesmo ano da implantação do Plano Colômbia. O autor afirma que o Brasil se viu obrigado a voltar suas preocupações para a defesa das fronteiras e aos conflitos em território colombiano. A postura do Ministério da Defesa reafirmou a não-interferência brasileira no combate ao narcotráfico na Colômbia, fato esse que passou a ser visto pelas autoridades brasileiras como um assunto de segurança e não mais de defesa, pois o tráfico de entorpecentes é encarado no Brasil como um problema interno, de responsabilidade policial e não militar, não cabendo a outros países intervir nesse tipo de assunto. Tal decisão ganhou força principalmente devido aos interesses e pressões norte-americanos para que o Brasil reconhecesse as guerrilhas colombianas como grupos terroristas e realizasse ações militares em território colombiano.

As preocupações do novo Ministério com a defesa parecem, segundo o autor, ter articulado de uma forma mais coerente as preocupações com a região amazônica e a política externa do país. Analisando as várias audiências e debates realizados, o autor mostra que as percepções de ameaça à soberania nacional dão maior ênfase às ações norte-americanas na região andina, e não mais às idéias vagas sobre inimigos e invasores poderosos. A postura adotada pelos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro de 2001 também contribuem para o aumento das preocupações brasileiras nesse aspecto.

O autor ainda analisa as discussões realizadas com o ministro da defesa e as autoridades brasileiras no período, pois com a ajuda financeira e militar do Plano Colômbia para combater o narcotráfico, surgiram também pressões para que o Brasil assumisse uma postura mais de acordo com os interesses norte-americanos (como uma intervenção militar direta).

Martins Filho ainda mostra as poucas mudanças no quadro estratégico-militar no governo Lula e chama atenção para o Decreto n° 5484 de 30 de julho de 2005, que teria reforçado a importância estratégica e de biodiversidade da região, dando mais atenção à Amazônia brasileira e ao Atlântico Sul como sendo as duas regiões prioritárias para a Defesa Nacional. Na última parte do texto, Martins Filho ainda procura novas perspectivas para a solução do conflito na fronteira sem a intervenção direta do Exército brasileiro no país vizinho, porém tais ações e idéias devem levar em consideração a instabilidade e a complexidade do problema analisado.

O segundo capítulo, assinado por Celso Castro e Adriana Barreto de Souza, analisa a questão da presença e defesa da Amazônia em um contexto em que compara as tradições simbólicas (e em alguns casos anacrônicas) sobre a presença militar na região. A Defesa Militar da Amazônia: Entre História e Memória propõe uma análise histórica sobre os militares luso-brasileiros que atuaram na Amazônia nos séculos XVII e XVIII tentando identificar as especificidades da organização militar no período. O objetivo do texto é mostrar que as idéias construídas pelo Exército de que os militares são os principais defensores da soberania nacional, atuando na região desde o século XVII caem por terra diante de uma análise histórica mais detalhada.

O processo de “modernização” do exército só teria ocorrido em Portugal a partir de 1757 com as reformas do Marquês de Pombal, pois até então vigorava um outro modelo, segundo os autores ainda mais arcaico, caracterizado pelo amplo poder político e militar da nobreza, numa espécie de exército particular. Portanto, uma das primeiras constatações dos autores é que as primeiras expedições realizadas na Amazônia eram militares, porém não obedeciam a um exército oficial, que no século XVII inexistia em Portugal, constituindo-se em muitos casos de grupos armados multinacionais. Um primeiro modelo do Exército português só teria sido criado em 1641.

Essas primeiras expedições, caracterizadas como exploratórias, ainda tinham o intuito de acabar com tensões entre líderes locais. Vale lembrar que tais expedições ocorreram sob o domínio espanhol até 1640 e que o Tratado de Tordesilhas ainda vigorava.

O texto ainda discute a figura do capitão-mor Pedro Teixeira, visto pelo Exército brasileiro como símbolo da luta pela ocupação da Amazônia. Os autores defendem que na grande maioria dessas expedições não há sentimento de soberania ou heroísmo entre seus personagens, mas simplesmente cobiça e luta pelo poder. Sobre as representações simbólicas, os autores afirmam que são apropriações de espaços e tempo passados vistos de uma maneira presentista. Atores sociais como os militares teriam ligado fatos passados e futuros para melhor construção da sua identidade.

Em Presença Militar na Amazônia: A Visão do Poder Legislativo, Adriana A. Marques inicia o capítulo argumentando que a maioria dos estudos sobre relações civil-militares mostra a inoperância do poder Legislativo brasileiro, com uma certa fragilidade dos partidos políticos e a falta de interesse da população durante as campanhas eleitorais no que se refere à Defesa Nacional. Como um passo importante para tentar mudar esse quadro, a autora lembra a criação em 1996 uma comissão permanente de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) na Câmara dos Deputados e a CRE no Senado, constituindo-se em espaços para a discussão de assuntos relacionados às Forças Armadas e a Defesa Nacional, com a presença de um pequeno número de congressistas.

Adriana Marques faz um levantamento dos programas de governo da maioria dos partidos brasileiros, mostrando que em 2002 muitos desses partidos políticos seguiram a tendência de ampliar os espaços e discussões referentes à Defesa Nacional e reformularam suas propostas sobre as Forças Armadas e a Amazônia que vinham sendo construídas lentamente nas últimas décadas.

A autora ainda acrescenta que na visão de muitos desses senadores e dos próprios militares, estes ainda são vistos como “detentores legítimos de bens simbólicos como o patriotismo e o zelo pelos interesses nacionais do país”, porém chama a atenção para a procedência e qualidade das informações discutidas entre os políticos. A autora conclui argumentando que para o Poder Legislativo, o Exército desempenha um papel fundamental na região amazônica, tanto externamente (proteção contra países invasores) quanto internamente, com os serviços assistenciais prestados na região.

Já em Projeto Calha Norte: A Amazônia Segundo a Política de Defesa Nacional, Durbens Martins Nascimento parte do pressuposto de que a atuação do Estado é positiva no combate às atividades ilegais na fronteira Amazônica e os processos de integração têm estimulado a presença militar na região abrangida pelo Calha Norte. Para tanto, o autor debate a influência da doutrina de segurança nacional (DSN) no Calha Norte, a tentativa histórica do poder central em controlar os conflitos e problemas fronteiriços, a análise das políticas governamentais e o contexto para os investimentos no Projeto Calha Norte (PCN) durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, com a elaboração da nova doutrina de segurança nacional, a percepção dos militares quanto à questão ambiental no seu discurso sobre legitimação das ações militares e a Lei do Abate (Lei 9614 de 5 de março de 1998) como medida preventiva e repressiva contra as ações ilícitas como o tráfico de entorpecentes e contrabando.

O autor conclui que para situar a Amazônia no pólo estratégico, atribuíram-lhe potencialidades e valor aos seus recursos naturais, à grande reserva de água doce e à questão ambiental, abrangendo o grande potencial comercial em matérias-primas e reservas, defendendo a sustentabilidade da fauna e da flora amazônica.

Humberto J. Lourenção inicia o quinto capítulo mostrando que o processo de concepção e implantação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), sofreu grandes polêmicas, principalmente por parte dos cientistas brasileiros, militares e alguns parlamentares. Em O Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam): Velhas Controvérsias, Novos Desafios, a opinião do autor é que atualmente, já implantado, o Sivam apresenta novos desafios que devem ser melhor analisados pelo governo federal.

O programa ainda deve abranger itens como a assistência à população local (principalmente indígena), desenvolvimento da economia sustentável com melhorias econômicas e sociais, proteção da biodiversidade, recursos hídricos e combate à degradação do meio ambiente, além do combate ao contrabando e tráfico de drogas.

Entre as principais críticas ao projeto, encontra-se a controvérsia sobre a importação de tecnologia, o que segundo os críticos deixava de lado o conhecimento tecnológico nacional, além da possibilidade do vazamento de informações relativas à defesa e soberania do país, podendo acarretar em vulnerabilidades estratégicas. Outra crítica seria que o Sivam, depois de instalado, não seria eficiente caso não fossem investidas verbas em outros setores, como políticas sociais para o combate do narcotráfico e reestruturação da Polícia Federal.

A conclusão de Lourenção é de que é necessário maior investimento no Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia), bem como a presença de parcerias com universidades e centros de pesquisa que devem ser bem vistos pelo governo federal, dando total importância para a participação da sociedade civil, estados, municípios e universidades, além de entidades governamentais ou não-governamentais, para que se consiga maior proveito, enriquecimento e desenvolvimento das informações obtidas pelo Sivam.

No sexto e último capítulo, chamado O Exército e a Amazônia: Uma Análise de Monografias da Eceme (Escola de Comando e Estado-Maior do Exército), Piero de Camargo Leirner argumenta que a questão da Amazônia é analisada quase que totalmente como sendo militar, portanto, o autor busca compreender a apropriação militar da Amazônia, ou seja, que sentido é dado à situação amazônica pelos próprios militares, utilizando as monografias produzidas na Eceme.

Leirner mostra que entre 1965 e 1993 a predominância de assuntos nessas monografias são de origem endógena (voltada para assuntos do Exército), com exceções para os anos de 1970 (pela construção da Transamazônica) e 1992 (ano da Eco-92). No período de 1994-2000 os números também mostram a superioridade de trabalhos classificados como endógenos. O autor ainda faz uma breve análise da hierarquia militar na tentativa de compreender melhor o modo de agir e pensar dos soldados.

Leirner lembra que embora as monografias sejam trabalhos individuais, os alunos da Eceme não têm total liberdade para escolher os temas. Deve-se considerar, portanto que não é possível identificar exatamente o discurso do Exército, visto que as escolhas são condicionadas e alguns trabalhos não podem ser consultados por civis sem autorização.

O autor identifica o grande número de trabalhos endógenos como sendo um movimento de alto grau de profissionalização entre os oficiais. Já o Exército assume publicamente a questão amazônica como prioritária, com um movimento histórico constantemente reinventado internamente, mas o pequeno número de trabalhos sobre o assunto parece mostrar uma outra realidade.

Leirner supõe que há de fato uma separação entre o discurso direcionado para o público civil e militar, inclusive no quadro de representações dentro da corporação, construindo um imaginário, um aparato simbólico que separe o mundo interno e externo. O autor conclui dizendo que essa endogenia permite apenas que se trabalhe com indícios da vida institucional da corporação.

No contexto atual de discussões sobre a Amazônia, abrangendo tanto questões ambientais e políticas quanto relativas à defesa nacional, os textos dão um bom panorama para os interessados no assunto, chamando a atenção para questões presentes relevantes para o Brasil no âmbito das políticas internas e externas, além de constituir-se em uma coletânea de textos produzidos por acadêmicos no âmbito civil, permitindo assim a discussão com as produções militares sobre os assuntos abordados.


Resenhista

Julio Cesar da Silva Lopes – Especialista em História Social e aluno regular do programa de Mestrado em História Social pela Universidade Estadual de Londrina. Bolsista da Fundação Araucária março-2007/março-2008. E-mail: julio_his@hotmaiil.com


Referências desta Resenha

CASTRO, Celso (Org.). Amazônia e Defesa Nacional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. Resenha de: LOPES, Julio Cesar da Silva. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 2, n. 4, jul./dez. 2008. Acessar publicação original [DR]

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