A revista Agua y Territorio surgiu em 2013 como uma publicação editada pela Universidade de Jaén (Espanha) e patrocinada pelo Seminario Permanente Agua, Territorio y Medio Ambiente (ATMA), vinculado a Escuela de Estudios Hispanoamericanos de Sevilla, centro dependente do Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC). A revista nasceu com uma vocação essencialmente eletrônica e pretende demarcar seu espaço no terreno acadêmico e científico internacional. O seu âmbito de influência é o mundo ibero americano e europeu, porém a sua aspiração, é abordar os problemas relacionados à água em qualquer parte do planeta.
O momento escolhido não poderia ser mais oportuno para o projeto lançado pela revista. A crise econômica atual e a incapacidade do sistema político fomentar a recuperação mediante uma decidida aposta por educação e investigação científica, produziram um pessimismo sem precedente na história da ciência espanhola. Considerando está conjuntura, a revista Agua y Territorio merece “boas vindas” por dois motivos: primeiro porque o projeto editorial e a equipe humana que promovem a publicação, contam com um importante apoio institucional; e em segundo lugar, porque mostra a audácia e generosidade de todos os envolvidos nesta aventura editorial.
Dentro do amplo campo de temas relacionados ao uso dos recursos hídricos, a revista que resenhamos nestas páginas pretende centrar-se em alguns eixos fundamentais. Em primeiro lugar, o estudo das políticas públicas e a participação da sociedade na gestão da água; em segundo, a análise do uso dos recursos hídricos em diferentes modelos de desenvolvimento econômico; em terceiro, as transformações da paisagem, o patrimônio hidráulico e as questões de saúde pública. Adotando uma perspectiva multidisciplinar, a revista busca contemplar experiências de gestão das águas nos dois lados do Oceano Atlântico.
Agua y Territorio surgiu com a proposta de converter-se numa revista de referência na sua área e, consequentemente, desde o seu primeiro número, adotou os critérios mais exigentes do espaço acadêmico e científico: cumprimento das normas para indexação em bases de dados; regras formais de organização dos textos; internacionalidade; assim como a prática de avaliação externa e anônima dos artigos. Até o momento, foram publicados seis números sobre os quais apresento uma breve referência na sequência da resenha.
A revista conta com uma seção de Dossiê, com artículos reunidos em torno de um mesmo tema; e com uma seção chamada Miscelânea, que contempla trabalhos de temáticas diversificadas. O primeiro número foi o Dossiê intitulado «Gestión y tecnología en el abastecimiento de agua potable», coordenado pelo professor Juan Manuel Matés-Barco (Universidad de Jaén). O segundo concentra uma série de estudos sobre «La lucha por el derecho al agua y las políticas públicas en América Latina», e foi coordenado pelo professor José Esteban Castro (Universidad de Newcastle).
Os números publicados em 2014, o segundo ano da revista, abordaram temáticas distintas. Coube a José N. Coelho-Meneses (Universidade Federal de Minas Gerais) organizar o Dossiê «Agua, estructuras urbanas y acciones locales en la frontera minera (Minas Gerais, Brasil, siglos XVIII y XIX)»; posteriormente, os professores Alex Latta (Wilfrid Laurier University) e Alice Poma (Escuela de Estudios HispanoamericanosCSIC), reuniram trabalhos sobre o tema «Megaproyectos hídricos y las relaciones socio-ecológicas: gobernanza y resistencias».
Os números da revista referentes a 2015 contemplam investigações sobre «Paisaje y urbanismo en la cartografía hidráulica», um Dossiê coordenado por Martín Sánchez Rodríguez, do Colégio de Michoacán, México. Outro Dossiê foi organizado pelos professores Luis Alonso (Universidad de La Coruña) y Carlos Larrinaga (Universidad de Granada), reunindo trabalhos sobre «Balnearios y Aguas Termales». Neste mesmo ano, também foi publicado um Dossiê intitulado «La gestión del agua urbana en el siglo XXI: una perspectiva económica, política y social», este coordenado pelos professores Alberto Ruiz-Villaverde, Miguel Ángel García Rubio e Francisco González Gómez (Universidad de Ganada).
Como se pode observar nestes primeiros números da revista, os estudos apresentados abordam temáticas diversas a partir de uma perspectiva histórica, geográfica, econômica e social. As pesquisas publicadas transitam entre análises globais e locais; e o objetivo principal tem sido compor uma amostra dos estudos produzidos sobre o sistema moderno de abastecimento de água potável. Para não prolongar de forma demasiada está resenha, apresentarei uma síntese dos artigos publicados nos Dossiês do primeiro e terceiro número da revista.
O primeiro artigo da revista, «La conquista del agua en Europa: los modelos de gestión (siglos XIX y XX)», analisa o processo de regulação e privatização do serviço de abastecimento de água ocorrido em diversos países europeus. Com este objetivo, o autor estudou a gênese do processo durante o século XIX e sua posterior evolução ao longo do século XX. Os países analisados procedem do âmbito da Europa do Norte, especialmente Grã-Bretanha e França, com algumas referências ao sul (Espanha e Itália, principalmente). Estas informações permitem estimar o grau de desenvolvimento, as pautas de comportamento e a estrutura organizativa destes serviços no velho continente. Entre os aspectos mais significativos do trabalho, cabe destacar a transcendência do caso britânico, a implantação de organismos de caráter regional de gestão de águas, os problemas financeiros e administrativos dos municípios, assim como o surgimento e desenvolvimento das empresas privadas neste setor.
O artigo de Albero Ruiz – pesquisador da Universidad de Granada (Espanha), intitulado «Reflexiones sobre la gestión de los servicios urbanos del agua: un recorrido histórico del caso español», é uma continuação de vários trabalhos anteriores. No primeiro avanço, «Analysis of urban water management in historical perspective: evidence for the Spanish case», destacou a existência de uma tendência cíclica na gestão do serviço urbano de águas desde o começo do século XIX: os períodos de maior participação pública eram substituídos por outros de gestão privada, e vice-versa. Nesta tendência cíclica, se observa que nos primeiros anos do século XXI, a literatura acadêmica mudou o rumo e apontou para a viabilidade de um novo processo de municipalização. A mudança representa uma importante resistência à privatização completa do serviço e os estudos atuais indicam a empresa mista como fórmula que melhor atende as particularidades do abastecimento de água.
A professora Patrícia Méndez (CONICET, CEDODAL, Argentina), especializada em História da Arquitetura, apresentou um interessante trabalho sobre «Tecnología extranjera en las obras de salubridad rioplatenses, siglos XIX-XX». Como bem destacou a autora, segundo a Real Academia Espanhola, se designa como «rioplatense» a área que pertence a Bacia Hidrográfica do Rio da Prata. Com objetivo de oferecer outra perspectiva para a história da infraestrutura urbana, Méndez analisou os profissionais e as empresas construtoras estrangeiras, especialmente alemãs, que estiveram ligadas ao desenvolvimento das obras de saneamento na região.
O trabalho seguinte, realizado pelos professores Roberto Bustos, Aloma Sartor e Olga Cifuentes, da Universidad Nacional del Sul e da Universidad Tecnológica Nacional (Argentina), estuda os «Modelos de gestión del recurso agua potable: El caso de las cooperativas de servicios en pequeñas localidades de la Región Pampeana en Argentina». O artigo analisa as etapas existentes nas políticas de abastecimento de água, tanto a nível nacional como provincial, e seu impacto nos diferentes modelos de gestão do serviço de água potável.
As professoras Simone Teixeira e Teresa Jesus Peixoto – Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Brasil), são autoras do artigo «Saber Científico y poder instituido como campo de disputas en el proceso de instalación y gestión del agua en Campos dos Goytacazes, el legado de la Compañía The Campos Syndicate Limited». O texto trata dos sistemas de abastecimento de água e saneamento implantados por empresas privadas no Rio de Janeiro durante o século XIX: na capital nacional, formouse a empresa The Rio de Janeiro City Improvements Company Limited, e na cidade de Campos dos Goytacazes, formou-se a companhia The Campos Syndicate Limited.
A professora Alicia Torres (Universidad de Guadalajara, México), escreveu sobre o «Abastecimiento de agua potable en las ciudades de México: el caso de la zona metropolitana de Guadalajara». A autora explicou como o abastecimento seguiu um padrão em sua gestão, priorizando as zonas urbanas e as indústrias. O sistema de distribuição de água criado em Guadalajara afetou uma área mais ampla, uma vez que para obter grandes quantidades de água foi preciso buscá-la em lugares distantes, sem oferecer medidas compensatórias para outras regiões. Explorando este problema, Torres analisou o enfoque das políticas de desenvolvimento regional que promoveram um crescimento urbano desproporcional aos recursos hídricos existentes.
A pesquisadora Evelyn Alfaro – Universidad Autónoma de Zacatecas (México), escreveu sobre o abastecimento de água em Zacatecas durante o século XIX e definiu o assunto como «un problema sin solución». Desde uma perspectiva histórica, ela analisou o processo de abastecimento de água e o surgimento de empresas privadas para a gestão do serviço. As empresas nunca conseguiram cumprir os contratos estabelecidos e, consequentemente, o desabastecimento foi um problema constante na respectiva cidade.
O professor Víctor Manuel Heredia – Universidad de Málaga (Espanha), apresentou um trabalho que aborda a municipalização e modernização do abastecimento de água na cidade Costa del Sol, entre os anos de 1860 e 1930. O estudo deste caso concreto permite aprofundar o conhecimento dos modelos organizativos criados na segunda fase da Revolução Industrial. O autor ressalta a incapacidade técnica e financeira das administrações locais para realizar os investimentos necessários para implantação do abastecimento de água potável.
A seção da revista denominada Miscelânea foi composta por dois artigos que abordam temáticas referentes ao abastecimento de água potável, porém com diferentes perspectivas. No primeiro texto desta seção, «La tercera revolución del agua», Miguel Ángel Casillas – CIESAS, Guadalajara (México), apresentou um estudo sobre a urbanização, gestão e contaminação da água em Tepatitlán de Morelos (Jalisco). O autor revisou o processo de abastecimento de água nesta cidade ao longo do século XX e da primeira década do XXI. Por último, a professora Myriam Graciela Bonilla – Universidad del Atlántico (Colômbia), abordou a «evolución de la gestión y alcantarillado entre 1980 y 2012 en la ciudad de Barranquilla».
O trabalho é parte de uma pesquisa sobre a gestão social e institucional da água e as suas relações com saúde e o bem estar da população na área metropolitana de Barranquilla. O terceiro número da revista foi publicado com o título «Agua, estructuras urbanas y acciones locales en la frontera minera de la America portuguesa (Minas Gerais, siglos XVIII-XIX)», ele esteve coordenado por José Newton Coelho Meneses (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil). O Dossiê, composto por artigos centrados no espaço de Minas Gerais, buscou contribuir para o diálogo e o debate acadêmico sobre os recursos hídricos, as estruturas urbanas e as ações locais de abastecimento de água neste espaço específico da América Portuguesa, no período colonial.
O primeiro trabalho – «O ouro, a água e a Arqueologia (Minas Gerais. Brasil. Século XVIII)» – foi apresentado pelos professores Carlos Magno Guimarães e Camila Fernandes de Morais, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais. O texto aborda o uso da água como elemento indispensável para a mineração no Brasil do século XVIII. Com base em dados procedentes dos documentos coloniais e de pesquisas arqueológicas, o enfoque foi desenvolvido através de uma perspectiva que inclui, por um lado, a natureza técnica do processo e, por outro, seu aspecto social. O que é evidente é a participação da água na realidade histórica como força produtiva insubstituível e as dificuldades enfrentadas pelo poder público colonial para organizar a sua distribuição.
O segundo artigo, elaborado pela professora Denise Maria Ribeiro-Tedeschi (Universidade Estadual de Campinas), apresentado com o título «O caminho das águas na América Portuguesa: a rede de abastecimento de Mariana no século XVIII» aborda a rede de água criada em Mariana na segunda metade do século XVIII. O núcleo urbano de Mariana estava integrado ao circuito do ouro na América Portuguesa e apresentou um rápido crescimento demográfico; nesta importante cidade, o serviço de abastecimento de água se consolidou quando a Câmara Municipal financiou as obras necessárias e instalou diversas fontes e chafarizes. Dentro do contexto da urbanização estimulada pela mineração, a autora explorou o trabalho da municipalidade de Mariana para administrar o uso da água e analisou os vestígios materiais da rede hidráulica criada no “século do ouro”.
A professora Júnia Ferreira-Furtado (Universidade Federal de Minas Gerais) elaborou um trabalho sobre «Água úteis, águas milagrosas na capitania de Minas Gerais (séc. XVIII)». O artigo trata de alguns aspectos da interação entre os homens e as águas no espaço da Capitania de Minas Gerais. Em primeiro lugar, analisa a necessidade de contenção das águas para permitir a mineração e garantir o abastecimento de homens e animais. Em segundo lugar, destaca o uso medicinal da água, recortando o caso das águas “milagrosas” de Lagoa Santa, situada nas proximidades de Sabará.
No ultimo artigo da edição número 3 de revista, a professora Marjolaine Carle (CRBC / EHESS, París), aborda o tema «La política de las «aguas públicas» y la afirmación del poder municipal, en el siglo XVIII en Vila Rica (Minas Gerais)». A gestão da água em Vila Rica, durante o século XVIII, era uma preocupação da monarquia portuguesa, da municipalidade e da população local, o que significava a coexistência de interesses “coletivos” e “individuais”. A sua pesquisa explorou a gênese do conceito de águas públicas dentro de uma dinâmica colonizadora. Em Vila Rica, a divisão da água tornou-se mais complexa com o desenvolvimento de atividades inerentes a mineração. Este recurso abundante e, naturalmente inalienável, que pertencia ao patrimônio real, muitas vezes se converteu em um bem apropriado por particulares. O controle das águas públicas implicava no fortalecimento das cidades, mas este fortalecimento, dentro do contexto da política colonial lusitana, era indesejado pela Coroa.
Diante do que foi exposto nesta resenha, podemos afirmar que a revista Agua y Territorio demonstrou-se capacitada para reunir estudos sobre as águas, compondo um panorama multidisciplinar e flexível nos seus recortes cronológicos e espaciais. O envolvimento de pesquisadores de diferentes países e instituições de pesquisa também é um aspecto positivo, sobretudo no ambiente acadêmico e científico.
Na sociedade contemporânea, a gestão das águas permanece como um desafio, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista econômico e tecnológico. Existe a necessidade de sintonia entre as reformas produzidas no âmbito legislativo e os movimentos populares que defendem mudanças na gestão das águas; da mesma forma, existe a necessidade de articular a sustentabilidade econômica e o equilíbrio ambiental – o que implica no diálogo e na consideração dos múltiplos fatores envolvidos na conservação e distribuição dos recursos hídricos. Dentro deste contexto, a revista Agua y Territorio possui um objetivo específico: servir de plataforma para gerar perguntas e fomentar respostas para os problemas contemporâneos referentes à gestão das águas.
Resenhista
Juan Manuel Matés-Barco – Doutor em História Econômica. Professor de História Econômica na Universidade de Jaén, Espanha.
Referências desta Resenha
Agua Y Territorio (2013-2015). España: Universidad de Jaén; Escuela de Estudios Hispanoamericanos; Consejo Superior de Investigaciones Científicas. http://revistaselectronicas.ujaen.es/index.php/atma/index. Resenha de: MATÉS-BARCO, Juan Manuel. Agua y Territorio: uma revista interdisciplinar sobre a gestão das águas. Revista Latino-Americana de História. São Leopoldo, v.4, n.13, p. 287-293, 2015. Acessar publicação original [DR]
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