África parceira do Brasil atlântico compõe uma das coleções da editora Fino Traço (Belo Horizonte), coleção designada de “Relações Internacionais”, tal coleção nos aparece em meio ao crescimento da importância do tópico que a nomeia, em razão de uma maior inserção, nos últimos anos, do Brasil nos problemas internacionais contemporâneos [1].
O autor da obra África parceira do Brasil atlântico, José Flávio Sombra Saraiva, possui um currículo versado no assunto, pois além da experiência com a temática no ensino superior em diversas universidades estrangeiras e ainda como professor titular de Relações Internacionais na UnB, também dirige o Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI). O livro marca o interesse do professor e pesquisador acerca da diplomacia e economia na História do presente.
O acadêmico inicia a sua problematização com a questão de partida: “O que ficou da África Atlântica no Brasil das primeiras décadas do século XXI?” [2] . Ou seja, como no tempo presente, se dão as relações Brasil-África? Que tipos de ações estão postas para beneficiar econômica e socialmente os dois lados do Atlântico em tempos de globalização e crise de capital? Que laços estão a contribuir com a dinâmica das políticas públicas entre Estados dos dois lados do Atlântico? Quais os Estados africanos mais presentes na parceria Brasil-África?
África parceira do Brasil atlântico fora dividida em cinco capítulos mais introdução, conclusão e anexos. Os quais, apresentaremos, de maneira geral, a partir das duas noções que o autor, logo na introdução, nos adianta: “História do Atlântico” e “África Parceira”. As duas noções coadunam para o autor a ideia de relações comerciais em que o oceano Atlântico protagoniza um espaço mediador de tais inclusões internacionais.
Desde o século XVI temos uma história do Atlântico com estreita ligação entre África e América, ligação essa, marcada com a construção de novas sociedades, como no caso do Brasil. Mas o autor recusa a ideia de abalizarmos parcerias com os países africanos, baseando-nos em um passado distante e “vitimizado” pela escravidão. Chama-nos atenção para atual riqueza dos recursos naturais do continente africano com seus 53 estados e diz:
[…] estar-se a falar de quase um quarto da superfície do planeta (22,5% das terras do globo), com 30 milhões de quilômetros quadrados […] 66% do diamante do mundo, 58% do ouro, 45% do cobalto, 17% do manganês, 15% bauxita, 15% do zinco e de 10 a 15% do petróleo […] aproximadamente 30% dos recursos minerais mundial […]. Mas só participa de 2% do comércio mundial […].[3]O autor inventaria, por meio das pautas das relações diplomáticas, as principais preocupações dos governos brasileiros no século XX e XXI com os estados africanos. A temática África na história da diplomacia brasileira vai desde um passado de silêncio quase absoluto (e por vezes constrangedor) até os dias atuais, em que se enxerga o continente africano como parceiro na construção de uma política internacional descentralizada.
O professor Saraiva é extremamente otimista na atual conjuntura de crise econômica, no que diz respeito ao continente africano, segundo o professor, os países em desenvolvimento na África foram os menos atingidos no atual quadro financeiro internacional. Saraiva mira o Brasil e países como Angola, Moçambique, África do Sul como celeiros de grandes oportunidades de desenvolvimento econômico, desde que enfrentem de maneira proativa dificuldades culturais e de infraestrutura.
No caso do Brasil, citamos dois enfrentamentos em relação aos africanos, postos na obra: o da necessidade de vencer um projeto político (construído historicamente) de “[…] afastamento deliberado das imagens do continente africano na formação da nacionalidade brasileira […]” [4] . O que leva, por exemplo, o quase apagamento da África no currículo escolar (tem-se mudanças de rumos nesses derradeiros anos, porém ainda insuficientes). A segunda dificuldade liga-se explicitamente com a primeira, a percepção, por parte da sociedade brasileira (leia-se na obra principalmente o empresariado), de uma África irrelevante economicamente.
Lembramos- nos que existem vários discursos sobre a África de diferentes áreas de conhecimento, contudo o mapa formado por esses conhecimentos, talvez, não se acoplasse com o mapa imaginário africano. África e seus países apresentam-nos um contexto de diversidades linguísticas, de credos, modos sociais…, fronteiras territoriais tênues que são estranhas, por exemplo, aos brasileiros (mas não só). No entanto, tais diferenças, heterogeneidades do continente africano (ou em outro espaço qualquer), ao ver do professor Saraiva não podem tomar a dimensão discursiva do intransponível.
O Pesquisador Saraiva destaca o período do governo de Luís Inácio Lula da Silva como uma importante quadra de mudança de perspectiva nas políticas públicas brasileiras em relação aos países africanos, principalmente os de língua portuguesa. Saraiva emite como resultado dessas novas políticas os vários programas existentes hoje na África protagonizado por instituições do Brasil como FIOCRUZ, SEBRAE, EMBRAPA.
O livro sugere, porém, que o Estado brasileiro, vem (mesmo antes do governo Lula) diplomaticamente tentando se beneficiar no tratamento diferenciado para com as regiões de língua portuguesa, e os países do continente africano insere-se nessa iniciativa. Lembramos que oficialmente o idioma português é falado além do Brasil na América, em Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Santo Tomé e Príncipe, Cabo Verde na África, mais Portugal na Europa e Timor Leste na Ásia. Tais territórios formam a comunidade de língua portuguesa – CPLP [5].
É-nos possível marcar tal aproximação direcionada desde pelo menos a metade do século XX. A mais constante (e também eficaz) política de entrada ocorre por meio dos produtos culturais como as novelas, a música e literatura.
Saraiva quanto às dificuldades dos países africanos na atualidade parte de documentos e destaca a necessidade urgente da criação e/ou melhoria de infraestrutura (estradas, energia, transporte, etc..) e investimento em recursos humanos (capacitação profissional e ações na área de saúde e educação). Um dos alvos que os países africanos precisam acertar é a melhoria das condições da mulher nesses estados, pois elas estão no topo das desigualdades a serem vencidas tais como o analfabetismo, desemprego, subemprego e violência.
O autor discorrer sobre certas iniciativas já visualizadas/proclamadas pelos representantes dos países da África que anunciam propostas para o crescimento econômico com qualidade de vida para a maioria das populações africanas tendo como principal diretriz diminuir a pobreza entre as mulheres: o NEPAD [6] – Nova Parceria para o Desenvolvimento da África. O NEPAD foi lançado em Moçambique em 2001 com o lema geral de catar um lugar menos subsidiário no processo da globalização para os estados da África.
O livro do professor Saraiva agrada pelas inúmeras informações passadas de forma didática e também como já foi salientado pelo otimismo nas parceiras possíveis entre governos e povos do Brasil e de países africanos. Apresentamos um exemplo de intercâmbio que vem proporcionando ações positivas: a implantação em 2009, no município de Redenção (Estado do Ceará) da UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira – com atualmente 155 estudantes. Oitenta e três desses estudantes são da África distribuídos entre Angola, Cabo verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau [7]. Temos ainda o caso da FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz – que inaugurou (julho/2012) uma fábrica de medicamentos antirretrovirais para o tratamento da AIDS no continente africano. A fábrica encontra-se em Maputo capital de Moçambique onde a cada três pessoas uma está infectada pelo vírus [8]. Refletimos que o próprio livro do professor Saraiva objetiva aproximar os brasileiros poucos versados nos assuntos Brasil-África, tornando-se assim, a obra em questão, um possível bom início para tal aproximação/leitura da temática.
Notas
1. Além do título aqui resenhado a coleção possui outros livros, entre eles VISENTINI, Paulo Fagundes. As Relações diplomáticas da Ásia: Articulações e afirmação mundial (uma perspectiva brasileira). Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012; CERVO, Arnaldo Luiz. A Parceria inconclusa: As relações entre Brasil e Portugal. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012; PECEQUILO, Cristina Soreanu. As Relações Brasil – Estados Unidos Encontros e Desencontros. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012; SARAIVA, Miriam Gomes. O lugar da Argentina na política externa brasileira. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012; OLIVEIRA, Henrique Altemani. Brasil e China: Cooperação Sul-Sul e parceria estratégica. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012.
2. SARAIVA, José Flávio Sombra. África parceira do Brasil Atlântico. Relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012, p.15.
3. SARAIVA, José Flávio Sombra. África parceira do Brasil Atlântico, p.58.
4. ______. África parceira do Brasil Atlântico, p.49.
5. O ex- presidente Luís Inácio Lula da Silva ganhou em julho de 2012 um prêmio da CPLP. O prêmio é oferecido a personalidades e instituições que ajudaram a valorizar os princípios da CPLP.
6. NEPAD – Documento Oficial, 2001.
7. UNILAB é referência para alunos. Jornal O Povo, Fortaleza, 22 jul. 2012. Disponível em: < http://www.opovo.com.br/jornaldehoje/>. Acesso em: 05 ago. 2012.
8. PENHA, Emerson. Brasil vai inaugurar na África fábrica de remédio para tratamento da Aids. Agência Brasil, Brasília, 13 jul. 2012. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-07-13/brasil-vai-inaugurar-na-africa-fabrica-deremedio-para-tratamento-da-aids>. Acesso em 05 ago. 2012.
Resenhista
Ivaneide Ulisses Barbosa – Doutoranda em História pela UFMG. E-mail: ivaulisses@yahoo.com.br
Referências desta resenha
SARAIVA, José Flávio Sombra. África parceira do Brasil Atlântico. Relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2012. Resenha de: BARBOSA, Ivaneide Ulisses. Brasil e África perspectivas contemporâneas. Temporalidades. Belo Horizonte, v.4, n.2, p.337-340, ago./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]
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