É com satisfação que apresentamos o quinto número da revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos, no qual se insere um dossiê sobre o cinema em países africanos de língua oficial portuguesa. Intitulado “África, Literatura e Cinema em Língua Portuguesa: Direito a um Olhar Descolonizado”, o dossiê teve como ponto de partida o simpósio “Literatura e Cinema”, realizado por via remota, nos dias 16, 17 e 18 de novembro de 2020, no âmbito do I Congresso Internacional do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ: Vozes e Escritas nos Diferentes Espaços da Língua Portuguesa.
Concebendo literatura e cinema como artes críticas e transformadoras, nosso simpósio pretendeu efetuar discussões a partir de comunicações que tecessem diálogos com a história, de modo a investigar como a literatura e o cinema de países africanos de língua oficial portuguesa pensavam a nação, após suas respectivas independências.
Com base em obras literárias em diálogo com filmes e documentários, o simpósio se propôs a problematizar aspectos da luta anticolonial, heranças coloniais, tensões e contradições do pós-colonialismo, além de levantar e discutir tendências literárias e cinematográficas atuais dos referidos países africanos, averiguando e debatendo alguns de seus rumos, contribuições, permanências, impasses e renovações.
O cinema e a literatura também foram abordados como artes comprometidas não apenas com a releitura da história, mas com a metalinguagem e a criação estética, com o afeto e a poesia, com a política e a sociedade.
Nosso principal objetivo foi, a partir de leituras interpretativas de filmes e textos literários, questionar imagens ocidentalmente representadas, reivindicando o direito a um olhar descolonizado, capaz de romper com estereótipos de uma África mistificada, envolta em exotismo e clichês preconceituosos.
Abrimos o dossiê com o ensaio “O leitor como mediador de diálogos: o entretecer de fios textuais a partir de Se o passado não tivesse asas, de Pepetela”, da autoria de Beatriz de Jesus Santos Lanziero, que realiza uma leitura crítica do mencionado romance, explicitando diálogos intertextuais desenvolvidos ora com alteridades discursivas, ora com outras obras do autor, ora discutindo redes de relações com outras obras literárias e, também, entre literatura e cinema.
O segundo artigo, intitulado “De luzes, palavras e imagens: Ruy Duarte de Carvalho, uma poética cinematográfica”, de Júlia Goulart, se debruça sobre a relação entre a poesia e o cinema produzidos pelo escritor e cineasta angolano Ruy Duarte de Carvalho, a partir da análise do livro IV da obra Lavra (2005) (poesia reunida de 1970-2000) Sinais misteriosos… Já se vê… e do filme Nelisita: narrativas Nyaneka, refletindo, para além de uma semântica significativa relacionada ao signo do cinema, acerca de uma escrita visual que repensa o fazer fílmico.
Mobilizando teóricos como Benedict Anderson e Homi Bhabha, cujas linhas conceituais buscam discutir as relações entre o discurso e os projetos de nação, João Victor Sanches da Matta Machado, em “As comunidades narradas pelo cinema em Moçambique: uma leitura de Kuxa Kanema: nascimento do cinema”, discorre sobre a importância do cinema na produção de uma narrativa identitária em Moçambique no pós-independência.
Em “Mergulhar no sonho: notas sobre Ngwenya, o crocodilo, de Isabel Noronha, e O beijo da palavrinha, de Mia Couto”, Gabriel Dottling Dias mergulha, ele próprio, em um exercício comparativo de linguagens, passando da análise fílmica à leitura tanto da poética verbal-literária de Mia Couto quanto da poética visual de Malangatana, cuja pintura ilustra a edição supracitada do livro de seu conterrâneo.
Analisando comparativamente o filme Comboio de sal e açúcar, de Licínio Azevedo, e o livro Poemas da ciência de voar e da engenharia de ser ave, de Eduardo White, Laís Naufel Fayer Cerri, no artigo “Sal, açúcar e voo: receita de sonhos”, discute como a elaboração estética de eventos traumáticos, como a guerra, permite-nos vislumbrar novos rumos do processo histórico, mantendo vivas as expectativas de um futuro melhor.
Danúbia Tupinambá Pimentel, em “Utopias no espaço distópico da Mafalala”, estuda a sobrevivência de um sentimento utópico de resistência no bairro da Mafalala, em Maputo, tomando, para tanto, um amplo corpus de produções audivisuais locais e a poética de Noémia de Sousa, precursora de tal sentimento nas letras moçambicanas.
Em “Desvendando a cidade no cinema africano contemporâneo: visões de Maputo no longa-metragem Resgate, de Mickey Fonseca”, Marcelo Rodrigues Esteves, além de questionar os estereótipos produzidos pelo cinema ocidental acerca da África e de seus habitantes, analisa, a partir do thriller de Mickey Fonseca, a representação fílmica de uma metrópole africana em contexto de violência.
Na expectativa de que os artigos suscitem relevantes debates acerca das obras fílmicas e literárias produzidas no e sobre o continente africano, desejamos a todas e a todos uma ótima leitura!
Organizadores
Ana Paula Ribeiro Tavares – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, CLEPUL e FCT.
Carmen Lucia Tindó Secco – Universidade Federal do Rio de Janeiro, CNPq e FAPERJ.
Júlio César Machado de Paula – Universidade Federal Fluminense e CNPq.
Referências desta apresentação
TAVARES, Ana Paula Ribeiro; SECCO, Carmen Lucia Tindó; PAULA, Júlio César Machado de. Apresentação. AbeÁfrica: revista da associação brasileira de estudos africanos, v.5, n.5, p. 8-10, abr. 2021. Acessar publicação original [DR]
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