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Acessibilidade cultural no Brasil: narrativas e vivências em ambientes sociais | Francisco Nilton Gomes de Oliveira, Gerda de Souza Holanda, Patrícia Silva Dorneles, Juliana Valéria de Melo

De início, torna-se importante destacar que esta publicação foi gestada por discentes e docentes da segunda turma do curso de especialização em acessibilidade cultural, promovido pelo Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em convênio com o Ministério da Cultura (MinC). Trata-se de coletânea de artigos, organizada por Francisco Nilton Gomes de Oliveira, terapeuta ocupacional e professor adjunto da UFRJ; Gerda de Souza Holanda, pedagoga; Patrícia Silva Dorneles, professora adjunta da UFRJ, terapeuta ocupacional e coordenadora do curso de especialização em acessibilidade cultural; e Juliana Valéria de Melo, terapeuta ocupacional e professora assistente da UFRJ.

Convém discorrer um pouco sobre esse fortuito encontro de ideias, discussões e aprendizagens que, somadas, compõem o curso de especialização em acessibilidade cultural. Iniciado em 2013, tem como objetivo formar profissionais para atuar no campo das políticas culturais, orientando e produzindo conteúdos, ferramentas e tecnologias de acessibilidade que ofereçam oportunidade às pessoas com deficiência de desfrutar e produzir arte e cultura.

Abro um parêntese para salientar que, na busca por compreender a origem da deficiência, as religiões forneceram as primeiras explicações: castigo de Deus, carma, punição. Acreditava-se, assim, que era possível reverter essa situação por meio de milagres. Com o advento da ciência, na modernidade, a biologia e a medicina forneceram outras explicações que associavam a deficiência à causas orgânicas e a expectativa do milagre deu lugar à da cura.

A deficiência, no entanto, é concebida como um fenômeno social, ou seja, é forjada na interação entre o indivíduo e seu ambiente, gerando preconceito e práticas discriminatórias. Acessibilidade, então, é bandeira de luta, de mobilização que objetiva a conquista de direitos inalienáveis, dentre os quais, o de fruir e produzir arte e cultura. Segundo Mazzota; D’Antino (2011), no passado estes direitos eram considerados secundários para as pessoas com deficiência.

Retomemos, então, ao livro Acessibilidade Cultural no Brasil: narrativas e vivências em ambientes sociais. A coletânea é composta por nove artigos que expressam esse saber-fazer, a indissociabilidade entre teoria e prática.

O primeiro deles, denominado Acessibilidade no Museu de Arte da UFC (MAUC): práticas e possibilidades, foi produzido por Gerda de Souza Holanda e Francisco Nilton Gomes de Oliveira. Trata-se da descrição de trabalho realizado em equipamento museológico pertencente à Universidade Federal do Ceará (UFC), que objetivou avaliar as condições de acessibilidade, com base em fichas elaboradas pelo Núcleo de Design Gráfico Ambiental da UFRGS. Os autores discorrem sobre a temática acessibilidade no Brasil, sobre a política de acesso em museus, seguida por uma seção que trata de ações inclusivas nesse espaço, tendo como parâmetros acesso, percurso interno e percepção nas exposições.

O segundo artigo, Acessibilidade em jogos eletrônicos, de Rafael da Silva e Miryam Bonadiu Pelosi, tem como foco as políticas públicas que tornam acessíveis esses jogos, os quais atraem pessoas de diferentes idades e movimentam bilhões de dólares em todo o mundo, conforme salientam os autores. Aspectos ligados à geração de trabalho e à produção de conhecimento científico, tecnológico e artístico também são tratados nessa abordagem, assim como a indústria nacional. Contém, ainda, a descrição do perfil das empresas desenvolvedoras desses produtos, das políticas de acessibilidade para o público com deficiência em que são mencionadas normativas que as fundamentam.

O terceiro artigo, intitulado Narração audiodescritiva e a experiência de pessoas com deficiência visual em estádio de futebol, elaborado por Mauana Simas de Meira Leite e Francisco Nilton Gomes de Oliveira (2016, p. 76) tem como finalidade “gerar um guia de suporte para narradores audiodescritivos de Futebol”. Apresentada como uma modalidade de tradução intersemiótica, que transforma a linguagem não-verbal em verbal, seu emprego é comum quando se trata de espetáculos teatrais, filmes, museus, dança e artes visuais. O leitor tem a oportunidade de compreender a importância desse recurso de acessibilidade, bem como do futebol no processo de construção da identidade nacional.

O sarau e a deficiência visual: um relato de experiência. Esse é o quarto artigo contido nesse livro, escrito por Maria Isabel da Silva Oliveira e Juliana Valéria de Melo. As autoras fazem uma narrativa da organização e promoção de saraus de arte, realizada em uma biblioteca situada numa instituição do Ministério da Educação (MEC), que desenvolve serviços de educação e reabilitação de pessoas com deficiência visual. As autoras apresentam um histórico sobre saraus com base em experiências realizadas no período de 2005 a 2015, extraído de fontes documentais, e apresentam uma descrição permeada de afetividade e trocas simbólicas.

O quinto artigo versa sobre A Experiência da residência cultural como iniciativa para a atuação da terapia ocupacional em museus, de Mariana de Souza Mello Ferreira, Fernanda da Silva Ferreira Garcia, Melissa Ribeiro Teixeira e Patrícia Silva Dorneles. Interessante abordagem sobre a trajetória histórica da terapia ocupacional, seguida da menção dos aspectos metodológicos da pesquisa que originou esse trabalho: o relato de experiências de residentes culturais, tendo como delimitação temporal o período de abril de 2015 a fevereiro de 2016. Os procedimentos adotados foram a observação participante e o caderno de campo. Como locus da residência, o Museu da Geodiversidade, criado em 2007, na UFRJ.

O sexto artigo tem como temática A inclusão da disciplina acessibilidade cultural no bacharelado de produção cultural do IFRJ – campus Nilópolis, tendo como autoras Renata Silêncio de Lima e Cláudia Reinoso Araújo de Carvalho. O objetivo dessa abordagem é “demonstrar como se deu a construção e a aplicabilidade da disciplina optativa de acessibilidade cultural para o curso de bacharelado em produção cultural e apresentar os resultados da avaliação dos alunos acerca da disciplina” (Lima; Carvalho, 2016, p. 174).

Arte/educação e acessibilidade cultural: uma encruzilhada epistemológica, de Emerson de Paula Silva e Verônica de Andrade Mattoso, é o sétimo artigo dessa coletânea. Uma proposta triangular de ensino da arte, tendo como fundamento o conceito de arte/educação, museu e centro de memória é apresentada pelos autores, antes de tratar sobre acessibilidade cultural. Esses dois últimos equipamentos se constituem como espaços de desenvolvimento da cultura de inclusão. Enfim, a leitura desse artigo é uma oportunidade de potencializar esses espaços culturais, a partir da utilização de recursos de acessibilidade, objetivando intensificar a interação entre as diferentes pessoas, com e sem deficiência.

O oitavo artigo, Mato Grosso do Sul: presente e futuro da acessibilidade cultural, tem como autores Ivone Ângela dos Santos, Verônica de Andrade Mattoso e Francisco Nilton Gomes de Oliveira. Inicialmente, é feita uma breve descrição sobre a origem desse estado brasileiro e sua cultura. São apresentados os dados populacionais e o quantitativo de municípios que o compõem. De um total de 79 municípios, nove foram utilizados como locus da pesquisa que objetivou “investigar o entendimento dos gestores públicos de cultura sobre o tema Acessibilidade Cultural” (Santos; Mattoso; Oliveira, 2016, p. 250). Os resultados apresentados evidenciam que o conhecimento dos gestores públicos sobre essa área é ainda incipiente.

O último artigo, Acessibilidade audiovisual para além do cinema: o Centro Técnico Audiovisual (CTAv) do Rio de Janeiro como espaço de visitação e disseminação de conhecimento, é de autoria de Débora Antonia Araújo Palmeira de Barros e Beatriz Akemi Taketti. As autoras apresentam o CTAv, como “ambiente de guarda e preservação de material fílmico, que também estimula a difusão e a produção de filmes brasileiros, além de fomentar atividades de pesquisa cinematográfica” (Palmeira; Taketti, 2016, p. 302). A seguir, descrevem as intervenções que foram feitas nesse espaço com base no conhecimento obtido em duas disciplinas do curso de acessibilidade cultural, denominadas exposição acessível I e II. Tais intervenções possibilitaram aos visitantes apreender o acervo para além do visto e ouvido, à medida que puderam utilizar o toque, o olfato, as emoções e as sensações pessoais.

Esta coletânea de textos sobre acessibilidade cultural abre inovadoras perspectivas de democratização da cultura e inclusão social da pessoa com deficiência, tendo como diferencial as vivências e narrativas de quem, ao iniciar o curso, possuía um conhecimento incipiente sobre a problemática vivida por esse grupo minoritário. Paulatinamente, as disciplinas desvelam as realidades vividas, ao mesmo tempo em que oferecem vários desafios que dinamizam o aprendizado, possibilitando trocas significativas entre os participantes advindos de vários lugares do Brasil. Sem dúvida alguma, trata-se de uma obra que merece ser lida, até porque o mercado editorial carece de produções similares.


Referências

AMARANTE, Paulo; LIMA, Ricardo (coord.). Nada sobre nós sem nós. Relatório final. Oficina Nacional. Rio de Janeiro: LAPS, 2009.

MAZZOTTA, Marcos José da Silveira; D’ANTINO, Maria Eloisa Famá. Inclusão social de pessoas com deficiências e necessidades especiais: cultura, educação e lazer. In: Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 2, n. 2, abril/junho 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/mKFs9J9rSbZZ5hr65TFSs5H/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 20 out. 2017.

SILVA, Marina Helena Chaves et. al. Política de formação de especialista em acessibilidade cultural para pessoas com deficiência. In: Anais do III Seminário políticas públicas para diversidade cultural. Salvador, v. 1, 2014. Disponível em: https://diversidadeculturaldotorg1.files.word-press.com/2014/07/spdc14_ana-cecilia-chaves-silva-et-al.pdf. Acesso em: 15 out. 2017.


Resenhista

Marina Helena Chaves Silva


Referências desta Resenha

OLIVEIRA, Francisco Nilton Gomes de; HOLANDA, Gerda de Souza; DORNELES, Patrícia Silva; MELO, Juliana Valéria de (Orgs.). Acessibilidade cultural no Brasil: narrativas e vivências em ambientes sociais. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2016. Resenha de: SILVA, Marina Helena Chaves. Acervo. Rio de Janeiro, v. 31, n. 1, p. 129-132, jan./abr. 2018. Acessar publicação original [DR/JF]

Itamar Freitas

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