Abordagens em História da Loucura/ Revista Expedições-Teoria da História e Historiografia /2022

Do ponto de vista do leitor, nada poderia dar-lhe melhores condições de entender, mas também de avaliar por si mesmo, o alcance e o sucesso da realização de um Dossiê de artigos em uma boa revista, como é o caso da Expedições: Teoria e Historiografia, do que ter o acesso à chamada do Dossiê antes da leitura de um ou mais textos reunidos.

A Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia está reunindo artigos para o Dossiê Abordagens em História da Loucura. Trata-se de um campo discursivo iniciado com a obra homônima de Michel Foucault (1961) e evidenciado por Robert Castel em A ordem psiquiátrica (1977): “A História da Loucura (de M. F.), marcou, em relação ao etnocentrismo médico, uma ruptura em cujo rastro qualquer empreendimento deste gênero não pode deixar de se inscrever”. Nesse campo discursivo, dialogam hoje diferentes intensidades em esforços do desdisciplinar-se e do desterritorializar-se. Afinal, a loucura aparece aprisionada, desde o século XVII, o que a colocou socialmente ao lado da fome, do abandono, da pobreza, da marginalidade, da exclusão de classe, de raça e de gênero, além de ter se tornado objeto da razão. Tudo isso se produziu simultaneamente com a invalidação da pessoa e a fabricação autoritária da subjetividade pela sociedade, pelo Estado e suas instituições. Historiar a loucura se faz de diferentes maneiras e não é o caso de barrar esse processo criativo e de múltipla resistência. É apenas no sentido do estímulo que se podem indicar direções. Este Dossiê vem abrir espaço para as maneiras de intensificar as vozes da loucura na literatura, na música, na poesia, no cinema, na fotografia, na pintura, no teatro, na arquitetura etc. Ele vem acolher o discurso das/dos trabalhadores que têm se confrontado com os processos de inclusão marginal na educação formal (com a educação inclusiva), nas políticas de assistência social, na socioeducação, nas casas de recuperação, enfim nas novas e velhas formas de internamento e instituições totais. Ele vem abrigar a história dos movimentos (nacional e internacional) antimanicomial, pelo desencarceramento e contra a psiquiatrização da infância e geral da sociedade. Nesta edição queremos abordar todas essas discursividades com suas aberturas e amplitudes como também com seus enfrentamentos e especificações concretos e localizados territorialmente. Entendemos que é no todo e por mutirão que a história da loucura é pensamento vivo sobre o andamento da civilização. Este Dossiê da Revista Expedições, avaliada com a nota A4 pelo Qualis Capes/2019, convida as/os autores para esses diálogos.

A chamada do Dossiê foi uma articulação dos membros do Grupo de Pesquisa La Folie – História da Loucura (CNPQ – PUC Goiás) e da equipe Editorial da Revista Expedições: Teoria e Historiografia. O Dossiê integra-se ao esforço do La Folie pelo fortalecimento do campo discursivo da história da loucura enquanto parte da luta antimanicomial e pelo desencarceramento. Esse campo discursivo havia sido matéria de reflexão nas páginas da Revista Expedições: Teoria e Historiografia havia pouco tempo, assinalado sua abertura e acolhida para a temática e seu interesse historiográfico por essas lutas (SUGIZAKI, 2020).

Vamos apresentar, a seguir, uma lista dos títulos dos artigos publicados, com seus autores, e um breve resumo de cada um. Escolheu-se a ordem cronológica da entrada dos textos, pois isso pareceu mais coerente com o próprio estilo da Revista Expedições: Teoria e Historiografia, que é o do fluxo contínuo dos artigos.

O artigo “Aproximações entre gênero, loucura e Michel Foucault: uma revisão de literatura”, de Letícia Luchese Yoshida e Eduardo Sugizaki, é uma revisão de literatura sobre o modo como se discute gênero e loucura, quando Foucault aparece como uma referência teórica, nos artigos da base SciELo, no período de 2017 a 2021. O resultado do levantamento das produções do SciELo foi que as questões de gênero são tratadas, na maioria dos casos, por articulistas mulheres, e demonstram a busca em se reduzir as desigualdades perpetradas pelos discursos sócio-histórico-culturais.

O artigo “A ‘liberdade é terapêutica’: algumas reflexões sobre a loucura, controle social e ditadura militar no Brasil”, de Éder Mendes de Paula, tem seu foco na luta antimanicomial no período da Ditadura Militar brasileira, utilizando como fonte artigos da Revista Goiana de Medicina e da Revista Saúde em Debate do período.

O artigo “Os Jogos Goianos da Saúde Mental durante a pandemia de Covid-19: uma história de consolidação e luta antimanicomial”, de Paulianny Mirelly Gonçalves de Sousa e Heitor Martins Pasquim, é uma narração sobre a criação, em 2018, dos Jogos Goianos da Saúde Mental (JGSMental), enquanto uma das atividades da luta antimanicomial no Estado de Goiás e sobre como ocorreu a continuidade dessa atividade em suas edições durante a epidemia de Covid-19.

O artigo “An(danças) na saúde mental: Oficina de Expressão Corporal como produtora de novos possíveis”, de Letícia Morschel e Zuleika Köhler Gonzales, é o relato da experiência da Oficina de Expressão Corporal para adolescentes no Centro de Atenção Psicossocial Infanto – juvenil – CAPSi ‘Saca Aí’ (Município de Novo Hamburgo – Estado do Rio Grande do Sul), enquanto prática da psicologia social. O artigo mostrou como funcionou uma proposta de resgatar a dança, o corpo e a arte na clínica psicológica e construir passagens para a invenção e para o cuidado de adolescentes com idades entre 12 e 17 anos.

O artigo “Saúde mental e as práticas integrativas e complementares: um breve histórico da reforma psiquiátrica no Brasil”, de Lorena da Fonseca Ferreira, Débora de Jesus Pires e Hamilton Afonso de Oliveira, é um esforço para traçar o contexto sobretudo histórico -legal da criação da Política de Práticas Integrativas e Complementares dentro da Reforma Psiquiátrica brasileira.

Ao concluirmos nosso trabalho de organização do Dossiê “Abordagens em História da Loucura”, entregando -o aos leitores da Revista Expedições: Teoria e Historiografia, cumpre destacar a principal ameaça contra a qual se levanta o campo discursivo e de luta política que o nome ‘história da loucura’ carreia, o perigo próprio da nossa modernidade de fazer “passar por natureza aquilo que é conceito” (FOUCAULT, 2004, p. 476). A loucura faz história porque ela atravessou conceitos diversos no tempo. O mesmo deve ser dito de cada uma das entidades nosológicas da loucura. É justamente esse fazer passar por natureza um conceito de loucura ou uma entidade psicopatológica ou psiquiátrico – organicista que é minado pelo campo discursivo da história da loucura. Se isso ocorre mais como uma tensão do que propriamente uma plataforma estratégica de ação quando nos esforçamos para abrir o espaço para a palavra num campo discursivo que pretende fazer a história e contra a metafísica da loucura, se não está ao alcance de todos ir até às últimas consequências desse embate teórico de consequências políticas de enorme envergadura em termos civilizacionais e da história futura da humanidade, é justamente por compreendermos que é necessário constituir um campo discursivo como campo de aprendizagem e de experiência. Sinta -se o leitor convidado para isso, mas também advertido de que não se trata de terreno livre de contradição. É sua a tarefa de escolher quais crenças e quais metafísicas está em condições de superar e que práticas poderá melhor prepará-lo para o destino do andarilho. Boa leitura!


Referências

FOUCAULT, M. História da Loucura. 7 ed. São Paulo: Perspectiva: 2004.

SUGIZAKI, E. O campo discursivo da história da loucura. Expedições: teoria da história e historiografia, v.11, p. 1 – 18, 2020.


Organizadores

Eduardo Sugizaki – Doutor em História pela Universidade Federa de Goiás. Doutor em Filosofia pela Universidade da Picardia Júlio Verne. Líder do Grupo de Pesquisa La Folie/CNPQ. Docente no PPG História PUC Goiás.

Zuleika Köhler Gonzales – Doutora em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Larissa Arbués Carneiro – Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Goiás. Professora Adjunta no Departamento de Saúde Coletiva/IPTSP da Universidade Federal de Goiás.


Referências desta apresentação

SUGIZAKI, Eduardo; GONZALES, Zuleika Köhler; CARNEIRO, Larissa Arbués. Apresentação. Revista Expedições: Teoria da História e Historiografia. Morrinhos, v. 15, p. 1-3, ago./dez. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

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