Abipones en las fronteras del Chaco. Una etnografía histórica sobre el siglo XVIII – LUCAIOLI (Tempo)

LUCAIOLI, Carina P. Abipones en las fronteras del Chaco. Una etnografía histórica sobre el siglo XVIII. Buenos Aires: Sociedad Argentina de Antropología, 2011. 352 p. Resenha de KOK, Glória. Dinâmicas abipones nas fronteiras do Chaco no século XVIII. Tempo v.19 no.34 Niterói jan./jun. 2013.

Nas últimas décadas, publicações de historiadores, etno-historiadores e antropólogos lançaram novos olhares sobre as fronteiras da América do Sul.1 Superando as dicotomias resistência e aculturação e vencedores e vencidos, estudos recentes focalizaram o caráter multiétnico de territórios originalmente indígenas, os quais, imprecisos, flexíveis e porosos, configuraram-se como “zonas de contato”, “espaços socialmente construídos”. Nestes locais os povos nativos estabeleceram estratégias, relações e negociações internas e interétnicas com adventícios e diversos grupos indígenas durante o processo de conquista.

À esta linhagem de estudos, filia-se o livro da professora auxiliar do Departamento de Ciências Antropológicas da Facultad de Filosofía y Letras da Universidad de Buenos Aires (FFyL-UBA), Carina P. Lucaioli, intitulado Abipones en las fronteras del Chaco. Una etnografía histórica sobre el siglo XVIII. Fruto da tese de doutorado, sob a orientação da professora doutora Lídia Nacuzzi, a obra foi publicada pela editora da Sociedad Argentina de Antropología, em 2011.

Depois da leitura de documentos variados, manuscritos e impressos (atas, correspondências de religiosos e governadores, informes, entre outros) nos arquivos da Argentina, do Chile, do Rio de Janeiro, do Paraguai e da Sevilha, a autora realizou um primoroso estudo etno-histórico dos abipones. Este é um grupo nômade de caçadores e coletores da família linguística Guaycurúque, residente na região do Chaco, na Argentina. Com o intuito de desvendar as ações e as interações políticas dos nativos com os agentes coloniais, a autora dividiu o livro em quatro capítulos, iluminando as dinâmicas das fronteiras e as redes do Chaco no século XVIII.

O capítulo 1, “Los abipones en el Chaco austral: representaciones, recursos y usos del espacio”, traz uma análise rica das populações indígenas que viviam no Chaco, entre as quais os abipones, das estratégias de adaptação e dos usos do território pelos colonizadores e nativos, além da construção dos distintos imaginários e discursos elaborados em torno do espaço chaquenho.

La construcción del Chaco como espacio ajeno al dominio colonial, tierra de indígenas no dominados, se desenvolvió de manera simultánea al proceso de configuración y consolidación de sus distintos espacios fronterizos: la frontera occidental en la jurisdicción del Tucumán, la frontera del Paraguay y la frontera santafesina (p. 21).

Em virtude da riqueza de recursos, aspectos geográficos e seus habitantes, o espaço do Chaco tornou-se “una pieza clave en el mantenimiento de la autonomía indígena, desde donde los grupos podían ofrecer resistencia al avance colonial” (p. 65).

Organizados em “cacicados“, que, por sua vez, dividiam-se em “parcialidades” (riikahé, nakaigetergehé e yaaukanigá) baseadas em grupos familiares móveis formados por laços de parentesco e alianças matrimoniais, os abipones enfrentaram, em meados do século XVIII, as políticas fronteiriças de 1751 que tinham o objetivo de “sedentarizar” e “civilizar”, ou, nas palavras do documento, “conquistar infieles, descubrir sus tierras, fundarles pueblo, mantenerlos en él” (p. 75).

Em resposta, os abipones, ora confederados a outros grupos, como calchaquíes e mocovies, ora solitários, fizeram guerras, assaltos e malocas (ataques surpresa com pilhagem de bens europeus) em cidades, fazendas e povoados fronteiriços. “Las alianzas interétnicas eran tan móviles como lo era la posibilidad de renovar las alianzas políticas y sociales de carácter segmentario” (p. 81), conforme explica a autora.

No entanto, os abipones não fizeram apenas uso da violência em suas relações fronteiriças, foram também protagonistas de acordos que garantiram momentos pacíficos nos quais se intensificaram os intercâmbios comerciais de bens incorporados dos europeus — cavalos, gado, cativos, moedas de ouro e prata, vestimentas —, a prestação de serviços e a circulação de pessoas nas fronteiras.

O capítulo 2, “Las reducciones jesuítas de abipones: estratégias, interacción e intercâmbios”, enfocou os diferentes processos de negociação que deram lugar à fundação das reduções de abipones na região do Chaco, inaugurando uma nova etapa de relações interétnicas. Cada redução teve uma trajetória própria, liderada por caciques, e formou um enclave gerador de formas de interação inéditas, com distintos setores coloniais e grupos indígenas. Como afirma Carina Lucaioli:

Portales entre un mundo colonial y un espacio indígena, sítios mestizos casi por definición, propiciaron la circulación y el intercambio de bienes, personas y ideas. Así planteadas las cosas, las reducciones generaron nuevas posibilidades sociales, económicas y políticas que los abipones supieron amoldar a sus proprios intereses en complejos procesos de ‘aculturación antagônica’ (p. 96).

Na ocasião da Fundação de San Javier, em 1743, a primeira missão de mocovíes no Chaco austral, os pactos e acordos começaram antes do século XVIII entre distintos atores e setores coloniais. Como bem observa a autora, não se trata de pensar em uma política imposta aos grupos derrotados.

Las reducciones brindaron, a muchos abipones, mayores posibilidades para el acceso a determinados recursos y permitieron otras actividades económicas — sobre todo, las relacionadas con el gana do vacuno —, así como instauraron nuevas vías de interacción más estrechas y asiduas con las ciudades coloniales (p.105).

A escolha do espaço das missões ficou a cargo dos índios que optaram por locais distantes dos povoados espanhóis, resguardados por rios, protegidos de possíveis incursões militares, expedições punitivas e ataques de outros grupos indígenas. Na história dos abipones, portanto, a escolha do espaço foi crucial para a manutenção da mobilidade e da autonomia da população das missões.

O capítulo 3, “El liderazco indígena: formas de autoridade, tratou das trajetórias particulares dos caciques, escolhidos tanto por direito hereditário como por méritos guerreiros, desvendando suas estratégicas políticas de atuação nas fronteiras, muitas vezes ambíguas, como a aprendizagem de idiomas e das formas de diplomacia espanhola, posicionando-os ora como amigos, ora como inimigos dos espanhóis. Para os povos nativos, esclarece a autora, as missões constituíram “espacios de centralización y distribución e intercambio de determinados recursos económicos que los jesuitas y funcionarios coloniales otorgaban a los indios reducidos” (p. 209).

No último capítulo, “Relaciones interétnicas al calor de las armas: amigos, enemigos, aliados y cautivos”, Carina Lucaioli traça, a partir da dinâmica da violência, a história do contato entre abipones e ibero-americanos, da qual se destacam a guerra colonial, a guerra indígena e as malocas. Segundo a autora, a violência era o principal recurso utilizado pelos abipones no período colonial, que corria por vias paralelas ou sobrepostas, já que muitos acordos desembocavam em enfrentamentos armados.

Perspicaz no entendimento da engrenagem das dinâmicas e das redes mercantis dos grupos abipones sob a perspectiva das formas de interação com a sociedade colonial nos espaços fronteiriços do Chaco no século XVIII, Carina Lucaioli nos brinda com uma obra de referência para os estudos de história indígena, etnografia e antropologia históricas e história colonial das terras baixas da América do Sul. Eficaz no desmonte de ideias cristalizadas, a autora destacou, nas entrelinhas da documentação, a mobilidade, as identidades coletivas forjadas e — entre formas de violência, pactos, negociações e acordos —, a construção dos rumos da história dos abipones na gestação do mundo colonial.

1 Nádia Farage, As Muralhas do Sertão: os povos Indígenas no Rio Branco e a Colonização, Rio de Janeiro, Paz e Terra/Anpocs, 1991; Lídia Nacuzzi, Identidades impuestas, Buenos Aires, Sociedad Argentina de Antropologia, 1998; Guillaume Boccara, Los vencedores: los mapuche en la época colonial, Santiago de Chile, Instituto de Investigaciones Arqueológicas y Museo, 2007; Silvia Ortelli; Glória Kok, O Sertão Itinerante: expedições da Capitania de São Paulo no século XVIII, São Paulo, Hucitec/Fapesp, 2004; Elisa F. Garcia, As diversas formas de ser índio, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional de Pesquisa, 2007; Maria Regina Celestino Almeida; Sara Ortelli, “Atravesando fronteras. Circulación de población en los márgenes iberoamericanos. Siglos XVI-XIX (primera y segunda parte)”, Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Debates 2011, 2012, Disponível em: <http://nuevomundo.revues.org/62628>, Acesso em: 07 de fevereiro de 2013.

Glória Kok – Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); estágio de pós-doutorado em Antropologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mailkokmartins@uol.com.br.

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