O século XX pôs em movimento experiências sociais, culturais e políticas em quantidade e velocidade nunca experimentada anteriormente pela humanidade. Em nenhum outro momento da história os homens foram tão impactados por seus próprios atos e pelas conseqüências (im)previstas destes.
A indústria do século XX liberou forças produtivas em escalas nunca imaginadas, utilizando-se de recursos naturais de forma vertiginosa, com pouca ou nenhuma preocupação com a sustentabilidade. Mudanças profundas nas relações de e no trabalho tiveram implicações marcantes sobre a subjetividade e sociabilidade humana. O “modelo” fordista de produção, em meio a um processo de urbanização crescente, contribuiu decisivamente para emergir simultaneamente um modo de consumo insustentável e a massificação de diferentes expressões da vida, do trabalho ao lazer. O século XX não havia terminado e este padrão de desenvolvimento entra em declínio dando lugar a novos arranjos organizacionais e tecnológicos no mundo do trabalho. Tais transformações juntamente com as políticas de corte neoliberais, que retornam a cena na década de 1970, fragilizaram ainda mais o trabalho frente ao capital, trazendo inseguranças muito agudas para os trabalhadores. O desemprego, que ainda hoje assombra a contratualidade social, é a conseqüência mais visível, de um conjunto de transformações profundas em curso.
Em outro plano o século XX revela um complexo menu de experiências políticas tais como diferentes manifestações do socialismo e democracias capitalistas, nacionalismos, fascismo, nazismo, ditaduras militares na America Latina, levantes anticoloniais, assim como movimentos sociais diversos.
Mesmo contendo experiências políticas nefastas, comparativamente a outros momentos da história pode-se dizer que foi um século de ampliação dos valores democráticos e dos direitos sociais. Vale registrar, também, as conquistas realizadas pelas mulheres e a instituição de direitos fundamentais para as crianças. Mas, simultaneamente o século XX foi o mais violento da história humana com duas grandes guerras mundiais e dezenas de ininterruptos conflitos civis e entre nações. Acredita-se que mais de 100 milhões de pessoas tenham perdido a vida nestes conflitos.
Assistimos igualmente, ao longo do século, a uma vertiginosa torrente de inventos e descobertas que mudaram a vida biológica, social e subjetiva de imensos contingentes humanos. A mecânica quântica, as viagens espaciais, os antibióticos, os transplantes, a televisão, a lâmpada, a telefonia, computadores e inúmeros eletrodomésticos, são alguns exemplos. Por outro lado, o século XX ainda não havia chegado a sua metade e Walter Benjamim (1892-1940), em uma de suas Teses sobre a Filosofia da História, vale-se de uma pintura do suíço Paul Klee (1979 -1940), o Angelus Novus, para interrogar os horrores produzidos pelo progresso e a forma desorientada pela qual nos dirigimos ao futuro.
Por tudo que até agora referimos o que mais me chama a atenção no século XX é a grande quantidade de paradoxos que a experiência humana pôs em movimento.
Para as ciências humanas o século XX foi incrivelmente profícuo, não apenas em razão do acelerado processo de institucionalização de suas disciplinas, mas, sobretudo pelos avanços produzidos em relação a alguns postulados do Iluminismo e do Positivismo. Embora este embate epistêmico e social ainda esteja em curso dentro e fora das universidades, ganham força no final do século XX os empreendimentos teóricos e empíricos que procuram: i. superar antinomias tais como sujeito / objeto, material / ideal, sociedade / individuo; ii. descentrar o sujeito iluminista; e iii. mostrar que as ciências humanas não produzirão os meios para um conhecimento e controle integral das ações humanas e que a contingencia e o risco, em maior ou menor grau, é verdade, sempre estarão presentes.
Em outro artigo lembrei de uma frase de Tristão de Ataíde que diz : “o passado não é o que passou. É aquilo que fica do que passou.” Nesse sentido podemos afirmar que, em alguma medida, para o bem e para o mau, o século XX ainda está entre nós e, portanto, devemos seguir levantando algumas de suas bandeiras. A ampliação e aprofundamento dos valores democráticos na sociedade e o exercício da política seguem sendo urgentes e imprescindíveis.
Fernando Coutinho Cotanda – Doutor, professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS.
COTANDA, Fernando Coutinho. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v.1, n. 2, Dez., 2009. Acessar publicação original [DR]
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