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A Revolução Mexicana | Carlos Alberto Sampaio

Em novembro de 2010 a Revolução Mexicana completou o seu centenário. O marco propiciou uma série de debates sobre o legado e o significado desse evento no México, como também na América Latina. E o Brasil não ficou ausente de tais altercações.

A coleção da editora UNESP “Revoluções do Século 20”, dirigido pela profª drª Emília Viotti da Costa, tem como proposta realizar um estudo sobre os principais eventos revolucionários do século anterior, que segundo defende a autora, foram embalados por ideais socialistas. Dos 14 títulos já publicados pela coleção, faltava o estudo da primeira revolução de cunho social do século XX, como definido por Eric J. Hobsbawm (1988, p. 396): a Revolução Mexicana.

Lançado em novembro de 2010, ou seja, no mês de comemoração do centenário, “A Revolução Mexicana”, da coleção da editora UNESP, foi escrita pelo prof. dr. Carlos Alberto Sampaio Barbosa. Profundo conhecedor da temática, Barbosa também foi autor de diversos artigos e outros dois livros referentes ao processo revolucionário mexicano: “A fotografia a serviço de Clio. Uma interpretação visual da Revolução Mexicana (1900-1940)”, publicado em 2006 e “20 de novembro de 1910. A Revolução Mexicana”, lançado em 2007.

A Revolução Mexicana já atraiu a atenção de alguns pesquisadores em terras brasileiras, que rendeu estudos clássicos, como os elaborados por Ana Maria Martinez Côrrea (1983), Héctor Alimonda (1986) e Marco Antonio Villa (1993). Fora essas obras, foi lançado há pouco tempo um estudo, sob uma perspectiva marxista do México revolucionário, realizado por Rodolfo Bórquez Bustos, Rafael Alarcón Medina e Marco Antonio Basilio Loza (2008). A obra de Barbosa complementa os estudos apenas citados, revitalizando as interpretações acerca da Revolução Mexicana.

O livro abre com o capítulo “República Restaurada e Porfiriato: 1876-1910”, e oferece ao leitor uma análise consistente do período antecessor da Revolução. Ao iniciar pela Independência ocorrida em 1821, Barbosa traça um quadro da instabilidade política que assolou o México, detalhando os diversos conflitos que ocorreram na República (1823-1862), na Segunda Monarquia Mexicana (1862-1867) e na República Restaurada de Benito Juaréz e Sebastián Lerdo de Tejada (1867-1876). Ao adentrar no Porfiriato (1876-1911), o autor se distancia dos estudos clássicos que interpretam esse período como uma “era das trevas”. Para Barbosa (p. 33), o governo de Porfírio Díaz assumiu um perfil oligárquico e foi importante para pacificar e realizar uma unificação nacional no México. O progresso foi peremptório na centralização econômica do México, contudo, a classe trabalhadora, camponesa e os indígenas foram colocados à margem desse processo. Talvez, esse seja o maior desafio em se analisar o Porfiriato, pois, se, de um lado, esse regime foi importante para extinguir a instabilidade política que assolava o México por meio século, de outro, a censura e a repressão atingiram níveis elevados de quem não estava com a classe dirigente de Díaz.

Não obstante, Barbosa consegue lidar com essa questão. Pois, ao mesmo tempo que descreve as transformações do México, o autor não deixa de lado o impacto de exclusão que tais mudanças imprimiram entre os camponeses, os grupos indígenas (com destaque aos yaquis), a classe trabalhadora (como as greves na Cananea Consolidated Cooper Company e em Río Blanco em 1906) e entre uma classe intelectualizada, que resultou na fundação do Partido Liberal Mexicano, PLM em 1906, e do Partido Antirreleicionista, em 1908. Na definição de Barbosa (p. 57): “O período porfirista deve ser visto em relação ao antes e o depois da história do México, e não em termos absolutos”. Nessa perspectiva, o autor conseguiu realizar uma análise equilibrada do período de Porfírio Díaz, que se bem foi importante na integração territorial e no desenvolvimento de uma identidade nacional mexicana, também foi responsável por fomentar um sentimento de revolta que explodiu na Revolução em novembro de 1910.

Na segunda parte do livro, “Revolução Mexicana”, encontra-se a tese central da obra. Nesse capítulo, Barbosa inova ao propor uma nova delimitação das fases do processo revolucionário mexicano, ao separá-lo em dois períodos: “Crise das elites e mobilização das massas: 1910 – 1914” e “Derrota popular e vitória das novas elites: 1915-1920”.

Na primeira fase, é apresentado um balanço das variadas facções que se elevaram em 1910 com o objetivo de derrubar a ditadura de Porfírio Díaz e construir um novo México, incluindo os camponeses (liderados principalmente por Francisco “Pancho” Villa e Emiliano Zapata), uma classe operária (que os magonistas do PLM se esforçaram para representar) e uma classe liberal (cujo maior expoente foi Francisco Madero). Com uma escrita cuidadosa, Barbosa consegue elaborar um quadro equilibrado dessa diversidade de insurgentes e traça com detalhes o desenrolar de tais forças durante a Revolução. E quais teriam sido as motivações que uniram essa diversidade de atores sociais em torno de objetivo comum? Para o autor (p. 62): “A Revolução, não esperada pelos contemporâneos, era uma filha inesperada do projeto liberal do Século XIX e não foi fruto da miséria e da estagnação, mas provocada pela desordem de expansão econômica e das transformações sociais e políticas decorrentes dessas mudanças”.

Essa avaliação é essencial para compreendermos como Francisco Madero conseguiu desencadear essa intensa Revolução. Apesar das divergências entre os líderes revolucionários, Francisco Madero conseguiu reacender o ideal da democracia e de um desenvolvimento progressista já presentes em 1857, e que pareciam mortos em 1910.

Ao tratar das forças populares, Barbosa reserva uma descrição detalhada do movimento magonista, que, em muitos estudos sobre a Revolução Mexicana, é tratado com superficialidade. As forças camponesas do sul, de Emiliano Zapata, e do norte, de Pancho Villa, também recebem um tratamento cuidadoso por parte do autor. O fortalecimento dessas facções, com destaque as massas camponesas, se tornou um perigo não apenas para o já condenado regime de Porfírio Díaz, como também para o novo governo de Francisco Madero.

Alguns autores, como Bruit (1988), definem a Revolução Mexicana como um processo burguês, na tese de que ela falhou em atingir os seus ideais sociais, com a morte de Emiliano Zapata e a rendição de “Pancho” Villa. Todavia, apesar da derrota dessas forças, Barbosa (p. 89) defende que a Revolução Mexicana teve um curto período de domínio popular:

O ano de 1915 foi um dos mais intensos da história mexicana e talvez o mais decisivo do processo revolucionário. Foi o ano de uma grande experiência popular da Revolução, com a formação de grandes exércitos, a tomada do poder central e o início da criação de uma estrutura política revolucionária.

Para o autor, esse período foi marcante em cristalizar diversas imagens, que até a atualidade, são significativas no imaginário da Revolução Mexicana, como a foto que mostra a entrada de Zapata e Villa na Cidade do México, que por sinal, ilustra a capa do livro.

O segundo período refere-se ao período de triunfo dos constitucionalistas e do fim da experiência popular do México revolucionário.

Na terceira parte do livro, “Estabilização Política e Revolução Tardia: 1920- 1940”, Barbosa se detém na construção do Estado México diante das cinzas da Revolução. Esse capítulo também está subdividido em duas partes: “A Dinastia Sonorense: 1920-1934” e o “O cardenismo: 1934-1940”. No primeiro tópico, Barbosa analisa os embates políticos pela cadeira presidencial mexicana e reserva um destaque ao conflito entre católicos e o governo, conhecido com Cristeria. Além desses eventos políticos, o autor não deixa de lado as manifestações culturais do período pósrevolucionário, como o advento dos muralistas e a educação socialista de José Vasconcelos. O segundo tópico foi centrado no governo de Lázaro Cárdenas. O autor compartilha do estudo de Hans Werner Tobler (1994), que define o cardenismo como “a fase tardia” da Revolução Mexicana.

Segundo Barbosa (p. 109) três motivos elucidam essa definição do governo de Cárdenas: primeiro, o governo cardenista foi formado por muitos ex-combatentes revolucionários; segundo, Cárdenas colocou em prática os artigos mais avançados da Constituição de 1917, e em terceiro lugar, o Exército Federal, que na definição do autor sempre foi uma arma importante da oligarquia, havia sido destruído pelas forças camponesas de 1914.

O livro encerra com o capítulo “Herança Cultural”, também subdividido em duas partes, “Herança Cultural” e “Historiografia”, que tráz um apanhado das principais manifestações culturais e estudos referentes à Revolução Mexicana. No primeiro tópico, Barbosa descreve o surgimento de uma nova arte revolucionária, patrocinada pelos muralistas, além de outros produtos culturais, como filmes e livros, que não tratavam apenas do tema da Revolução, mas do próprio sentido de ser mexicano. Segundo Barbosa (p. 114):

Durante e depois, a Revolução foi objeto de diversos escritores que buscavam revelar qual era o verdadeiro ser do mexicano encoberto pelas máscaras de séculos de história colonial e autoritária. Assim, esse acontecimento fundador do México moderno foi tema para memórias, diários, crônicas e obras de ficção dos seus mais diversos participantes e observadores, tanto mexicanos como estrangeiros.

Os principais estudos sobre a Revolução encontram-se no tópico seguinte, em que Barbosa realiza uma discussão historiográfica sobre as principais obras e correntes interpretativas sobre o México revolucionário. Esse tópico merece destaque, pois mostra como a Revolução Mexicana despertou o interesse de diversos intelectuais, com a formação de diversas linhas de pesquisa. Apesar da grande bibliografia que a cerca, a Revolução Mexicana ainda é um tema que apresenta diversas possibilidades de pesquisa.

O maior mérito do livro de Barbosa está em seu equilíbrio. O autor conseguiu, em 130 páginas, apresentar ao leitor uma descrição detalhada do México antes, durante e depois da Revolução que eclodiu em 1910. Em se tratando de um processo revolucionário, protagonizado por diversos líderes com motivações políticas e pessoais distintas, e com diversas correntes ideológicas no campo de batalha, essa justa medida de análise oferece ao público, especializado e geral, um quadro preciso dessa Revolução, que há cem anos procurou trazer a igualdade e a democracia para o México. Valores esses que ainda constituem um desafio tanto para o país mexicano, quanto para a América Latina em geral.

Referências

LIMONDA, Héctor. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora Moderna, 1986.

BÓRQUEZ BUSTOS, Rodolfo (Org.) Revolução Mexicana. Antecedentes, desenvolvimento, consequências. Tradução. Ana Corbisier. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

BRUIT, Héctor H. Revoluções na América Latina. São Paulo: Atual, 1988.

CORRÊA, Ana Maria Martinez. A Revolução Mexicana 1910 – 1917. São Paulo: Brasiliense, 1983.

TOBLER, Hans Werner. La Revolución Mexicana: transformación social y cambio politico 1876 – 1940. México: Alianza Editorial, 1994.

VILLA, Marco Antonio. A Revolução Mexicana (1910-1940). São Paulo: Editora Ática, 1993.

HOBSBAMW, Eric J. A Era dos Impérios. 1875-1914. Tradução. Sieni Campos e Yolanda Steidel de Toledo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.


Resenhista

Fábio da Silva Sousa – Doutorando em História e Sociedade pela UNESP – Universidade Estadual Paulista. E-mail: fabiosilvasousa@hotmail.com


Referências desta Resenha

BARBOSA, Carlos Alberto Sampaio. A Revolução Mexicana. São Paulo: Editora UNESP, 2010. Resenha de: SOUSA, Fábio da Silva. Revista Eletrônica da ANPHLAC, n.10, p. 218-223, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

Itamar Freitas

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