A Revolução Cubana e a Questão Nacional | José Rodrigues Mao

A Revolução Cubana sempre foi mais do que um objeto de estudo acadêmico. Desde os primeiros textos produzidos pelos intelectuais que buscaram compreender o significado histórico da aça político-militar que libertou a Ilha de Cuba das garras do império norte-americano, a tônica foi sempre o engajamento. Intelectuais que transitavam do prestígio acadêmico para o compromisso revolucionário incorporaram essa mutação política. Wright Mills, acostumado a desnudar os mecanismos de reprodução das classes dominantes no centro do Império, viu Cuba como uma centelha de esperança. Jean-Paul Sartre, perturbado com os impasses do comunismo soviético, escreveu seu belo depoimento chamado “Furacão Sobre Cuba”. Na mesma época ele fazia o prefácio do mais eminente livro dos anos 60: “Os Condenados da Terra” de Franz Fanon, que, na esteira da Revolução Cubana e em plena Revolução Argelina, dava dignidade poética à violência revolucionária.

O último livro dessa grandeza sobre Cuba foi o de Florestan Fernandes, publicado em fins dos anos 1970 (Da Guerrilha ao Socialismo). Desde então, há no mundo editorial brasileiro especificamente, um vazio de livros que unam paixão à análise da Revolução.

A Revolução Cubana e a Questão Nacional: 1868-1963, amplo e excelente estudo de José Rodrigues Mao Jr., foi produto de uma erudita tese de Doutoramento defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). O livro não deixa de dar um retrato événementielle da História recente de Cuba, onde os personagens, os discursos e as tomadas de posição políticas e militares têm relevo. Mas a obra vai além. Ela retoma o fio da meada, que é o nacionalismo cubano, para compreender porque o mais formidável fenômeno revolucionário da História da América Latina tornou-se ao mesmo tempo um paradigma e um evento que não pôde inspirar outras revoluções semelhantes. Afinal, tentou-se, fosse sob o nome de “foquismo” (alusão ao “foco” guerrilheiro) ou outro qualquer, repetir-se a estratégia cubana em outros lugares sem êxito.

E o Autor vai ainda mais longe. Ele encontra num fator de longa duração (a longue durée de Fernand Braudel) a razão da vitória de 1959: a proposição contínua da centralidade da questão nacional. Daí porque a obra recua até a Primeira Guerra de Independência (1868). Paradoxalmente, ele exalta e reduz o significado da vitória, pois desnuda suas fontes históricas sem deixar de mostrar uma profunda admiração pelos feitos dos guerrilheiros.

O livro chega a detalhar fatos que escaparam a muitos analistas da Revolução: a persistência do caráter de desembarque das ações revolucionárias desde José Marti; a posição geográfica oriental das tentativas de assalto ao poder estabelecido; o papel dos estudantes radicalizados como sucedâneos inconformados daqueles estratos médios que no Brasil apareceram sob hegemonia da média oficialidade (tenentismo), mas que tinham uma mesma preocupação nacional e “moralizante”; o papel da Revolução de 1933; e a importância (muitas vezes esquecida) do Partido Comunista Cubano, um dos maiores da América nos anos 50! Um amplo debate sobre a questão nacional no seio do marxismo complementa a obra.

Tendo conhecido o Autor e com ele compartilhado os bancos escolares, pude testemunhar sua dedicação de vários anos de estudo acerca de duas questões chave da história cubana: a questão camponesa e a questão nacional. Ele encerra este ciclo de seus estudos a contento. Sua obra é o justo coroamento de seu esforço.


Resenhista

Lincoln Secco – Professor Doutor do Departamento de História da USP.


Referências desta Resenha

MAO, José Rodrigues. A Revolução Cubana e a Questão Nacional. São Paulo: Núcleo de Estudos d´O Capital, 2007. Resenha de: SECCO, Lincoln. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 07, n. 21, p. 143-144, junho, 2010. Acessar publicação original [DR]

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