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A pedagogia personalizada e comunitária no espaço ibero-americano (1950-1970) | Cadernos de História da Educação | 2022

A historiografia da educação francesa tem feito trabalhos instigantes sobre a pedagogia personalizada e comunitária, elaborada pelo educador jesuíta francês Pierre Faure. Em 1998, Anne-Maria Audic publicou «Pierre Faure s.j. 1904-1988: vers une pédagogie personnalisée et communautaire», livro que aborda a trajetória sócio-pedagógica do padre Faure. A pedagogia fauriana aparece sendo construída nas intervenções educativas desse padre jesuíta ecumênico, particularmente na segunda metade do século XX.

Em 2008, foi colocado à lume um volumoso conjunto de textos de Pierre Faure sob o título «Précurseurs et Témoins d`un enseignement personnalisé et communautaire», em que ele analisa as contribuições inovadoras da pedagogia de autores antigos como Jean-Jacques Rousseau e Henri Pestalozzi e educadores do novecentos como Maria Montessori, Ovide Decroly e Célestin Freinet.

No ano seguinte, Jean Marie Diem publicou «Pédagogie Personnalisée», que explora o legado pedagógico fauriano, mas avança na análise de experiências educativas contemporâneas. Estas três obras foram publicadas pela «Collection Sciences de l`Éducation da Éditions Don Bosco», dirigida por Guy Avanzini, e proporcionam uma visão consistente sobre a proposta pedagógica de Pierre Faure, construída desde os anos de 1940 até o falecimento de seu autor.

No entanto, estas obras tratam en passant a circulação internacional da pedagogia personalizada e comunitária, que foi significativa porque atingiu países europeus e americanos, bem como alguns países do norte da África e do Oriente Médio. Esta proposta pedagógica foi plasmada na França logo após a Segunda Guerra Mundial e, a partir dos anos de 1950, passou a ter uma disseminação global por meio de visitas pedagógicas de Pierre Faure a vários países e de estágios de educadores de vários países no Centro de Estudos Pedagógicos de Paris para conhecer in loco as inovações educacionais católicas, bem como pela publicação do padre Faure.

Nesta direção, o presente dossiê tem o propósito de lançar luz sobre a circulação da pedagogia personalizada e comunitária no espaço ibero-americano, que teve momentos históricos diferentes. Neste processo, o Brasil foi o pioneiro porque, desde o início da década de 1950, recebeu visitas de Pierre Faure para fazer conferências e ministrar cursos sobre a sua proposta pedagógica e, para tanto, contou com a parceria da Associação de Educação Católica (AEC), dirigida por um padre jesuíta, e por colégios católicos. Na Espanha a pedagogia personalizada e comunitária foi disseminada, a partir dos anos 1960, por grupos católicos, particularmente pelos vicentinos, e, por meio de mediadores culturais, chegaria até países hispano-americanos, particularmente a Colômbia, o Chile e o México. Portugal entrou neste circuito através de alguns de seus educadores que fizeram estágio com Pierre Faure em Paris ou em instituições educativas espanholas que já usavam a pedagogia personalizada e comunitária. Há, portanto, uma riqueza de circuitos no espaço ibero-americano muito instigante para a historiografia da educação.

Desta forma, o presente dossiê contém seis artigos que exploram a circulação da pedagogia personalizada e comunitária em países da América Latina e da Península Ibérica. Todavia, o primeiro texto, do historiador francês Laurent Gutierrez, coloca o foco sobre a constituição pedagogia fauriana na atmosfera do imediato pós-guerra, explorando a sua apropriação no Instituto Superior de Pedagogia do Instituto Católico de Paris (ICP). Assim, a partir de 1947, quando Pierre Faure realizava a sua experiência educativa fundadora na Externato da rua de Madri de Paris, passava a ter visibilidade no ICP por meio de suas aulas sobre os métodos ativos, filtrando, a partir do crivo católico, propostas pedagógicas inovadoras como o método Montessori e o Plano Dalton, bem como a Pedagogia Freinet. As intervenções pedagógicas de Pierre Faure no ICP e seus ensaios educacionais constituíram-se, em boa medida, um contraponto às iniciativas republicanas e laicas no sistema público de ensino na França, com destaque para a criação do Centro Internacional de Estudos Pedagógicos (CIEP) e a instituição das classes nouvelles, em 1945, e a elaboração do Plano Langevin-Wallon (1944- 1947), cujo comissão tinha a presença marcante de educadores marxistas. A reflexão de Laurent Gutierrez é, portanto, oportuna e necessária para dar início a este dossiê.

Os artigos de Daniele Hungaro da Silva e de Mauro Castilho Gonçalves exploram a disseminação e uso da pedagogia personalizada e comunitária no Brasil. Em “As visitas técnicopedagógicas de Pierre Faure ao Brasil para a formação de profesores”, a primeira apresenta um estudo sobre os primeiros cursos de formação de docentes que o padre jesuíta francês ministrou no Brasil, em meados dos anos de 1950, que ficaram conhecidos como semanas pedagógicas. Promovida pela AEC do Brasil, sediada no Colégio Sacre Coeur da cidade do Rio de Janeiro e realizada em meados de 1955, a primeira semana pedagógica animada por Pierre Faure teve a distinção do pioneirismo na rede educacional católica e a realização na então capital da República. Em meados do ano seguinte, no Colégio Notre Dame de Sion da cidade de São Paulo, realizou-se a segunda semana pedagógica, quando as ideias pedagógicas de Pierre Faure se tornaram ainda mais conhecidas no Brasil. Não sem razão, no início de 1959, ele voltou à capital paulista para preparar professores de três colégios católicos dirigidos por congregações religiosas francófonas que implantariam, naquele ano, as classes secundárias experimentais. É sobre este tipo de ensaio inovador de um educandário paulistano voltado para elites e dirigido por padres da santa cruz oriundos do Canadá e de ascendência francesa que versa o texto intitulado “O Colégio Santa Cruz como laboratório: a perspectiva de Yvon Lafrance”, de Mauro Castilho Gonçalves. Estes trabalhos indicam a formação de professores realizada por Pierre Faure para o ensino primário, realizado nas semanas pedagógicas, e para o ensino secundária, em 1959, que se desdobraria nos anos seguintes.

A penetração da pedagogia personalizada e comunitária na Península Ibérica ocorreu ainda na vigência dos regimes salazarista e franquista. Em Portugal, esta operação ocorreu no Colégio São Miguel, localizado em Fátima e fundado em 1962, porque o seu primeiro diretor, padre Joaquim Rodrigues Ventura, realizou estudos pedagógicos em Paris sob a orientação de Pierre Faure. Esta história singular é analisada pelo texto assinado por Joaquim Pintassilgo, José Eduardo Franco e Rita Balsa Pinho, que coloca Portugal no raio de difusão da pedagogia fauriana.

O artigo das historiadoras Sara Ramos Zamora e Teresa Rabazas Romero abordam a disseminação desta proposta pedagógica na Espanha, a partir dos anos de 1960, colocando o foco em Madrid. Por um lado, estudam as publicações de Victor García, professor catedrático de pedagogia experimental na Universidade Complutense de Madri, que se converteram em uma importante estratégia de divulgação da pedagogia personalizada e comunitária na Espanha. De outra parte, analisam os usos da pedagogia fauriana, a partir de década de 1960, em duas instituições educativas dirigidas pela Instituição Teresiana, quais sejam: Instituto Véritas, voltado as elites, e o Grupo Escolar Padre Poveda – escola pública frequentada pela classe trabalhadora. É por meio da educadora espanhola, que estudou com Pierre Faure em Paris e fez doutorado na Universidade de Múrcia, Maria Nieves Pereira, que a pedagogia personalizada e comunitária foi disseminada em países ibero-americanos a partir da década de 1970.

Nesta direção, o artigo de Norberto Dallabrida e de Norma Cecilia Bross Leal refletem acerca da circulação da pedagogia personalizada e comunitária no México e, especialmente, sobre o primeiro curso que o padre Pierre Faure ministrou para docentes na cidade de Gualajara, em meados de 1975, e que ficou conhecido como primeiro curso de verão.

Os estudos sobre a pedagogia personalizada e comunitária em movimento no espaço ibero-americano que compõem este dossiê são expressivos para a historiografia da educação porque tratam de compreender os meandros e os circuitos da difusão da principal matriz escolanovista católica do segundo pós-guerra. A circulação desta proposta pedagógica contou com várias estratégicas como a publicação de artigos e livros de Pierre Faure, o estágio de educadores ibéricos e latino-americanos em Paris e, particularmente, as visitas pedagógicas de Pierre Faure a vários países para realizar conferências e animar cursos de formação de professores. Na América Latina, a circulação da pedagogia personalizada e comunitária teve momentos históricos diferentes porque no Brasil se deu, sobretudo, nos anos de 1950 e de 1960, enquanto em países hispano-americanos este fluxo se deu a partir dos anos 1970 e se enraizou de modo consistente. Em Portugal e na Espanha, a pedagogia fauriana foi disseminada por circuitos católicos a partir dos anos 1960, quando estes países ainda viviam sob regimes autoritários. Enfim, o presente dossiê procura colocar o foco na principal matriz pedagógica da Educação Nova católica na segunda metade do século XX, bem como ajudar a pensar os multiformes processos de circulação de modelos pedagógicos.


Organizadores

Norberto Dallabrida – Universidade do Estado de Santa Catarina (Brasil) Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq https://orcid.org/0000-0002-5100-2028  http://lattes.cnpq.br/7488521314793134 E-mail: norbertodallabrida@hotmail.com

Laurent Gutierrez – Universidade Paris Nanterre (França) https://orcid.org/0000-0001-6325-4401 E-mail: laurent.gutierrez@parisnanterre.fr


Referências desta apresentação

DALLABRIDA, Norberto; GUTIERREZ, Laurent. Apresentação.Cadernos de História da Educação, v.21, e108, 2022. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

 

Itamar Freitas

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