A Nova Configuração Mundial do Poder | Gilberto Dupas, Celso Lafer e Carlos Eduardo Lins da Silva

Qualquer analista que pretenda interpretar a política internacional contemporânea não deve ignorar dois eventos que marcaram a história recente e o debate intelectual entre o final do século XX e o início do XXI: o pós Guerra Fria e os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001. Compreender a dinâmica internacional alheio a estes fatos parece inimaginável, tamanha a relevância e o impacto tanto para a (re)configuração da ordem, quanto para os esforços de sistematização de seu significado e consequências para a atualidade.

Conscientes deste imperativo é que os organizadores de A Nova Configuração Mundial do Poder – Gilberto Dupas, Celso Lafer e Carlos Eduardo Lins da Silva -, reuniram em uma obra vinte artigos que problematizam o cenário internacional à luz desses acontecimentos de nossa história recente.

Os artigos não são inéditos. Representam uma seleção feita em duas etapas, como esclarece o prefácio escrito por Dupas, dos artigos mais relevantes publicados nos dezesseis anos – de 1992 a 2008 – da Revista de Política Externa. Em um primeiro momento, foram selecionados sessenta textos, dos quais totalizariam vinte ao final do processo de organização. O critério-síntese que motivou o resultado final parece lúcido: conjugar em um exemplar os artigos mais representativos do debate que se estabeleceu sobre o contexto de mudança da ordem internacional no pós Guerra Fria.

Os capítulos-artigo seguem a ordem cronológica, opção que os organizadores consideram eficiente para demonstrar tanto a reação circustanciada aos eventos, quanto para destacar a profundidade analítica dos autores em relação ao contexto de publicação.

Os autores são em sua maioria brasileiros, mas também estão presentes algumas colaborações internacionais. Vale ressaltar que não constam apenas acadêmicos, fato que valoriza a particularidade da obra. Estão reunidas as análises e visões de diplomatas, funcionários de organismos internacionais e presidentes da República. Em suma, uma visão atualizada e não rígida do conceito de intelectual.

Ainda que a obra apresente os artigos cronologicamente e exista uma diversidade tanto de temas quanto de abordagens, é possível dividí-la em dois blocos, a partir de um critério sistêmico-temporal: os textos escritos até 2000, no qual sobressái a questão do fim da ordem bipolar; e os escritos pós- 2001, prevalecendo o impacto dos atentados terroristas e a reflexão sobre seus efeitos para a nova ordem estabelecida sob hegemonia norte-americana.

No primeiro bloco, está o texto inicial de Hélio Jaguaribe, “A nova ordem mundial”, publicado originalmente na inauguração da Revista em 1992. Em seguida, o artigo de Celso Furtado, “Globalização das estruturas econômicas e identidade nacional”, de 1993. Do mesmo ano é o terceiro artigo, de Albert O. Hirschman, “Será o fim da Guerra Fria um desastre para o ‘Terceiro Mundo’?”. Em 1994 Paulo Nogueira Batista escrevia “Cláusula social e comércio internacional: uma antiga questão sob nova roupagem”. Como resultado de uma intervenção feita ao então candidato a presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva em 1994 é que surge o breve artigo “A cúpula de Miami”. Celso Lafer publicava em 1998 “O impacto de um mundo em transformação no Direito Internacional”. Já em 1999, Gelson Fonseca Jr escrevia “Anotações sobre as condições do sistema internacional no limiar do século XXI: a distribuição dos pólos de poder e a inserção internacional do Brasil.” Finalizando o primeiro bloco, o artigo de Samuel Huntington, de 2000, “A superpotência solitária”.

O segundo bloco, por sua vez, apresenta maior diversidade temática em relação ao primeiro. Em 2002, Guillermo O´Donnel interessava-se pelo fim dos regimes autoritários e a nova realidade democrática na América do Sul em “Reflexões sobre as democracias sul-americanas contemporâneas”. Também de 2002 são os artigos de Edgar Morin, “Sociedade-mundo ou império-mundo?” e de Luciano Martins, “A (des)ordem mundial, o fenômeno dos terrorismos e as instituições democráticas”. Influenciados pelos acontecimentos trágicos de 2001, o ano de 2003 conta com as contribuições de Gilberto Dupas em “Fundamentos, contradições e consequências hegemônicas.”, Celso Amorim em “Multilateralismo acessório”, Guido Fernando Silva Soares em “Legitimidade de uma guerra preventina, em pleno 2003?” e Álvaro de Vasconcelos em “A crise européia e a ordem mundial”.

Retornando a diversificação temática característica do segundo bloco, segue o artigo de Aníbal Quijano, “O ‘movimento indígena’ e as questões pendentes na América Latina”, de 2004. Na transição de 2005 para 2006, o texto de Hans Blix, “Questões sobre a Guerra do Iraque: o uso da força, armas de destruição em massa e as Nações Unidas.” Em seguida, Sérgio Amaral analisa em 2006 em “Uma política externa para o século XXI” as consequências das mudanças internacionais para a política externa brasileira. No artigo “Caminhos novos? Reflexões sobre alguns desafios da globalização”, de 2007, Fernando Henrique Cardoso revisita seus argumentos quarenta anos após a publicação de seu livro com Enzo Faletto sobre as dinâmicas da dependência. Encerrrando a obra, o artigo de 2008 de Rubens Ricupero, “De Bali a Copenhague: o futuro regime internacional sobre mudança de clima”, abordando a questão delicada das mudanças climáticas.

A relevância desta publicação parece evidente: reunir em um único exemplar, em um esforço de sistematização temática, reflexões fundamentais sobre a realidade contemporânea da política internacional apresentadas em uma das mais tradicionais revistas na área de relações internacionais no Brasil. Sua leitura possibilita o acesso a uma informação selecionada e específica, de qualidade reconhecida. Em síntese, a obra sugere um panorama sobre quais temas estiveram em evidência nos últimos 16 anos, sob a ótica da atividade intelectual – imaginário dos questionamentos e das reflexões -, no contexto de dois acontecimentos de grande impacto na ordem internacional: o fim da Guerra Fria e a tragédia de 11 de setembro de 2001.


Resenhista

Taís Sandrim Julião


Referências desta Resenha

DUPAS, Gilberto; LAFER, Celso; SILVA, Carlos Eduardo Lins da. (Orgs.). A Nova Configuração Mundial do Poder. São Paulo: Paz e Terra, Resenha de: JULIÃO, Taís Sandrim. Meridiano 47, v.10, n.102, p.26-27, jan. 2009. Acessar publicação original [DR]

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