A Nova História Cultural tem proposto abordagens com foco na mediação e nas trocas culturais e simbólicas, ocorridas desde o século XVI até os dias atuais, entre a Europa e o continente americano, sobretudo na região do cone sul. Neste sentido está a obra A Ilustração (1884-1892): circulação de textos e imagens, entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro que expõe a intensa relação estabelecida entre Paris, Lisboa e Rio de Janeiro a partir do entendimento da difusão cultural cujo polo irradiador era a França, país mundialmente conhecido por manter refinados modos, costumes e progressos técnicos. O objetivo do livro é analisar sistematicamente o periódico e demonstrar a lógica da circulação através do Atlântico, além dos projetos culturais e políticos que envolveram a revista e seu principal responsável, Mariano Pina (1860-1899).
O estudo da publicação esteve circunscrito num projeto maior de pesquisa, intitulado “Circulação Transatlântica dos Impressos – a globalização da cultura no século XIX”, coordenado por Jean-Yves Mollier (Université Saint-Quentin Yvelines) e por Márcia Abreu (UNICAMP), com objetivo em investigar impressos que circularam entre Inglaterra, França, Portugal e Brasil no período de 1789 a 1914, recorte inspirado no clássico livro de Eric Hobsbawm (1917-2012), A Era dos Impérios (Editora Paz e Terra, 2012). O livro de Tania Regina de Luca (Unesp – Câmpus de Assis) abordou o periódico a partir da perspectiva de fonte e objeto, ou seja, as análises são realizadas levando em conta o aspecto diacrônico, que assenta o periódico na ótica da história da imprensa, e sincrônico, extraindo evidências e diálogos entre os agentes dos impressos e as publicações contemporâneas. Ademais, a mobilização de A Ilustração contribuiu ricamente para demonstrar novo e instigante modo de manuseio das fontes periódicas: ambos os eixos puderam ser vistos sob o ponto de vista transnacional, de forma a demonstrar como a revista estabeleceu relações culturais e econômicas com outras publicações do Brasil e de países europeus, ponto, aliás, destacado por Márcia Abreu no prefácio.
No primeiro capítulo, “Idealização e trajetória da revista: condições e possibilidades”, a pesquisadora apresentou a viabilidade da edição e publicação de A Ilustração. Como o próprio título alude, a revista usufruiu de gravuras obtidas a partis de polítipos, processo que permitiu a revenda de clichês o que barateou o custo de impressos ilustrados, uma vez que havia a possibilidade de reuso do material, descartando a presença de grande quantidade de profissionais do ramo. Na França, a SGAP (Société Anonyme de Publication Périodique), sob comando de P. Mouillot, realizou a revenda de gravuras utilizadas por impressos periódicos franceses e, Mariano Pina, que habitava Paris, não deixou de participar do negócio, fechando contrato com a sociedade, fato que lhe garantiu valer-se de moldes xilográficos que saltavam aos olhos de seus leitores.
A intensa e importante relação extraída do estudo pormenorizado da materialidade e do conteúdo da revista, que certamente podem evidenciar as relações com agentes e sociedades de edições impressas, somou-se a dimensão da rede de sociabilidade de Mariano Pina, ponto conhecido após pesquisa atenta e sólida nos espólios do jornalista e de seu irmão, Augusto Pina, e em outros acervos de escritores portugueses, com quem Pina trocava correspondências frequentes, a exemplo de Eça de Queirós (1845-1900). Assim, a autora pôde verificar que A Ilustração foi uma empreitada levada adiante devido ao contato com o diretor e um dos proprietários, Elísio Mendes, da Gazeta de Notícias (1875-1942). Entretanto em 1885, De Luca observou que o diretor do matutino fluminense deixou de estar à frente da revista ilustrada passando a propriedade para Pina, fato que explica o motivo, a partir deste momento, do declínio de conteúdos relativos ao Brasil. Este fato seria corroborado com detalhes no segundo capítulo do livro, intitulado “Conteúdo: organização e processo de produção” e do qual trataremos abaixo.
Este capítulo da obra é dedicado à pesquisa minuciosa da materialidade, da organização, da natureza dos textos e das imagens, dos estabelecimentos tipográficos na França e em Portugal – e o que isso implica na edição do periódico –, e dos colaboradores da revista ilustrada. O trabalho exaustivo de recolha do conteúdo e da inserção em tabelas não se mostrou apenas quantitativo, uma vez que por meio dos dados evidenciaram-se tendências e comportamento dos conteúdos, além de ter garantido a percepção ampla da interatividade mantida entre a revista e seus colaboradores e, em alguns momentos, até mesmo com os leitores. No que concerne ao conteúdo textual, as seções que eram escritas majoritariamente pela redação, ou seja, por Mariano Pina, foram revestidas de conteúdos diversificados e que abordavam notícias e textos científicos, literários e mundanos, embora houvesse colaboração de escritores portugueses, como Jaime de Séguier (1860-1932), Abél Acácio (1854-1917), Teófilo Braga (1843-1924), Carlos Lobo Ávila (1860-1895), Luiz Magalhães (1859-1935), etc., apenas para ficar com os mais representativos.
A Ilustração também contou com estampas originais, sobre assuntos portugueses e brasileiros, a maioria confeccionada por artistas da Société Anonyme de Publication Périodique. Tais considerações dão a dimensão ainda mais detalhada do trabalho, pois De Luca trouxe à luz diversos ilustradores, desenhistas e gravadores que, muitas vezes, não são conhecidos e estudados pelos especialistas no assunto. Cabe-nos levantar a hipótese de isso acontece por, talvez, tais funções terem desaparecido com o advento da fotografia, que permitiu a captura instantânea e a transposição direta para as páginas de periódicos impressos sem a intervenção destes agentes.
O terceiro capítulo intitulado “As „Crônicas‟ de Mariano Pina” dedica-se a explanar sobre a seção “Crônica”, importante indicadora dos ideais do diretor-proprietário da revista, uma vez que em algumas ocasiões ela fez-se de editorial. O conteúdo dizia a respeito dos divertimentos que havia na cidade de Paris, bem como o lado pobre e miserável da sociedade: as doenças e as revoltas nas ruas da capital francesa; além de assuntos tristes e desagradáveis, como os necrológios. A morte do escritor francês Victor Hugo (1802-1885), há de se dizer, mereceu atenção especial do periódico. Outro momento de grande destaque na revista foi a Exposição Universal de 1889, evento que exibiu conteúdo científico, artístico e cultural, mas também corroborou os interesses pessoais de Pina quando a autora descreveu a luta e indignação do diretor referente ao Pavilhão Português, frente ao bem organizado Pavilhão Brasileiro.
Sobre o Brasil, Mariano Pina ainda debateu o advento da República do Brasil referindo-a como uma revolução pacífica e exibiu, em harmonia com a crônica, imagens sobre o evento, das quais o Le Monde Illustré publicou e ainda ofereceu créditos ao diretor. Por fim, Luca nos apresenta os embates e polêmicas em torno de literatos portugueses publicados nas páginas de A Ilustração, principalmente aos que concernem às demasiadas influências francesas que deveriam ser combalidas como o faziam as obras originais de Eça de Queirós (1845- 1900), com quem Pina mantinha relação próxima.
A autora observou que a maioria destes temas também era retratado em estampas, o que evidencia que “Crônicas” e “As nossas gravuras” possuíam diálogos entre si e, portanto, permitiam ofertar ao leitor experiências visuais do que era relatado por Pina em seus textos, embora, em algumas outras ocasiões o diretor-proprietário usufruísse de textos e imagens que não eram atuais ao apropriá-los e adaptá-los para o que lhe era conveniente no momento.
O estudo pormenorizado de A Ilustração foi capaz de montar o difícil quebra-cabeças mantido, no século XIX, para a manutenção da revista. De Luca, assim, demonstrou que não é possível analisar periódicos que circularam em dois ou mais espaços tendo apenas o ponto de vista da história local, mas demonstrar que os historiadores devem promover rico diálogo a partir da observação da circulação de impressos transatlânticos e questionar a concepção de fronteiras estáticas, bem como evidenciar que elas podem ser dinâmicas ao revelarem trocas culturais e simbólicas, como afiançou a publicação portuguesa sob a batuta de Mariano Pina e o lápis de vários ilustradores de nacionalidades distintas. Em suma, resta-nos imaginar o deleite propiciado pela publicação em leitores, sobretudo, de três capitais importantes, uma vez que se iniciava, naquele momento, a familiaridade com o material imagético. É deveras interessante pensar que era possível, no Rio de Janeiro, saber sobre os últimos acontecimentos e novidades europeias sem a necessidade de se deslocar até o velho continente, mostras de que as trocas internacionais, hoje mantidas pela internet, foram gestadas já no século XIX.
Helen de Oliveira Silva – Mestranda em História – Programa de Pós-graduação em História – Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Universidade Estadual Paulista, “Júlio de Mesquita Filho”, câmpus de Assis. Assis, SP – Brasil. Bolsista FAPESP. E-mail: hdeosilva@gmail.com
LUCA, Tania Regina de. A Ilustração (1884-1892): Circulação de Textos e Imagens entre Paris, Lisboa e Rio De Janeiro. São Paulo: Editora Unesp; Fapesp, 2018. Resenha de: SILVA, Helen de Oliveira. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.8, n.15, p. 334-337, jul./dez. 2018. Acessar publicação original [DR]
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