Nas últimas décadas, a historiografia brasileira intensificou as relações com a historiografia portuguesa no âmbito da contemporaneidade do século XX. Inúmeros intercâmbios foram estabelecidos, e investigadores passaram com frequência a cruzar o Atlântico. No Brasil, nomes como António Costa Pinto, Fernando Rosas, Álvaro Garrido, Maria Inácia Rezola e Fernando Catroga começaram a fazer parte da discussão acadêmica e intelectual. Redes de pesquisa, como a rede Conexões Lusófonas: ditadura e democracia em Português3, foram criadas com o propósito de apresentar, com maior dinamismo, resultados de pesquisas que buscam reflexões acerca do mundo lusófono.
Entre esses pesquisadores, destaco Duncan Simpson como um historiador necessário para o Brasil. Com uma vasta pesquisa sobre a história política e religiosa do Estado Novo salazarista, possui um sólido conhecimento e é um dos grandes nomes da historiografia, não apenas portuguesa, visto que está inserido em uma perspectiva transnacional.
Com formação acadêmica no Reino Unido, obteve graduação na London School of Economics e mestrado e doutorado em Estudos Portugueses no King’s College London. Foi professor em seu país natal, atuando na Université de Bretagne Occidentale, e atualmente é Investigador Associado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Com o apoio de uma bolsa Marie Curie, desenvolve uma história da Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) a partir das bases populacionais, estabelecendo um novo caminho para a compreensão das várias possíveis relações entre a polícia secreta e os cidadãos portugueses que viveram durante a ditadura de António de Oliveira Salazar.4
Entretanto, antes de iniciar a citada pesquisa, publicou A Igreja Católica e o Estado Novo salazarista, livro que resulta de sua tese de doutoramento, orientada pelo professor Francisco Bethencourt5. Com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, promove uma série de reflexões sobre um ponto de relevância para o Estado Novo. Detentor de uma política autoritária com fortes dogmas católicos, inclusive com apoio da Igreja Católica, e, ao mesmo tempo, sem entrar no contexto de fascistização, sobrevivendo no pós-segunda guerra, Salazar e seu discurso religioso, ancorado pela Igreja Católica, foram fundamentais para a sustentação do regime.
Compreender o salazarismo não é uma tarefa simples, e, sem dúvida, é o debate sobre o qual mais se gastou páginas nas últimas décadas na historiografia e ciência política portuguesa. Não há consenso em relação à natureza do regime, aos termos, conceitos, às definições e caracterizações da política vigente em Portugal durante grande parte do século XX.
A discussão proposta por Simpson tem como foco o ciclo de vida do período salazarista, ou seja, entre 1928 e 1968. E para que o Estado Novo português seja analisado, é necessário minimamente compreender a liderança de António Oliveira Salazar e sua formação e militância religiosa, elemento de destaque na obra. Após o Golpe de Estado em 1926, seu nome, associado a um católico e especialista em finanças, foi levado ao cargo de ministro das Finanças, e nesse cargo entrou na Ditadura Militar portuguesa em 1928, sendo elevado a presidente do Conselho de Ministros, em 1932, cargo que ocupou até 1968, momento em que foi afastado por doença. Dessa forma, a essencial obra tem como foco quarenta anos de história, não abordando a fase final com o governo do seu sucessor, Marcello Caetano.
O principal traço de Salazar na política portuguesa, principalmente pelas relações religiosas estabelecidas, foi a associação com a Igreja Católica como forma de manutenção do poder, como aponta o autor, que destaca a aliança entre as duas partes. Não havia nenhuma instituição melhor que a Igreja para assegurar a manutenção do regime. Como aponta a historiografia portuguesa, a existência de uma aproximação entre o Estado Novo era algo extremamente vantajoso para a Igreja Católica.
O livro é dividido em cinco capítulos e segue uma ordem cronológica. No primeiro, tem-se como propósito central a reflexão da fundação do Estado Novo em 1933 a partir da política salazarista desde 1928. No segundo capítulo, Simpson faz uma reflexão de grande relevância, pois trata do discurso católico e nacionalista estabelecido no contexto de fascistização, principalmente no contexto da Segunda Grande Guerra. Os três últimos capítulos apresentam uma temporariedade de notoriedade e fundamento essencial para a compreensão do Estado Novo, que conseguiu manter a sua força após a queda dos regimes autoritários. Em sequência, o autor analisa uma “reconstrução” do discurso estatal, do papel de Portugal na Guerra Fria e, finalmente, a questão colonial, culminando com as guerras e a diplomacia da Igreja nos conflitos, sobretudo com as colônias africanas.
A obra de Duncan Simpson é de enorme relevância acadêmica e passa a dialogar com estudiosos consagrados na relação Igreja e Estado, como Manuel Braga da Cruz e António Matos Ferreira, portanto necessita ser divulgada e conhecida pelos acadêmicos brasileiros, com o propósito de refletir sobre um pilar de relevância da política contemporânea.
Notas
1 Com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
3 Para mais informações, acesse: https://www.conexoeslusofonas.org/
4 Para mais informações, acesse: https://historyofthepidefrombelow.home.blog/
5 SIMPSON, Duncan. The Catholic Church and the Salazarist New State. Tese (Doutorado em Portuguese and Brazilian Studies), London: King’s College London, 2011.
Referências
SIMPSON, Duncan. A Igreja Católica e o Estado Novo salazarista. Lisboa: Edições 70, 2014.
SIMPSON, Duncan. The Catholic Church and the Salazarist New State. Tese (Doutorado em Portuguese and Brazilian Studies), London: King’s College London, 2011.
Resenhista
Leandro Pereira Gonçalves – Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Pesquisador FAPEMIG. Doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) com estágio (junior visiting fellowship), no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e com pós-doutoramento pela Universidad Nacional de Córdoba (Centro de Estudios Avanzados/Argentina). Coordenador da Rede de Investigação, Direitas, História e Memória e compõe o Conselho Administrativo da International Association for Comparative Fascist Studies (ComFas).
Referências desta Resenha
SIMPSON, Duncan. A Igreja Católica e o Estado Novo salazarista. Lisboa: Edições 70, 2014. Resenha de: GONÇALVES, Leandro Pereira. Igreja Católica e salazarismo1. Faces de Clio. Juiz de Fora, v. 7, n. 14, p. 274- 276, jul./dez. 2021. Acessar publicação original [DR]
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