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A História Refigurada: novas reflexões sobre uma antiga disciplina – JENKINS (RTF)

JENKINS, Keith. A História Refigurada: novas reflexões sobre uma antiga disciplina. Tradução de Roberto Cataldo Costa. São Paulo: Contexto, 2014. Resenha de: ASSIS, Gabriella Lima de. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 7, n. 1, jan.-jun., 2014.

Depois de publicar ao longo da década de 1990 obras que discutiram as pro-fundas mudanças pelas quais a história passou enquanto disciplina1, o historiador inglês Keith Jenkins, professor emérito da University of Chichester, escreveu uma no-va obra na qual apresentou os seus argumentos em relação ao discurso da pós-modernidade.

Segundo o próprio autor, a sua intenção nesta nova obra recentemente tra-duzida para o português com o título “A História Refigurada”2 foi apresentar para os estudantes de história que estão empenhados em “fazer história” ou prestes a isso, novos argumentos capazes de trazer frescor a uma disciplina tão antiga por meio da tentativa de refigurá-la diante das abordagens sinalizadas pelo pós-modernismo.

Existem muitas definições diferentes acerca do pós-modernismo3, porém nesta obra Keith Jenkins o compreendeu como “a era da aporia” em que o discurso da história deve ser pensado como uma estética “e não como uma epistemologia objetiva, verdadeira ou fundacional”4. Desta maneira, ao longo do desenvolvimen-to dos argumentos concatenados no livro, o autor mencionou que a sua expectativa com a escrita deste livro não foi a de superar a história pós-moderna, na verdade seu objetivo principal foi trabalhar o discurso da história na direção desse tipo de democra-cia radical e aberta, que entende a impossibilidade de instituir um fechamento histórico/historicizante total do passado, ao mesmo tempo que reconhece que suas formas refiguradas de conceber – ou seja, figurar – as coisas “nunca terão sido boas o suficiente” – e que esta é a mais desejável5.

Com uma escrita intencionalmente polêmica e muito provocativa, Keith Jenkins não omitiu que foi muito influenciado por Jacques Derrida, Hayden White e Frank Ankersmit juntamente com seus respectivos postulados teóricos durante a escrita desta obra. Sem esperar a aprovação dos mesmos, Keith Jenkins afirmou que se beneficiou pessoalmente ao ler todos eles e pretendeu de forma clara expres-sar os méritos de cada um nos três capítulos que compõe seu novo livro.

O primeiro capítulo intitulado “Tempo (s) de abertura” apresenta as contri-buições do teórico francês Jacques Derrida para o pensamento histórico. Da manei-ra como Keith Jenkins nos permite entender, a principal contribuição deste autor foi unir “a demonstração da impossibilidade do fechamento linguístico/discursivo a uma promessa emancipatória e política”6.

A idéia central deste capítulo parece ser a de demonstrar que a abertura ine-vitável proporcionada pelas perspectivas pós-modernas que Derrida ajudou a con-solidar, tem permitido releituras e reescritas do passado fazendo surgir uma história sempre refigurada. Nesse sentido, segundo Jenkins, os trabalhos de Derrida tenta-ram “mostrar, entre outras coisas, a impossibilidade de reduzir ao finito ou ao cog-noscível as infinitas possibilidades do pensar sobre o que a história pode ser”7.

Para Keith Jenkins, ser pós-modernista não é simplesmente aceitar perspec-tivas em múltiplos níveis ou crer na multi-interpretação. Na verdade, da maneira como discorreu Keith Kenkins neste capítulo, o que os pós-modernos problemati-zam não é o conteúdo da história, e sim o status de sua forma.

Novamente lançando mão de Derrida, Keith Jenkins explicou que os senti-dos não são constituídos por signos/palavras autossuficientes. Na verdade, E, de fato, é essa natureza aparentemente fixa do sentido que mui-tas vezes faz com que pessoas pensem equivocadamente que há al-go essencial na linguagem… de modo que, por exemplo, alguns historiadores supõem a existência de algo intrínseco no nome da história que a isentaria de receber sentidos e conotações infinita-mente novos, ao invés de ver que a “história”, como todos os con-ceitos, é um “significante vazio”8.

Ainda no primeiro capítulo Keith Jenkins trabalhou as idéias de “indecidibi-lidade da decisão” e de “aporia” de Derrida, cujas implicações na história podem ser compreendidas na medida em que enxergamos que o passado nada contém de valor intrínseco, nada a que tenhamos de ser leais, nenhum fato que tenhamos que encontrar, nenhuma verdade, problema ou tarefa a resolver, na verdade somos nós que decidimos sobre essas coisas9.

No segundo capítulo chamado “Ordem (ns) do dia” Keith Jenkins demons-trou como pode ser libertador para os historiadores a idéia pós-moderna de que não exista um método histórico ou uma epistemologia que não seja problemática.

Partindo dessa vez das contribuições do teórico norte-americano Hayden White, Keith Jenkins explicou que assim como o passado e a história, os fatos tam-bém são construções interpretativas. Para ele, “isso não significa negar a realidade dos acontecimentos passados, mas argumentar que eles não importam até receber significação no discurso”10.

Neste capítulo Keith Jenkins pode explicar o cerne do pensamento de Hayden White que o tornou um adepto dos pressupostos da história pós-moderna. Para ele, White considera axiomático que as hitsórias – especialmente as história narrativas (embora, provavelmente, todas as histórias se-jam narrativas em suas estruturas gerais) – sejam basicamente fictí-cias. Ou seja, embora possam querer dizer a verdade e nada mais que a verdade sobre seus objetos de estudo e sobre o que recolhem do arquivo, os historiadores não têm como narrar suas descobertas sem recorrer ao discurso figurativo11.

Ainda neste capítulo, Keith Jenkins falou sobre como o holandês Frank An-kersmit partiu de algumas idéias elaboradas por Hayden White para formular a noção de história como proposta, como apresentação e não como representação. Do ponto de vista de Jenkins seria possível concluir que para ambos os teóricos, o mais importante na escrita dos historiadores não está no nível do enunciado mas no da apresentação textual proposta, é esta que estimula o debate historiográfico. Des-ta forma a história seria sempre tão inventada (imaginada) quanto encontrada.

Em “Começar de novo: das disposições desobedientes”, o terceiro capítulo apresentado no livro, Keith Jenkins defendeu uma atitude que podemos considerar pós-moderna. Sem oferecer um mapa ou modelo de ação, o autor faz um elogio as análises históricas que celebram o caráter falho do fechamento.

Em sua análise o pós-modernismo pode ser entendido de maneira positiva por parte dos historiadores profissionais. Do modo como Keith Jenkins escreveu neste capítulo, o pós-modernismo não é uma espécie de moda, tão pouco pode ser resumido como uma interpretação pluralista. Para o autor, O pós-modernismo, como se entende positivamente aqui, é a ob-tenção de uma atitude, uma disposição militante, radical, que fra-giliza não apenas o conteúdo, mas também as formas gramaticais das histórias modernistas sem uma pitada de nostalgia, e oferece, em seu lugar, em suas novas gramáticas e atos de atenção, novas formas de mostrar “o antes do agora” ainda não concebido12 Por fim o autor acrescentou ainda o que ele denominou de “Coda”, para di-zer a respeito das principais implicações do seu pensamento histórico apresentado ao longo desses três capítulos que compuseram a sua nova obra. Firmando os seus posicionamentos bem como as idéias das quais partiu para escrever “A História Refigurada”, Keith Jenkins encerra fazendo algumas afirmações não menos polê-micas que certamente servem para aguçar e incentivar novas produções sobre o assunto.

Jenkins concluiu seu texto dizendo que “a ruptura entre as histórias moder-nas e pós-modernas não é uma ruptura epistemológica”13, a modernidade e a pós-modernidade são mundos diferentes, “todas as histórias são, portanto, do tipo esté-tico, que os pós-modernos levam ao nível da consciência”14.

De maneira geral podemos dizer que neste novo livro, Keith Jenkins estabe-leceu uma avaliação das principais questões levantadas pelo conhecimento históri-co nos últimos anos. Ele defendeu que grande parte dessas questões impactantes para a prática histórica permanece em aberto. Por meio de uma escrita instigante, Jenkins tratou da pós-modernidade trazendo à tona novas reflexões que servem tanto para professores quanto para alunos interessados pelas discussões sobre o pensamento histórico.

1 Cf. Rethinking History (1990) [ A História repensada]; On “What is History!” From Carr and Elton to Rorty and White (1995); The Postmodern History Reader (1997) e Why History! Ethics and Postmodernity (1999).

2 O título original da obra é Refiguring History: New Thoughts on an Old Discipline, trata-se de uma pu-blicação da Routledge de 2003.

3 Entre os teóricos que buscaram uma definição da temporalidade pós-moderna podemos citar: LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 5ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998; JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo: A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. 2ºed. São Paulo: Ativa, 2004; BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001; MUNS-LOW, Alun. Desconstruindo a História. Petrópolis: Vozes, 2009.

4 JENKINS, Keith. A História Refigurada: novas reflexões sobre uma antiga disciplina. Tradução de Ro-berto Cataldo Costa. São Paulo: Contexto, 2014, p. 103.

5 Ibidem, p. 14.

6 JENKINS, KEITH. op. cit. p. 48.

7 Ibidem, p. 33.  8 Ibidem, p. 36.

9 Keith Jenkins, op. cit. p. 46.

10 Ibidem, p. 65.

11 Ibidem, p. 67.  12 Keith Jenkins, op. cit. p. 97.

13 Ibidem, p. 100.

14 Ibidem, p. 101.

Gabriella Lima de Assis – Universidade Federal de Mato Grosso. Programa de Pós-graduação em História Av. Fernando Corrêa da Costa, nº 2367 – Bairro Boa Esperança – Cuiabá – MT – 78060-900 E-mail: gabriella.lima@gmail.com.

 

Itamar Freitas

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