Num plano rosa claro (muito afetivo) corre um veio rubro. Este veio tem um nome: A forma indelével. Eu diria a Rua Indelével. O projeto gráfico deste livro de Flávia Botechia antecipa o quão afetuoso é o seu trabalho, o seu olhar para este veio rubro – a Avenida Maruípe, imerso na paisagem rosa, que, por licença poética, eu digo que é a cidade de Vitória.
Assim o vi, assim o li, pois, desde a capa, este livro antecipa a conclusão da atilada pesquisa da autora capixaba que já dedicou outros estudos à cidade de Vitória, Espírito Santo. Desta vez, Flávia nos apresenta as conclusões de sua tese de doutorado na forma de livro, o que também poderia ter acontecido com seu trabalho de graduação e sua dissertação de mestrado – queremos mais!
A pesquisa de sua tese (1), aprendemos no livro, é movida por uma questão crucial: de que tempo é esse lugar? O que me levou a questionar: no decurso dos tempos, qual é o componente urbano que mais persiste na memória da gente que ocupa, usa, expressa e vive o lugar? Para responder às perguntas que este seu trabalho acadêmico suscita, Flávia se fundamentou, com muita propriedade, nos campos de estudos da morfologia urbana e da memória.
Permito-me, aqui escrevendo como mera leitora, não enveredar por uma abordagem desses campos e da fundamentação teórica como um todo. Fazê-lo, nesta resenha, me pareceu desnecessário. Isso, não apenas pela já reconhecida proficuidade dos estudos morfológicos e de memória, mas também porque a apresentação do livro, pela professora Eneida Maria Souza Mendonça, e o prefácio, pela professora Maria Isabel Villac já o fazem, com grande propriedade.
Assim, prefiro fazer uma abordagem contemplativa, pois foi como leitora, mais do que de qualquer outro modo, que o livro me interessou a ponto de querer resenhá-lo. Devo dizer que sou uma leitora que acima de tudo crê na literatura como lugar de memória. Assim acreditando, sigo aqui uma trilha aberta justamente pelo prefácio, que ressalta um termo muito caro à literatura: interpretação. Eis o termo que a autora do prefácio evidencia, para destacar o estudo de Flávia em sua pesquisa.
Ora, interpretar é um é um movimento de idas e vindas, assim aprendemos desde que nos ensinam os princípios da comunicação, com os clássicos termos emissor, mensagem, receptor. O fato é que Flávia realiza esse movimento com muita destreza, interpretando formas e permanências.
Com maestria, ela perquire o que fica, seja de entradas, de caminhos, de entornos, e, nesse movimento, sucedem-se desenhos, mapas conjecturais, fotografias várias, configurando, com o seu processo, uma iconografia – o que o projeto gráfico do livro realça e valoriza. Esse movimento interpretativo tece malhas, forma memórias, e nos leva, de mãos dadas, a usufruir a forma indelével.
Por fim, devo terminar declarando aqui que escrever esta resenha foi o meu modo de lhe convidar a conhecer A forma indelével.
Nota
1Texto base do livro: BOTECHIA, Flávia Ribeiro. A forma indelével: estudos morfológicos sobre a persistência elementar em Maruípe. Tese de doutorado. Orientadora Maria Isabel Villac. São Paulo, FAU Mackenzie, 2017.
Resenhista
Eliane Lordello – Arquiteta e urbanista (UFES, 1991), mestre em arquitetura (UFRJ, 2003), doutora em desenvolvimento urbano na área de conservação integrada (UFPE, 2008), é arquiteta e urbanista da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo, atuando na Gerência de Memória e Patrimônio.
Referências desta Resenha
BOTECHIA, Flávia. A forma indelével. Um estudo sobre a persistência morfológica em Maruípe. Vitória: Edição do autor, 2018. Resenha de: LORDELLO, Eliane. Um veio rubro cortando uma paisagem rosa. A forma indelével. Resenha Online. São Paulo, n. 210, jun. 2019. Acessar publicação original [DR]
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