A filosofia natural de Benjamin Franklin: traduções de cartas e ensaios sobre a eletricidade e a luz | Breno Arsioli Moura
Em A filosofia natural de Benjamin Franklin, Breno Moura (2019) traz sete traduções de cartas e ensaios redigidos ao longo do século XVIII pelo filósofo natural norte-americano Benjamin Franklin. Além de traduzir os escritos, Moura discute o contexto das produções, a sua importância para a filosofia natural e as implicações que tais textos tiveram na vida de Franklin. Após uma breve apresentação com a síntese biográfica do cientista, o livro conta com dois capítulos introdutórios que ajudam o leitor a situar a relevância de Franklin na filosofia natural do século XVIII e na política dos Estados Unidos da América (EUA), explicando também o contexto dos estudos sobre a eletricidade e a luz naquele século. Em seguida, o autor expõe as traduções de seis cartas e um ensaio, precedidas por uma breve explicação acerca do conteúdo encontrado em cada obra, de forma a auxiliar o leitor na compreensão dos escritos. Por fim, Moura faz algumas considerações finais sobre a importância de se estudar a história de Benjamin Franklin para além de sua carreira política, entendendo que a “filosofia natural de Franklin influenciou gerações de filósofos naturais do século XVIII” (MOURA, 2019, p.145), ainda que esse lado de sua biografia seja geralmente simplificado em prol de sua imagem como homem político.
Conforme explica Breno Moura (2019, p.13), por volta de 1740 a eletricidade surgia como uma interessante fonte de experimentos observáveis e pouco explorados até o momento, o que despertou o interesse de cientistas que começaram a desenvolver estudos em laboratórios majoritariamente localizados na Europa. Franklin teve contato com essas pesquisas através de conferências realizadas por europeus nas colônias britânicas – atual Estados Unidos da América – e, principalmente, após a leitura de textos de um de seus principais correspondentes, o cientista britânico Peter Collinson, descrevendo os experimentos alemães com a eletricidade.
A partir desse contato inicial, Franklin se dedicou, principalmente entre as décadas de 1740 e 1760, a trocar correspondências e publicar textos descrevendo seus experimentos e explicando seus pontos de vista com relação aos estudos da eletricidade e da luz. Leitor de Isaac Newton e de outros autores newtonianos, conferia grande importância ao caráter experimental em seus trabalhos (MOURA, 2019, p.38), buscando a observação dos fenômenos naturais para atingir uma verdade que descartaria todas as outras hipóteses de maneira definitiva.
Dentre os experimentos realizados pelo norte-americano, dois dos mais famosos são o da guarita e o da pipa. O primeiro, realizado em 1750, foi descrito em um ensaio – intitulado “Opiniões e conjecturas sobre as propriedades da matéria elétrica” – que buscava explicar o poder das pontas como condutoras de eletricidade por meio do conceito de atmosferas elétricas (MOURA, 2019, p.83). Esse trabalho foi um dos mais importantes para a carreira do cientista, uma vez que “garantiu a Franklin a prioridade em diversos aspectos conceituais e experimentais da eletricidade, contribuindo para torná-lo conhecido no círculo de filósofos naturais europeus do século XVIII” (MOURA, 2019, p.90). A partir da divulgação do experimento da guarita, as ideias de Franklin ganharam uma maior legitimidade, ainda que fossem recebidas com algum receio por parte daqueles que consideravam os estudos vindos das colônias como inferiores.
O caso do experimento da pipa, possivelmente o mais famoso na biografia de Benjamin Franklin – muitas vezes comparado à maçã de Newton ou ao grito de “Eureka!” de Arquimedes –, na verdade gerou e ainda gera alguns debates sobre sua execução entre os pesquisadores da área. Segundo Breno Moura (2019, p.138), a versão mais aceita sobre esse capítulo da vida de Franklin é a de que o cientista teria de fato realizado um experimento em que empinava uma pipa ligada a um fio metálico que estaria conectado a uma chave de metal por meio de um laço de barbante ou seda. Entretanto, esse experimento foi apenas uma reprodução das ideias já aplicadas no caso da guarita, gerando um impacto menor do que fazem crer os contos populares sobre essa história, uma vez que até mesmo Franklin não conferiu tanta importância para o experimento em suas cartas.
Ainda que, como homem de seu tempo, Benjamin Franklin buscasse separar a carreira política da científica, o próprio ato de trocar correspondências com europeus e de conquistar um papel proeminente naqueles círculos científicos exemplifica a relação direta entre as duas carreiras. A hierarquia entre colônia e metrópole – num período de intensas agitações e discussões sobre possível independência do que viriam a ser os Estados Unidos da América – ficava evidente nos relacionamentos daqueles cientistas, o que inicialmente dificultou a legitimação de Franklin, mas por fim conferiu ainda mais relevância aos seus trabalhos na história das ciências. Como afirma Moura, “Franklin e seus companheiros inauguraram um outro padrão para o desenvolvimento científico fora dos centros da Europa” (p. 146) e suas produções enquanto cientista acabaram por estabelecer importantes bases e redes de contato que lhe auxiliaram a se firmar enquanto figura política decisiva algumas décadas depois.
Sendo assim, o livro A filosofia natural de Benjamin Franklin: traduções de cartas e ensaios sobre a eletricidade e a luz fornece importantes elementos para o debate sobre uma abordagem da historiografia moderna das ciências que se baseia na separação entre história natural e história humana. Atentando-se a essa divisão, Breno Moura pontua que, não obstante as importantes contribuições de Franklin para as ciências naturais, a maioria dos trabalhos sobre sua história focam apenas em sua carreira política na história dos EUA, tratando-o como duas figuras históricas distintas ou até mesmo deixando suas contribuições científicas em segundo plano. Moura faz, por fim, uma relevante contribuição para que pesquisadores da história das ciências e áreas afins tenham maior conhecimento sobre os escritos de Benjamin Franklin, buscando evidenciar que seus experimentos com a eletricidade e a luz no contexto da filosofia natural não são necessariamente secundários e influenciaram diretamente sua carreira política.
Referência
MOURA, Breno Arsioli. A filosofia natural de Benjamin Franklin: traduções de cartas e ensaios sobre a eletricidade e a luz. São Bernardo do Campo: Editora da UFABC, 2019.
Resenhista
Luiza Lima Dias – Mestranda Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: dias.lu.lima@gmail.com
Referências desta resenha
MOURA, Breno Arsioli. A filosofia natural de Benjamin Franklin: traduções de cartas e ensaios sobre a eletricidade e a luz. São Bernardo do Campo: Editora da UFABC, 2019. Resenha de: DIAS, Luiza Lima. Temporalidades. Belo Horizonte, v.12, n.1, p.916-918, jan./abr. 2020. Acessar publicação original [DR]