A festa do Divino Espírito Santo: uma homenagem ao patrimônio cultural Marabaense | Ramon de Sousa Cabral
Festa do Divino em Marabá | Imagem: Correio de Carajás
O livro A festa do Divino Espírito Santo: uma homenagem ao patrimônio cultural Marabaense foi organizado por Ramon de Souza Cabral, que atua na Fundação Casa da Cultura de Marabá (PA), especificamente no NAEEP- Núcleo de Arqueologia, Etnologia e Educação Patrimonial. Um trabalho de pesquisa primoroso, constituindo contribuição importante para os festejos da cidade, desde a coleta das fontes documentais à escolha das imagens fotográficas que ilustram suas 200 páginas. O autor teve a preocupação de trazer histórias e trajetórias da festa do Divino Espírito Santo na cidade de Marabá. Um projeto que teve início com a preocupação da Casa da Cultura em registrar manifestações populares, memórias e práticas culturais marabaenses. A questão era não deixar no esquecimento, e sim escrever suas histórias, preservar, manter viva as diversas atividades culturais presente em Marabá. E a Festa do Divino foi o projeto que deu a largada.
A Festa do Divino faz-se presente nesse livro, não de forma homogênea, mas de forma múltipla, com representações e apropriações que o tempo deixou moldar. Em suas páginas encontramos relatos e memórias de homens e mulheres que compõem os 17 grupos do Divino da região. Ramon Cabral não apenas participou dessa escuta, mas vivenciou, acompanhou e fotografou momentos que permitiram transitar pelas especificidades da festa. Cores, fé, devoção, promessas, sentimentos e memórias cruzam-se no bailar do corpo, ao estender a bandeira, em vários movimentos. As fitas coloridas, dispostas ao vento, dão o sentido da festa. Louvar e agradecer ao Divino Espírito Santo, membro da Santíssima Trindade, é o ponto chave desse encontro ao som de cantos religiosos.
Segundo Márcia Abreu (1999, p. 37), “as festas religiosas emergiram dos estudos de história cultural como local privilegiado para se pensar o exercício da religiosidade popular e sua relação dinâmica, criativa e política com os diferentes segmentos da sociedade…”. É nesse campo investigativo, que o autor transita e nos contempla com histórias que nos permitem refletir essa mobilidade, esse ir e vir dos festejos. A festa é múltipla, contradição, mobilidade, mudanças, encontros, vidas, experiências, corpos que se cruzam (SANTOS, 2018). Ela é o somatório desse social, em explosão das emoções, o viver, o socializar, o esquecimento, as lembranças.
Cabral traz neste livro, esse emaranhado de emoções, a festa contada por quem segue e vive o Divino. O autor fareja, caça, persegue os indícios, lembrando Carlo Ginzburg (1989, p 145), quando compara o trabalho do historiador ao de um caçador e suas inúmeras pistas. Nesse caminhar tece narrativas, interpreta, classifica, ordena na forma como o livro foi montado. A pomba do divino é o elo que possibilita compreender a festa e suas práticas culturais.
Para entender a festa e sua dinâmica, o autor montou um quadro no qual inseri-o, os nomes dos 17 grupos, o responsável por cada um, e os dias do mês de maio, junho e julho que a festividade acontece. Destes, 13 grupos estão na área urbana e 4 na área rural. Vivenciar a Festa do Divino é “divino”, é uma ruptura ao cotidiano da cidade, que ser ver participando e agradecendo, a graça alcançada. Local de encontro do sagrado e do profano, da vida, de pessoas que saem de suas casas para louvar e agradecer.
A festa do Divino é uma soma de várias outras festas, que remontam à Antiguidade Clássica, em torno do fogo, com dança, música e muita comida, agradecendo a abundância da colheita. Durante o século XIV, a Igreja Católica, diante dessas festividades “pagãs”, tratou de trazer para seu direcionamento esses festejos, fornecendo-lhe outras leituras em nome de Deus e da Santíssima Trindade. Foi em Portugal que a festa do Divino tomou feições próximas da que conhecemos hoje, verificadas em diferentes partes do Brasil, em suas diversas manifestações.
Imperador e Imperatriz, foliões, pessoas nas ruas, mesa farta, bandeira ao vento, flores no altar, a pomba do Divino, fitas coloridas, são traços culturais que determinam e especificam esses grupos, que saem pelas casas, conectando o sagrado, por meio da fé e suas ações. Uma festa que tem como culminância o domingo de Pentecostes. Nesse encontro, é oferecido um banquete, denominado “a mesa do Imperador”, reunindo muita comida para o Império do Divino. As pessoas, nesse momento, sorrindo e felizes, fazem votos, brindam a vida e a renovação de um novo ciclo de festa e louvação.
Na cidade de Marabá ocorre algo bem específico, uma romaria fluvial. Os diversos Divinos se encontram e fazem o trajeto saindo da margem do rio Itacaíunas até o bairro de Santa Rosa, na margem do rio Tocantins. Um momento de reverência, saudação das bandeiras, agradecimento na capela, ao som de músicas e cantos. Muitos param para olhar, participar, acompanhar, saudar e brincar. A cada ano uma nova esperança, novos integrantes e a certeza da continuidade dos festejos.
O lançamento deste livro não poderia ser de outra forma. A Fundação Casa da Cultura de Marabá, em uma programação denominada de Giro Cultural, convidou todos os Divinos para esse momento de festa e agradecimentos. O autor estava devolvendo para cada um dos participantes suas histórias, seus relatos registrados em cada página e fotografia. O livro era, além de um presente naquele ato, também uma forma de reconhecimento da festa e de seus integrantes, enquanto Patrimônio Imaterial da Cultura de Marabá.
A festa do Divino tem pessoas, tem histórias, vidas que pulsam, que acreditam e mantém a fé na Santíssima Trindade. O Divino é recebido com fogos, com bandeiradas, com fitas. Assim foi este livro, que conta com distribuição gratuita para escolas, bibliotecas e para a comunidade do Divino. O autor não apenas possibilita pensar na festa e em sua materialidade, mas em todas as etapas, com uma narrativa que sensibiliza entre fé, devoção e religiosidade.
Referências
ABREU, Martha C. O Império do Divino: Festas religiosas e Cultura Popular no Rio de Janeiro, 1830-1900. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: São Paulo: Fapesp, 1999.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SANTOS, Mário Ribeiro. Noites festivas de junho. Histórias e representações do São João no Recife (1910-1970). Recife: Editora da UFPE, 2018.
Resenhista
Geovanni Gomes Cabral – Docente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Diretor da Faculdade de História (FAHIST/Unifesspa). Editor da Revista Escritas do Tempo. https://orcid.org/0000-0003-0768-8525
Referências desta Resenha
CABRAL, Ramon de Sousa (Org). A festa do Divino Espírito Santo: uma homenagem ao patrimônio cultural Marabaense. Marabá: Fundação Casa da Cultura de Marabá, 2022. Resenha de: CABRAL, Geovanni Gomes. Patrimônio imaterial de Marabá: a festa do Divino em cores, fé e devoção. Escritas do Tempo, v. 4, n. 10, p. 149-151, jan./abr.2022. Acessar publicação original [DR]