A Escola Normal de Natal (Rio Grande do Norte, 1908-1971) | Francinaide de Lima Silva Nascimento

Evidenciar o tema da história da formação de professores por meio do estudo da Escola Normal de Natal é proposta da obra intitulada Escola Normal de Natal (Rio Grande do Norte, 1908-1971), que se apresenta como produto da tese de Doutorado em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte da autora Francinaide de Lima Silva Nascimento, que está alinhada aos estudos do grupo de pesquisa História da Educação e Gênero da UFRN e ao Projeto História da Leitura e da Escrita no Rio Grande do Norte – presença de professores (1910-1940), fator esse importante, pois foi através das discussões ocorridas nestes espaços que constituiu a obra agora resenhada.

Professora e pesquisadora da área de Educação, Francinaide de Lima Silva Nascimento, atualmente exerce a função docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, na graduação e pós-graduação. A aproximação com pesquisadores portugueses como Justino Magalhães e Joaquim Pintassilgo no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa durante seu estágio doutoral, possibilitou uma análise comparativa da gênese dos estabelecimentos entre a Escola Normal de Lisboa e a de Natal, “percebendo as relações implicadas na apropriação de uma forma escolar própria” (Nascimento, 2018, p. 16).

A autora utiliza como recorte temporal o ano de 1908, fazendo referência ao período posterior a terceira fase de instalação da Escola Normal de Natal como lugar para a Formação de professores do ensino primário, tem-se no ano investigado o marco de sua institucionalização. Segundo a autora, é nesse período que as instituições formadoras passam a receber o público feminino em suas dependências, e assim, a Escola Normal de Natal se revelou como uma escola de formação de mulheres para o exercício docente.

Nesta obra, é percebido que a autora utiliza duas expressões ao se referir a lei n. 5.692/1971, a saber: “[…] Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 5.692/1971” e “Lei nº 5.692, de 1971, que estabeleceu diretrizes e bases para o primeiro e o segundo graus”.

Para autores que tratam dos processos políticos educacionais e as formas como reverberam no ensino brasileiro, corroboramos com Dermeval Saviani, que percebe a lei supracitada, como complemento de um “ciclo de reformas educacionais destinadas a ajustar a educação brasileira à ruptura política perpetrada pelo golpe militar de 1964” (Saviani, 2015, p. 130). Entretanto, o que importa aqui, são os impactos práticos dessa reforma e demais decretos e materiais analisados pela autora.

No primeiro capítulo intitulado “Um Espaço de Formação do Professor Primário”, a autora parte do século XIX, para explicar a conjuntura política e social que a escola e a função docente estão inseridas no Brasil, e a criação das primeiras escolas normais do país enfatizando o pioneirismo do estado do Rio de Janeiro em 1835 em Niterói. Posteriormente, vários estados seguem o exemplo carioca e a criação de outras escolas normais acontecem até o final do século XIX.

Vale salientar, que a Escola Normal de Natal foi abrigada nas dependências do Atheneu Norte-Rio-Grandense funcionando até o ano de 1910, passando a funcionar no prédio, Grupo Escolar Modelo (Nascimento, 2018, p. 36). Seguindo a proposta da experiência de São Paulo, as escolas anexadas ao lado das Escolas Modelo para o exercício da prática pedagógica do alunado só veio ocorrer no Rio Grande do Norte, no início século XX.

A secção “A Escola Normal Primária de Lisboa e de Natal: encontros”, apresenta uma análise comparativa entre a Escola Normal de Natal e a Escola Normal Primária de Lisboa, mostrando aproximações e distanciamentos, compreendendo a gênese, implantação e consolidação destas instituições educacionais. Para isso, a autora utiliza informações contidas em programas (ao mencionar os currículos), horários, exames de admissão e regulamentos, leis e decretos.

Segundo a análise comparativa de Nascimento (2018, p. 36), “a instalação do curso de formação para o magistério primário em Lisboa e em Natal ocorreu em um lento processo, marcado por intermitências no funcionamento em ambas as instituições”. No século XX, o papel das mudanças em ambas as instituições tanto em Lisboa como em Natal, passa por constantes reformas no ensino primário e normal de ensino.

O segundo capítulo intitulado: “A Escola Normal de Natal”, a autora destaca a partir da segunda metade do século XIX as três fases da Escola Normal de Natal, desde sua primeira fundação em 1873, passando por sua segunda criação onde a autora usa o termo de Nestor Lima, “natimorta” em 1890, a terceira Escola Normal que só teve seu início marcado por volta de 1897 e por fim, sua fundação institucional em 13 de maio de 1908, tendo sua primeira turma formada no ano de 1910.

A Escola Normal de Natal manteve estreita relação com à Reforma do Ensino Primário, o papel preponderante da mulher no magistério e criação de Grupos Escolares tendo no Grupo Modelo Augusto Severo seu papel pioneiro e sua forma de atuação como modelo as demais instituições que foi se constituindo. Utilizando-se de enorme acervo histórico, a autora apresenta detalhes dos agentes envolvidos na composição docente, diretores, intelectuais ligados à Escola Normal de Natal, alunos formados e lugares de sua atuação profissional.

Um fator importante da obra é o fato de Nascimento (2018, p. 97) sinalizar que progressivamente “acentuava-se a tendência para a feminização do magistério, notada em outras regiões do país”. Ao afirmar que os homens pouco a pouco abandonavam as salas de aula e a mulher ganhava espaço no magistério. Desse modo, é na década de 1920, que “a Escola Normal de Natal já estava consolidada como a instituição de preparo do magistério primário potiguar” (Nascimento, 2018, p. 101).

A década de 1930, foi marcada pelo surgimento de novas instituições de ensino. Destes, destacam-se os Institutos de Educação, que tinham por referência as reformas de Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo, marcados pelo movimento escolanovista no Brasil, que acarretou mudanças através da Lei Orgânica do Ensino Normal na década seguinte, passando não apenas a formar professores, mas, administradores escolares e “propagar os conhecimentos e técnicas relativas à educação da infância” (Nascimento, 2018, p. 109).

O capítulo “Magistério Primário em Natal” tem por base apresentar ao leitor o que consideramos chamar de “tripé” das relações entre a educação e a sociedade durante os anos de 1908 a 1971, pois a Escola Normal, os professores primários e o Grupo Escolar, constituem o que a autora chama de “figuração educacional”, sujeitos a instituição e os dispositivos que balizam as ações educativas (Nascimento, 2018, p. 115).

Instrumentalizando fontes diversificadas como decretos governamentais, destaques do Jornal local como o “Diário de Natal”, “A República” e “A Ordem”, percebemos as mudanças na sociedade potiguar e as reverberações que as políticas nacionais implementadas promoveram, como a Reforma Capanema entre os anos de 1935 a 1937, e a criação de Institutos de Educação.

Em destaque, Nascimento destaca mudanças que a legislação promoveu ainda na década de 1960, por meio da qual “a Escola Normal de Natal tornou-se legalmente Instituto de Educação […] onde atualmente funciona a Escola Estadual Anísio Teixeira” (2018, p. 128). Nesta década, o convênio entre o Ministério da Educação (MEC), a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste e a United States Agency for International Development (USAID), estabeleceram o programa “Aliança para o Progresso” com investimentos para a região em diversas áreas inclusive na educação.

Como ação principal dos ciclos de reformas da educação brasileira, a lei n. 5.692 de agosto de 1971, trouxe mudanças marcantes, passando a estabelecer o ensino de segundo grau e transformando a Escola Normal, em uma habilitação profissional para o magistério de nível de segundo grau, abolindo assim, o nível ginasial. Esta formação profissional, seria específica para o exercício do ensino de 1ª a 4ª séries.

Logo, o Curso Normal, passou a mudar de nomenclatura, transformando-se em Habilitação para o Magistério. Em mudanças locais, a principal destaca-se ainda, a do Instituto de Educação Presidente Kennedy para Escola Estadual Presidente Kennedy, transformando o Curso Normal em uma das habilitações profissionais de segundo grau.

No quarto capítulo, intitulado “Particularidades da Escola Normal de Natal”, a autora debruça-se sobre, o que ela denominou “Programas de Ensino”, tratando dos conhecimentos ministrados na instituição, por meio das “matérias” que eram as partes específicas que compunham o programa.

Através do percurso histórico e legal, que normatizou o ensino durante o período de 1874 até 1970 do século XX, demonstrou de forma clara e concisa a identidade institucional através da “evolução histórica da instituição educativa, do programa de ensino, as finalidades institucionais, como também os princípios e modelos pedagógicos” (Nascimento, 2018, p. 133).

Como metodologia de estudo do programa de ensino da Escola Normal de Natal, a autora realiza uma análise comparativa com outros programas tomados como referências, a saber, a Escola Normal de São Paulo, Escola Normal da Corte, no Rio de Janeiro e a Escola Normal de Pernambuco. Constata que a Escola de Natal possuía um programa de ensino elementar, priorizando as matérias propedêuticas, mas que foi se sofisticando ao passar do tempo, visando a melhoria do ensino, o que se deu efetivamente com a inserção de matérias voltadas para formação pedagógica dos normalistas no ano de 1916.

A autora expressa as transformações e contingências, no que diz respeito não somente aos programas de ensino, mas também, às tentativas de funcionamento, as alternâncias na duração do curso e as mudanças de espaços físicos. Traz ainda, a expansão da modalidade de ensino para outras instituições escolares, até mesmo para instituições privadas, e para outros municípios do Estado. Por fim, a federalização do Ensino Normal, subsidiada pela Constituição Federal de 1937, surgiu como tentativa de uniformização cultural e do ensino nas Escolas Normais em todo o território.

No quinto e último capítulo, intitulado “Mulheres no Magistério”, a autora trata sobre a história de três professoras que se destacaram no exercício da profissão, em Natal, são elas: Francisca Nolasco Fernandes, Crisan Siminéa e Maria Arisneide de Morais.

A professora Francisca Nolasco Fernandes, foi a primeira diretora mulher da Escola Normal de Natal, tendo estudado na Escola Doméstica de Natal, formando-se em 1929, recebendo o diploma de dona de casa. Íntima das letras, dirigiu O Lar, órgão literário do grêmio da referida escola, dentre outros trabalhos, escrevia colunas nos jornais de Natal. A referida professora adentrou na Escola Normal da Cadeira de Português em 1951, passando a ocupar o cargo de diretora no ano seguinte. Conforme a autora, a professora “aprendeu a ser professora sem as metodologias tão necessárias, considerava o aluno a matéria – prima de seu trabalho, e gostava de saber mais e mais para transmitir” (Nascimento, 2018, p. 175).

A professora Crisan Siminéa, estudou para atuar no magistério, o que lhe conferiu grande habilidade e competência, construindo um legado de “caráter didático e educacional através do qual é lembrada como educadora de referência” (Nascimento, 2018, p. 180) e citada como “apóstola da educação”. Com formação diversificada, atuou em várias escolas, sendo a primeira docente do sexo feminino na Escola Almirante Ary Parreiras e ainda, diretora de várias instituições a primeira do Atheneu Norte-Rio-Grandense.

Por fim, a autora passa a narrar sobre a vida e percursos profissionais da professora Arisneide de Morais. Formada em Pedagogia, na primeira turma do ano de 1966, após a federalização da UFRN. Das três professoras pesquisadas, a única que foi entrevistada em vida pela autora. De modo perspicaz e gentil, a autora trouxe ao texto as memórias da professora, carregadas de saudosismos e vivacidade, com suas lembranças sobre o fardamento escolar das normalistas, o relato sobre o único colega de turma, do sexo masculino, dentre os quarenta alunos da turma. Seu saudosismo em relação a Canção das Normalistas, hino escrito por Nestor Lima, outra referência na educação de Natal enfatizando o trecho do hino que “ensinar é partir os espinhos. Que malferem sorrisos em flor. É acender em escuros caminhos. Madrugadas de sonho e amor” (Nascimento, 2018, p. 191).

Arisneide de Morais foi gestora da Escola Normal de Natal, coordenou, paralelamente, o Programa de Educação de Adultos do Serviço Social do Comércio (SESC). Sempre ativa, aperfeiçoava-se constantemente. Em 1971, realizou o Curso de Diretores de Estabelecimentos de Ensino Normal do Nordeste, pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, em Recife, posteriormente realizando estágio no Projeto II, programa do MEC destinado ao aperfeiçoamento dos professores no Brasil. Ativamente na Escola Normal, foi professora, coordenadora de prática de ensino e gestora. Trabalhou na Secretaria de Educação do Rio Grande do Norte – SERN.

Acreditamos que esta obra é uma passagem a produção do conhecimento no campo da História da Educação do Brasil e um convite a leitura por parte de pesquisadores, estudantes e interessados na área das Ciências Humanas e Sociais, em especial da História e da Pedagogia.

Compreender historicamente é caminhar através dos vestígios deixados no tempo e espaço, desenvolvimento esse, trilhado com bastante esmero pela pesquisadora que contribui para a área da História da Educação, em especial do Rio Grande do Norte com esta importante obra.

Referências

Nascimento, Francinaide de Lima Silva. (2018) A Escola Normal de Natal (Rio Grande do Norte, 1908-1971). Natal, Editoraifrn.

Saviani, Dermeval. (2015). Política e educação no brasil: o papel do Congresso Nacional na legislação de ensino. Campinas: Autores Associados.

Joilson Silva de Sousa – Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: joilson.sousa@acadêmico.ifrn.edu.br.

Maria Keila Jeronimo – Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: keilajeronimo@hotmail.com.


NASCIMENTO, Francinaide de Lima Silva. A Escola Normal de Natal (Rio Grande do Norte, 1908-1971). Natal: Editoraifrn, 2018. Resenha de: SOUZA, Joilson Silva de; JERONIMO, Maria Keila. História da formação de professores para o Ensino Primário: a Escola Normal em Natal. History of Education in Latin America. Natal, v.2, e19593, 2019. Acessar publicação original [IF].

Itamar Freitas

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