O novo livro do Professor Dreifuss oferece uma oportunidade de observar as características principais da complexa interdependência econômica que marca este fim de século. Ao mesmo tempo, coloca em questão o papel do Estado Nacional e da democracia no mundo após a queda do muro de Berlim. A análise é bem característica desse fim de século: atesta uma possível perda de soberania decisória dos Estados, que tendencialmente passariam a ter presença menor em várias áreas da vida social.
A característica básica das novas análises em ciências sociais, como a de Dreifuss o que parece configurar-se como padrão recorrente no mundo todo é a grande inquietação acerca dos planejamentos estratégicos e das concepções de inserção internacional dos diversos Estados, nessa década final do milênio. Sabe-se que com o fim da Guerra Fria, concomitantemente ao “nebuloso” fenômeno conhecido como globalização, os tempos mudaram, trouxeram novos perigos, novos desafios e demandas. Entretanto, difícil mesmo torna-se definir e chegar a um consenso sobre quais seriam pontualmente essas mudanças.
Podemos facilmente dividir o livro, uma verdadeira passarela de neologismos, em dois momentos. O primeiro é aquele no qual Dreifuss incorpora a seu texto o ofegante ritmo do desenvolvimento tecnológico, que no fim do século chega a ser quase que exponencial: a ascensão e o domínio dos meios que ele chama de “teleinfocomputrônicos”. Ao mesmo tempo, o autor enfatiza a ação das grandes corporações e dos novos meios de gestão por elas adotados em busca da competitividade global. O autor demonstra fôlego e conhecimento do objeto, descendo aos menores detalhes na caracterização dessa nova fase de “império” do conhecimento e do capital. Em um segundo momento, a análise dá uma guinada de direção, passando a focalizar as interações entre os Estados e as novas composições políticas e estratégicas que resultam do fim da Guerra Fria.
Estão em jogo não somente a atuação de empresas e Estados separadamente, mas ainda a necessária interação e coordenação decorrentes e entre si. À medida em que o livro passa, é recorrente a referência à tríade “Norte-Norte” (eixo EUA, Japão e Europa) que, retendo tecnologia e conhecimento, domina as relações econômicas internacionais através das finanças, finanças essas que estariam quase que totalmente fora do controle de qualquer país. Nesse seleto grupo de países vão gradualmente se incluindo desde algumas décadas os Tigres Asiáticos, em primeiro lugar, e alguns outros mercados emergentes.
Entre essas duas partes do livro existe uma notável diferença: no primeiro momento impera o fascínio pelo novo e a perplexidade perante suas dimensões; no segundo, levantam-se as incertezas que o fim de meio século de congelamento ideológico traz. A conclusão é uma profissão de fé nas possibilidades de interação e organização social que o desenvolvimento dos meios de comunicação pode vir a propiciar.
O instrumental teórico utilizado pelo autor é uma confluência mais ou menos eclética de várias lentes atualmente discutidas no Brasil e no resto do mundo: no melting pot de Dreifuss entram idéias que nos remetem aos argumentos de Huntington, Fukuyama, Tofler e Gaddis, dentre outros. O resultado é uma análise rica em detalhes, onde o interessante consiste na boa margem para vários tipos de interpretações; pode-se encontrar subsídios e “recheios” para todo tipo de discurso, do marxista ao liberal, do nacional-desenvolvimentista ao associacionista, do pessimista ao utópico.
Entretanto, as conclusões do final do livro abrem espaço para ampla contestação, uma vez que Dreifuss se permite sonhar com possibilidades do tipo democracia interativa e novos padrões de comportamento ético e de convivência entre os cidadãos dentro dos países, e que agora passariam a ser cada vez mais cidadãos do mundo. Tudo isso em função das novas formas de interação cada vez mais completas, e tendentes a um futuro de diferentes organizações sociais, mais “humanificadas”.
Acostumado a ter que, a cada três ou quatro palavras, pronunciar os prefixos trans-, intra-, inter- e multi-, dentre outros, o analista de Relações Internacionais dos anos 90 é diariamente bombardeado com inúmeras visões sobre o que seria a tão famigerada Globalização: uma palavra que em um discurso possui um grande impacto psicológico, e que acaba sendo muitas vezes mal explicada, podendo-se tornar um tanto vazia e até mesmo perigosa. Isso vale para os discursos de motivação progressista, da mesma maneira que para os de contestação. Usado indiscriminadamente, esse verdadeiro ópio retórico de fim de século carece enormemente de análises que situem melhor o processo sem romantismo, explicitando seus verdadeiros limites à la longue. Existe, portanto, uma tarefa de desmitificação a ser realizada.
Para essa tarefa, o livro de René Dreifuss fornece subsídios. Ao mesmo tempo, a leitura de A época das perplexidades faz o conhecimento avançar, principalmente pela quantidade e pelo nível de detalhamento e precisão dos dados.
Resenhista
Demerval de Sena Aires Junior
Referências desta Resenha
DREIFUSS, René Armand. A época das perplexidades. Mundialização, Globalização e Planetarização: novos desafios. Petrópolis: Vozes, 1996. Resenha de: AIRES JUNIOR, Demerval de Sena. Revista Brasileira de Política Internacional, v.40, n.2, 1997. Acessar publicação original [DR]
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